Casas projetadas por arquitetos renomados podem ser mais difíceis de vender

Localização conta mais, e falta de suítes e churrasqueiras desanimam cliente leigo, dizem corretores

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Casa desenhada por Oscar Niemeyer com jardins de Burle Marx em Ilhabela; residência está à venda

Casa desenhada por Oscar Niemeyer com jardins de Burle Marx em Ilhabela; residência está à venda Fernando Tomanik

São Paulo

​A paisagem da praia aparece emoldurada pela janela circular; o homem que a desenhou nunca esteve lá, mas, respaldado por um levantamento do terreno e por 50 anos de experiência, vislumbrou exatamente o mar de Ilhabela recortado pela obra.

A casa que Oscar Niemeyer (1907-2012) projetou para o designer Marco Antônio Rezende no fim da década de 1980 está a venda há aproximadamente um ano. 

Tem certo ar de fazenda, em parte pelo telhado, em parte pelo enorme terreno que a circunda, transformado por Burle Marx (1909-94) em um jardim que dá na areia. É o último projeto assinado em conjunto pela dupla —brigados havia já muitos anos, trabalharam por separado no projeto.

Mas não encontra comprador, mesmo que o designer tenha baixado de R$ 6,9 milhões para R$ 4,3 milhões o valor pedido pela residência de 350 m² em terreno de 2.700 m². Depois da publicação da reportagem, Rezende reviu o preço pedido pelo imóvel, que é agora de R$ 5,4 milhões.

“O fato de ser uma casa do Niemeyer com jardins do Burle Marx não faz muita diferença”, lamenta o proprietário. “Pessoas que se motivam não têm dinheiro para comprar.”

A fala de Rezende resume as peculiaridades de colocar no mercado uma joia arquitetônica. Vender uma casa com “arquitetura de autor”, como dizem os corretores, depende de encontrar, na outra ponta do negócio, uma ave rara.

É preciso que seja alguém com muito dinheiro e um amor tal por arquitetura a ponto de querer habitar um ambiente pensado para outra época e que, em muitos casos, não pode ser modificado, pelo projeto ou por tombamentos.

Rezende constata que hoje se “preferem casa com suítes, quartos e churrasqueira, todo um aparato de outra natureza”. A casa dele tem três quartos; só um deles é suíte.

“Eu sou uma pessoa espartana e o Oscar fez uma casa espartana. As pessoas preferem algo que aparente um nível social diferente”, afirma.

 

“A localização é sempre mais determinante que a assinatura”, assevera Nuno Janeiro. Em São Paulo há oito anos, o arquiteto português trabalha há cerca de três anos e meio com imóveis de alto padrão. 

Na imobiliária da qual é sócio, a Agulha no Celeiro, ele responde pela área da cidade onde está a única casa de Niemeyer em São Paulo. Fica no Alto de Pinheiros, zona oeste, uma das regiões mais valorizadas da cidade, tem cinco quartos e custa R$ 13,5 milhões. 

Nesse caso, o dono “pode chutar o valor que quiser”, pelo caráter único da residência. Ainda assim, seu valor por metro quadrado de área útil, cerca de R$ 15 mil, não difere muito do de outras casas vendidas na região, de arquitetos ainda vivos e produzindo.

Uma residência projetada por Marcio Kogan, que tem atuação internacional, pode ir de R$ 17.500 a R$ 25 mil por metro quadrado, diz Janeiro.

“Vendi duas casas do Ruy Ohtake há uns dois anos. Brutalistas, de concreto aparente, vidro. Uma delas por não mais que R$ 10 mil o metro quadrado, o valor de um apê bem legal no Itaim ou nos Jardins.”

Janeiro conta quase ter negociado a casa de Niemeyer recentemente. Mas a mulher do cliente, recorda, “sentia que estaria vivendo num museu”. 

A casa no Alto de Pinheiros tem elementos típicos da obra de Niemeyer; a planta é curvilínea, e uma rampa leva aos quartos, “uma suíte enorme com um closet gigante e duas suítes americanas [quatro quartos dividindo dois banheiros]”, descreve.

A dificuldade não vem da aptidão da casa para desejos atuais, mas, diz o arquiteto, de outro aspecto muito prezado por brasileiros, tanto ou mais que suítes: a segurança. 

“Quem tem R$ 13 milhões tem medo, e o nicho de pessoas que idolatram o Niemeyer é uma porcentagem ínfima.”

O metro quadrado chega a ser, assim, mais baixo do que o de outras casas comercializadas pela firma de Janeiro na região —sem assinatura, mas em condomínios. Apartamentos também costumam ter saída mais fácil do que as casas.

A arquiteta Camila Raghi é sócia da Refúgios Urbanos, que tem em imóveis assinados seu principal filão. “Colocar preço em uma coisa que não tem preço é difícil”, afirma ela, ecoando a fala de Janeiro.

Raghi compartilha da visão de seu colega sobre localização. “Certas regiões não aceitam valores altos.” Um exemplo seria o Jardim Guedala, por exemplo, considerado um bairro isolado.

