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União ignora pacto federativo na criação de sistema de dados criminais

Sistemas de informações estatísticas na segurança pública são frágeis

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São Paulo

Reportagem de Mariana Zylberkan no sábado (6) na Folha escancara a fragilidade dos sistemas de informações estatísticas na segurança pública.

A repórter constatou como os dados criminais brasileiros compilados pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública são ainda bastante precários e carentes de padronizações e critérios.

Não há coordenação política e estratégica em torno de metas e objetivos comuns. Temos mais de 1.400 agências públicas cujas atividades impactam na segurança da população e quase nenhum esforço de integração que não seja voltado para a dimensão meramente tática e operacional.

Busca-se criar grandes plataformas tecnológicas e bancos de dados, porém evita-se discutir políticas, metas e critérios de cooperação federativa e republicana.

Falta-nos capacidade de articulação e, nesta ausência, proliferam-se o "achismo" e o uso político dos dados. Em síntese, o Sinesp, criado em 2012 após a presidente Dilma Rousseff (PT) sancionar a lei 12.681, ainda não é um sistema nacional de informações criminais confiável.

E por quê? Para responder, deveríamos primeiro refletir sobre os três atributos desejáveis que um bom sistema de informações deveria ter: a) controlabilidade e auditabilidade; b) consistência metodológica; e c) transparência.

A qualidade de um sistema de informações depende, crucialmente, da qualidade da informação na ponta. Se o dado que municia o sistema é de má qualidade, a informação que sairá ao final será de qualidade naturalmente duvidosa.

No caso de registros criminais, duas questões em particular surgem, que dizem respeito a diferentes classificações do tipo penal e a acurácia do registro em si, que pode ser fragilizada por inúmeros motivos, desde a falta de treinamento e capacitação a incentivos políticos perversos.

A consistência metodológica não implica apenas na definição e clareza sobre o que cada indicador deseja mensurar, mas requer uma lista de diferentes tipologias que venham a exaurir as possibilidades de classificação, de modo que elas sejam mutuamente exclusivas, e que o administrador do sistema consiga agregá-las de forma a fazer comparações consistentes.

Por exemplo, o Ministério da Saúde utiliza a Classificação Internacional de Doenças, que atualmente contém 12.422 códigos de morbidade/mortalidade, que além de exaurirem as possibilidades de classificação permite que elas possam ser agregadas em grandes grupos. O UNODC (órgão da ONU para drogas e crimes) também tem um sistema parecido para a classificação de crimes, o International Statistics on Crime and Justice.

A transparência implica que o usuário (e não só os gestores) possa ter acesso à documentação sobre os indicadores e a toda a base de microdados, de modo que cada pesquisador possa avaliar a consistência e qualidade dos dados.

O fato é que, desde a criação do Sinesp, os gestores se perderam no fetiche da tecnologia, em que se objetivou produzir grandiosas soluções tecnológicas e impingir às unidades federativas (UFs) um modelo único digital para registro de informações, não obstante o nosso pacto federativo dotar estados e Distrito Federal de autonomia em matéria de administração das polícias.

Em seu formato atual, o Sinesp não é um sistema estratégico que ajuda a integrar e monitorar as ações da área, bem como prestar contas à população. Ele está desenhado para ser um sistema operacional, que tem sua função e pode ajudar as polícias, mas está limitado pelas opções político-institucionais que tiveram origem na gestão Dilma e foram mantidas por Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PSL).

Tanto é que, em março, o ministro Sergio Moro anunciou a publicação de dados do Sinesp sem a presença de representantes das UFs, que são proprietárias e responsáveis pelas informações. A União, mais uma vez, tentou substituir as UFs ao invés de ajudá-las.

Sem padronização e/ou coordenação, a produção de dados em muitos estados é caótica. A consistência metodológica e a transparência então estão longe do aceitável.

A criação do Sinesp foi uma iniciativa louvável e necessária para se pensar na política de segurança pública. Contudo, após muitos milhões gastos, estamos ainda longe de ter um sistema de informações criminais nacional minimamente aceitável e confiável.

Somente aqueles que estão "ideologicamente informados", nas palavras de um dos 27 comandantes-gerais das polícias militares brasileiras, insistem em desconsiderar que exigir qualidade, transparência e rigor metodológico é a base para que possamos de fato reduzir a violência e não ficarmos de bravatas ou de usos políticos e ideológicos do dado de ocasião.

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