Dodge denuncia fraude em investigação sobre Marielle

Procuradora pede abertura de inquérito contra suposto mandante

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Em seu último dia no cargo, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) cinco suspeitos de fraudar as investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista dela, Anderson Gomes, com o objetivo de impedir a identificação dos verdadeiros responsáveis pelos crimes.

Entre os acusados está o conselheiro afastado do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Rio de Janeiro) Domingos Inácio Brazão.

Dodge pediu a abertura de inquérito para apurar se foi ele o mandante do duplo homicídio, cujos executores já foram apontados pela Polícia Civil do Rio. 

Investigação da Polícia Federal remetida à PGR (Procuradoria-Geral da República) este mês diz, com base em depoimentos e interceptações de diálogos, que Brazão é o principal suspeito de ser o mentor dos assassinatos.  

Ele teria ligação com milicianos do Escritório do Crime – grupo formado por matadores de aluguel e que teria interesse na morte da vereadora.

Outro pedido da procuradora-geral foi o de que as investigações sobre a encomenda os assassinatos sejam federalizadas.

Para ela, a manutenção do inquérito com a Polícia Civil do Rio pode gerar novos “desvios e simulações”.

Além disso, argumenta, “eventual fracasso da persecução criminal do mandante imporia a responsabilização” do Estado brasileiro por organismos internacionais.

Brazão foi afastado do cargo em 2017, durante a Operação Quinto do Ouro, que apontou pagamento de propinas a integrantes do TCE fluminense.

A denúncia ajuizada nesta terça sustenta que ele usava a estrutura de seu gabinete para influir nas investigações do caso Marielle e, com isso, implicar o miliciano Orlando Oliveira Araújo, o Orlando Curicica, e o vereador Marcelo Moraes Siciliano (PHS-RJ), seu adversário político, nos crimes, responsabilizando-os, respectivamente, como executor e mentor. 

A estratégia do conselheiro teria sido a de plantar notícias falsas que chegassem até a Polícia Civil do Rio. Ele teria cooptado pessoas para prestar depoimentos falsos e desviar o foco das investigações.

Além de Brazão, os denunciados são o delegado federal Hélio Khristian Cunha de Almeida, o policial federal aposentado Gilberto Ribeiro da Costa, o policial militar Rodrigo Jorge Ferreira e a advogada Camila Moreira Lima Nogueira.

Se o STJ abrir a ação penal requerida por Dodge, eles vão responder pelos crimes de obstrução de Justiça, favorecimento pessoal e falsidade ideológica.

“Eles todos participaram de uma encenação”, afirmou a procuradora-geral durante entrevista  concedida horas antes de seu mandato expirar.

“Domingos, valendo-se do cargo, e da estrutura do TCE do Rio, acionou um de seus servidores, um agente da PF aposentado, para engendrar uma simulação que consistia em prestar informalmente depoimentos ao delegado Hélio Khristian e, a partir daí, levar uma versão dos fatos à Polícia Civil do Rio, o que acabou paralisando a investigação”, disse a procuradora.

A denúncia corre em sigilo. O caso tramita perante o STJ porque Brazão é conselheiro afastado do TCE e a estrutura do tribunal foi usada para o suposto crime.

Marielle Franco, eleita vereadora no Rio em 2016, foi assassinada na noite do dia 14 de março de 2018 quando voltava de um debate com mulheres negras na Lapa, no centro do Rio. Seu veículo foi atacado a tiros no Estácio, a 4 km dali.

Sentada no banco de trás, ela foi atingida por quatro disparos na cabeça. Anderson Gomes, seu motorista, também morreu com três tiros nas costas. A assessora Fernanda Chaves também estava no carro e sobreviveu.

O PM reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz foram presos em março, sob acusação de terem executado o atentado. Ambos negam ter participado dos crimes.

Dodge explicou que o pedido de federalização não abrange esse caso.

Em julho, a Justiça do Rio aceitou denúncia formulada pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) contra o policial militar Rodrigo Jorge Ferreira e a advogada Camila Lima Nogueira por supostamente integrarem uma organização criminosa cujo objetivo era o de atrapalhar as investigações da Polícia Civil sobre o atentado.​

Ferreira afirmou em depoimento à Polícia Federal que levava dinheiro de suborno a policiais da Delegacia de Homicídios da Capital, no Rio, que investiga a morte de Marielle e Anderson, a mando de Orlando Curicica.

À PF, Ferreira afirmou também que havia prestado falso testemunho ao incriminar Curicica e o vereador Marcelo Sicilliano como mandantes do atentado. Ferreirinha disse que mentiu para se livrar de Curicica, pois tinha medo de ser assassinado a mando do miliciano.

Logo após Ferreirinha declarar que Curicica era um mandantes da morte de Marielle, o miliciano, que estava preso no Rio, foi transferido para o presídio federal de Mossoró (RN).

Lá, prestou depoimento ao MPF (Ministério Público Federal) no qual afirmou que o então delegado Giniton Lages tentou convencê-lo a assumir a morte de Marielle e revelou ainda um suposto esquema de corrupção na Delegacia de Homicídios que barraria investigações sobre crimes ligados ao jogo do bicho e às milícias. Lages negou a acusação.

O depoimento de Curicica foi a peça-chave para que a Dodge determinasse a entrada da PF no caso.
Ferreira, a advogada Camila e pelo menos outras cinco pessoas foram investigadas —entre elas Brazão, adversário eleitoral de Sicilliano. Ele nega qualquer envolvimento no caso. 

Nas peças enviadas ao STJ, Dodge ressaltou que o assassinato de Marielle consistiu em “feminicídio de uma importante defensora dos direitos humanos e que lutava combatendo a violência policial e os grupos paramilitares”, que contam “para seu agir desenvolto com laços com o aparato oficial”. 

“Essas características das vítimas geram importante efeito inibidor para o exercício dos direitos humanos na sociedade, pois os assassinos demonstram sua força e certeza de impunidade ao atingir um defensor ou defensora de direitos humanos, intimidando e deixando inseguros os demais membros do grupo vulnerável envolvido.”

A Folha não localizou os denunciados ou seus advogados nesta terça. 
O Ministério Público do Rio, em nota, lamentou o pedido da procuradora-geral para mudar a competência do caso. “Trata-se de atitude reincidente, uma vez que tentativa semelhante foi executada no ano passado, menos de 24 horas após as execuções, numa demonstração clara da obstinação de Raquel Dodge em federalizar o processo de investigação”.

O MP fluminense afirmou que a medida só pode ser tomada quando demonstrada a ineficiência dos órgãos estaduais, “provocada por inércia, negligência, falta de vontade política, de condições pessoais ou materiais para levar a cabo, em toda a sua extensão, a persecução penal”. “Fatos jamais verificados ao longo de todo o processo investigatório.”

No comunicado, o MP lista uma série de providências tomadas no caso, entre elas as que culminaram na denúncia dos executores, cujos interrogatórios estão marcados para 4 de outubro.

“Sendo este o último ato antes de encerrar a primeira fase do procedimento, grande avanço poderá ocorrer na referida data, com a versão dos réus em juízo podendo apontar para a identificação dos mandantes.”

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.