Projetado pela Companhia City, a mesma que urbanizou o Pacaembu, o bairro da zona sul de São Paulo ofereceu aos criadores lotes de dimensões que favoreciam a vastidão das austeras estruturas de concreto que caracterizam o movimento arquitetônico conhecido como escola paulista.

Paulo Mendes da Rocha, 90, um dos maiores nomes dessa corrente modernista e principal arquiteto brasileiro vivo, é autor de uma casa à venda pela Refúgios Urbanos no bairro.

Com 467 m² em 652 m² de lote, a residência Dalton de Macedo Soares tem quatro quartos —duas suítes convencionais, duas americanas—, e piscina. Custa R$ 3,8 milhões. 

Um apartamento no Guaimbê, prédio projetado pelo arquiteto nos Jardins, tem valor estimado em R$ 3,1 milhões, segundo a plataforma 123i. São 195 m² e três dormitórios.

Além da localização, a conservação pesa muito. Segundo Raghi, de modo geral as casas se preservam melhor quando ficam nas famílias que as encomendaram originalmente.

Há três imóveis projetados por João Batista Vilanova Artigas (1915-85) —um dos mestres de Mendes da Rocha— à venda na imobiliária de Raghi.

O primeiro é composto de duas casas, que o arquiteto, mais tarde conhecido pelo prédio da FAU-USP, concebeu para si nos anos 1940. Elas foram erguidas num mesmo terreno de 1.000 m² no então distante Campo Belo, na zona sul.

A mais antiga tem só um quarto e é conhecida como casinha. Com claras referências a Frank Lloyd Wright (1867-1959), foi construída em 1946, e era usada nos fins de semana pelo arquiteto e sua mulher, que moravam no centro. 

A segunda foi erguida para sua família três anos depois e, renovada, abriga um centro cultural. Juntas, somam 210 m² de área construída e são vendidas por R$ 3,6 milhões.

As outras duas casas do arquiteto na Refúgios Urbanos ficam no Sumaré, bairro da zona oeste onde ele trabalhou muito. São a Casa dos Triângulos (1958) —com 280 m², custa R$ 2,8 milhões— e a residência Taques Bittencourt 2 (1959)— 460 m², R$ 7 milhões. 

Ambas ilustram claramente aspectos de como ele pensava os espaços residenciais: fachadas austeras, abrindo-se para o interior do lote —no caso da segunda, um belo jardim interno circundado por rampas envidraçadas. 

Os espaços são organizados em meios níveis e têm a área de convívio mais ampla que a íntima. Característica comum na escola paulista, isso restringe potenciais compradores. 

“Paulista quer suíte, closet. O público leigo, menos informado acha que essa arquitetura faz parte de outra época, não a vê como atemporal”, resume Nuno Janeiro.

Conheça as casas modernistas citadas neste texto

Residência Marco Antônio Rezende, Ilhabela litoral de SP, 1984 
A casa fica na Ponta do Pequeá, praia perto do centro de Ilhabela, e foi projetada por Oscar Niemeyer para ser ‘espartana’, no dizer do dono: tem 3 quartos, 1 só suíte, e 350 m2, num terreno de 2.700 m² transformado em jardim por Roberto Burle Marx. Está à venda por R$ 4,3 milhões

Casa no Alto de Pinheiros, São Paulo, 1974
Única residência assinada por Niemeyer em São Paulo, esta casa tem traços comuns de sua arquitetura, como as curvas e rampas; tem 5 quartos e 6 vagas de garagem. São cerca de 880 m², contando as áreas externas cobertas pela laje que se estende da sala para fora, numa marquise, num terreno de 1.810 m²

Residência Dalton de Macedo Soares, Jardim Guedala, São Paulo, 1975
Como é distintivo da arquitetura de Paulo Mendes da Rocha, esta casa tem na estrutura o principal elemento formal. A grande laje de concreto protendido forma a sala e um espelho d’água. A residência de 467 m² tem jardins e piscina, em 650 m² de lote. São 4 quartos —2 suítes convencionais, 2 americanas. Custa R$ 3,8 milhões

‘Casinha’ e casa do arquiteto, Campo Belo, São Paulo, 1946/1949
João Batista Vilanova Artigas, papa da expressão do modernismo local conhecida como escola paulista, projetou duas casas para si e para sua família num mesmo terreno; elas são vendidas juntas por R$ 3,6 milhões. As construções somam 210 m² em um lote de cerca de 1.000 m² 

Casa dos Triângulos, Sumaré, São Paulo, 1958
Esta outra casa projetada por Artigas tem tal nome graças às formas geométricas que decoram a face cega voltada para a rua; dentro, características comuns à obra residencial do arquiteto, como os meios níveis; são quatro, organizados em 280 m² de área útil. À venda por R$ 2,8 milhões

Residência Taques Bittencourt 2, Sumaré, São Paulo, 1959
Próxima ao exemplo anterior em data e local, esta foi a segunda casa projetada por Artigas para a mesma família. Nela o ambiente também se organiza em meios níveis, atingidos por uma rampa que contorna um jardim interno. Com 460 m² e outras áreas ajardinadas, ela vale R$ 7 milhões

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