Afastamento de diretoria provoca racha de pais em escola pública de dança

Divergências sobre ensino em instituição do Theatro Municipal foram parar no Ministério Público

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Amanda Queirós
São Paulo

O bailado fugiu do compasso nos corredores da Escola de Dança do Theatro Municipal de São Paulo. Única instituição pública da capital a oferecer gratuitamente curso de formação completa na área, a escola da prefeitura, localizada na praça das Artes, na região central, se tornou palco de um racha entre pais de alunos, que divergem sobre seu projeto artístico-pedagógico. 

O clima de hostilidade se acirrou no mês passado. Motivado por denúncias de falta de transparência, discriminação e violência psicológica, o Ministério Público Estadual abriu uma investigação preliminar para averiguar a transição de metodologias ocorrida após a contratação de Priscilla Yokoi como diretora artística do espaço, em agosto de 2017.   

O fato levou a Fundação Theatro Municipal, responsável pela manutenção da escola, a desligar Yokoi no dia 5 deste mês, junto de sua equipe. A decisão tem provocado uma guerra de versões entre os pais sobre a conduta da diretoria. O caso foi parar também na Câmara Municipal, onde foi debatido na última quarta-feira (18) na Comissão de Educação, Cultura e Esportes.   

Alunas da Escola de Dança do Theatro Municipal de São Paulo
Alunas da Escola de Dança do Theatro Municipal de São Paulo - Divulgação

Com Yokoi, o curso regular sofreu aumento do número de disciplinas e da carga horária, visando a formação de bailarinos profissionais de alta performance, como indicado no manual do candidato da última seleção. Ela também adotou um regime de aulas de reforço, organizou apresentações no Theatro Municipal, criou uma companhia jovem e colocou os alunos para participar de festivais competitivos.  

Enquanto alguns pais criticam o projeto, acusando-o de ser exaustivo para as crianças e de estimular a segregação entre alunos mediante desempenho, outros veem na iniciativa uma preparação sólida e fazem campanha nas redes sociais pela volta da diretoria.

“Diziam que minha filha não tinha corpo para o balé. E ela me dizia para não reclamar, porque isso iria aumentar a perseguição”, afirma a contadora Simone Müller, 46, que optou por tirar a filha da escola, no ano passado, após uma reprovação justificada, segundo ela, pela criança “ter crescido demais”.

Também há queixas do outro lado. “Meu filho está muito melhor preparado, mas agora quer sair de lá. As crianças estão sofrendo, sendo chamadas de ‘estrelinhas’ só por terem notas melhores”, diz a educadora física Helga Basseto, 35, indicando o curso livre da escola como alternativa a quem não deseja se profissionalizar.  

Para a aposentada Leila Alves, 46, mãe de uma aluna, o ideal teria sido esperar acabar o ano letivo para afastar a diretoria. “A gestão anterior não era ruim, mas tinha uma proposta diferente. Reconheço que alguma criança possa ter ficado sentida, mas acho injusto que joguem pedras. O clima está pior ainda.” 

Yokoi refuta todas as acusações. “Assédio moral, segregação, racismo, opressões veladas… Isso não acontece dentro da escola”, afirma. “Os alunos não conseguiam se inserir no mercado de trabalho, foi para isso que fui chamada. Os resultados desses dois anos são visíveis, mas ninguém vai agradar a todo mundo”, defende-se ela, referindo-se a premiações obtidas em festivais e alunos que conseguiram bolsas no exterior ou contratos.

Fundada em 1940, a escola tem 932 alunos matriculados, sendo 383 deles no curso regular, com nove anos de duração. Ele atende crianças e adolescentes entre 8 e 18 anos que ingressam após uma concorrida seleção anual e saem de lá com direito a registro de bailarino na carteira de trabalho. 

Até 2017, as turmas de primeiro e segundo ano tinham 9 horas de aula por semana. Desde o ano passado, elas passaram a 20 horas, distribuídas de segunda a sexta das 7h30 às 11h30. É um volume compatível com o da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, em Joinville (SC). Privada e sem fins lucrativos, ela mantém 246 alunos, todos bolsistas. Já na Escola Estadual de Dança Maria Olenewa, do Rio, esses números caem para menos da metade.

Pública e gratuita como a de São Paulo, a instituição carioca atende 260 crianças e adolescentes, com carga horária semanal de 6,25 horas e 9,25 horas, respectivamente, para as duas séries iniciais. “Formamos bailarinos, mas, antes de tudo, formamos cidadãos”, destaca o diretor Hélio Bejani. 

De acordo com a promotora Luciana Bergamo, que apura o caso de forma preliminar, o Ministério Público Estadual pretende verificar se o celeiro de discórdias encontrado na escola fere o Estatuto da Criança e do Adolescente. “Uma vez que se chegou a esse impasse, o que o poder público tem feito para mediar essa situação? É evidente que ele pode escolher a diretora e mudar de regras, mas isso precisa ser implementado de forma a não violar direitos”, afirma. Se aberto, o inquérito pode levar até um ano. 

A promessa da Fundação é manter a carga horária e o cronograma de espetáculos até o fim do ano, além de promover uma revisão do projeto artístico-pedagógico por especialistas. Segundo a secretária-adjunta de Cultura, Regina Pacheco, o desligamento de Yokoi é irrevogável. 

“É possível ser inclusivo e excelente ao mesmo tempo. Por que temos que reproduzir um sistema de exclusão? Neste clima não dá para formar ninguém”, diz a gestora.

Na tarde desta quarta-feira (25), depois da publicação desta reportagem, a Secretaria de Cultura anunciou o bailarino e coreógrafo Luiz Fernando Bongiovanni como novo diretor da escola. Mestre em artes da cena pela Unicamp, ele dançou no Balé da Cidade e em companhias como Cullberg Ballet, na Suécia, e Scapino Ballet Rotterdam, na Holanda.

Aula na Escola de Dança do Theatro Municipal de São Paulo
Aula na Escola de Dança do Theatro Municipal de São Paulo - Divulgação
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.