Movimento pede concessão de edifício ocupado no centro de SP

Movimento Sem Teto do Centro pediu à prefeitura o direito de uso do imóvel por 30 anos

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São Paulo

​Após anos de indecisões e espera, o antigo edifício do INSS, na região central de São Paulo, pode, enfim, ter um destino.

O MSTC (Movimento Sem Teto do Centro), que ocupa o prédio desde 2016, formalizou junto à prefeitura o pedido de cessão do direito de uso do imóvel por 30 anos —o que deve servir como iniciativa piloto para outras ocupações.

Para tanto, o movimento —coordenado por Carmen Silva, uma das líderes sem-teto que teve prisão pedida pelo Ministério Público— se compromete a fazer as obras de reparo necessárias e a implantar um programa de locação social e de atividades culturais, o que já ocorre no local com a realização de eventos que reúnem até milhares de pessoas.

O projeto foi protocolado e confirmado à Folha pelo secretário de Habitação do município, João Farias, para quem o modelo é bem-vindo e pode se concretizar, desde que sejam observadas as regras da pasta.

Atualmente 135 famílias moram no local. “O que se discute é o critério das famílias que irão morar no prédio após a requalificação. Há mais de 100 mil famílias que se enquadram [nos critérios] da moradia social”, diz o secretário, que ressalta que, após ser reformado, o antigo prédio do INSS poderia abrigar quase o dobro das famílias que o habitam.

De acordo com Luciana Bedeschi, uma das advogadas da ocupação, essa definição ainda não ocorreu, mas o movimento não vê problemas em discutir uma política que contemple a fila municipal. “São critérios que não foram definidos, como normatizar a entrada de novos moradores. Inicialmente, parte vai sair quando o Cambridge for entregue”, diz.

 

O Plano Diretor da cidade estabelece a área em que está o edifício, entre a avenida Nove de Julho e a rua Álvaro de Carvalho, como Zeis 3 (Zona Especial de Interesse Social) —ou seja, deve ser destinada para habitação popular. Bem diferente do projeto original do prédio, inaugurado por Getúlio Vargas, e que sofre desde meados da década de 1970 com o abandono.

 

Antes de ser ocupado, o edifício havia se transformado em ponto de descarte de lixo e atraía moradores de rua. Em 2015, o prédio foi passado do INSS para a prefeitura como parte do pagamento de dívidas com o Instituto de Previdência Municipal (Iprem).

Lei daquele ano, que autorizou o município a receber os imóveis, estabeleceu que deveriam obrigatoriamente ser utilizados em programas de habitação popular, educação, saúde, cultura e direitos humanos.

O projeto proposto para o Nove de Julho seria uma espécie de PPPP (parceria público privada popular), diz o movimento. “Será feito com recursos do próprio movimento, a partir de contribuição, votada em assembleia”, explica o arquiteto e professor da Escola da Cidade Luis Felipe Abbud, que coordena o grupo de trabalho responsável por organizar a participação do Nove de Julho na próxima Bienal de Arquitetura de Chicago.

Desde o incêndio que resultou na queda do edifício Wilton Paes de Almeida, em maio de 2018, no entanto, os movimentos de moradia passaram a ser questionados pela Justiça e pelo poder público. Em junho deste ano, a Polícia Civil de São Paulo prendeu quatro líderes de movimentos sem-teto da capital suspeitos de associação criminosa e extorsão, por cobrarem aluguel nas ocupações que coordenam.

Os movimentos dizem que as cobranças são uma divisão dos gastos de manutenção dos prédios e que as prisões são ilegais.

No Nove de Julho, os moradores afirmam estranhar também que as prisões estejam ligadas a supostos casos de extorsão dos moradores, uma vez que uma série de obras foi realizada no edifício após vistoria da prefeitura desencadeada pela queda do Wilton Paes de Almeida.

Quem visita o Nove de Julho encontra hoje uma organização nem sempre vista em ocupações pela cidade.

De cozinha comunitária a biblioteca montada a partir de doações, a vida no edifício se estruturou de forma organizada, o que também é reconhecido pelo poder público. “De fato, há uma vida muito mais ativa que as outras [ocupações]”, diz o secretário.

“É uma comunidade consolidada, onde os moradores só não investiram mais [em reformas] porque ainda não têm a segurança [de que o poder público os deixará ficar]”, diz Luciana.

Paraguaia passou por prédio que caiu antes do Nove de Julho

A trajetória da paraguaia Sonia Bogado, 33, em São Paulo é um dos exemplos do nó em que se transformou o acesso a mordia na região central da cidade. Em 2012, ela foi a primeira de sua família a chegar ao Brasil, após seu marido ficar desempregado no Paraguai.

Quando o marido e as duas filhas enfim colocaram os pés na metrópole, foram morar em uma pensão. Pagavam R$ 600 pelo quartinho onde se espremiam entre cama, geladeira e fogão. Pelo trabalho como ajudante de cozinha em um restaurante coreano, das 18h às 6h, recebia R$ 800. “Só dava pra pagar o aluguel, a gente passava fome”, diz.

Por sugestão de uma amiga, também paraguaia, a família decidiu ir morar em uma ocupação coordenada por Ananias Pereira dos Santos, na praça da Sé. Lá pagavam R$ 300. 

Em pouco tempo veio a reintegração de posse e Ananias realocou Sonia e sua família no edifício Wilton Paes —que desmoronou em maio do ano passado. Lá eles viveram por um ano. 

“Não tinha luz, não tinha água, era só lixo, briga... mas era metade do que a gente pagava na pensão, então tivemos que ficar lá.” Dali, foram levados para outra ocupação, também administrada por Ananias.

Mais uma reintegração e alguém sugeriu que fossem procurar Carmen Silva. “Disseram que ela era gente boa e não ia negar lugar pra gente, ainda mais com as crianças.”

“O prédio está sempre limpo, tem atividades, cursos de teatro, de desenho, oficina de culinária, eventos, dentista, o médico da UBS vem até aqui, não tem bebida nem briga. A única exigência é a participação, a gente tem que participar das atividades e da luta.”

Hoje, Sonia espera para ir morar no antigo Hotel Cambridge. O MSTC ganhou edital do Minha Casa Minha Vida Entidades e está reformando o edifício.

Quando as obras estiverem prontas, Sonia passará a pagar as prestações de sua casa própria.

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