O prefeito Bruno Covas (PSDB) quer fazer uma série de reformas no centro de São Paulo, uma possível vitrine eleitoral: vale do Anhangabaú, largo do Arouche, Minhocão e centro histórico estão nos planos. Entregá-las exigirá romper com uma maldição de gestões passadas.
A cidade, afinal, carrega extensa memória de projetos ambiciosos de prefeitos de diferentes extrações políticas para requalificar a outrora luxuosa região central.
O centro começou a ser abandonado na década de 1960 pelas elites, que levaram suas residências e seus negócios para a avenida Paulista. Estima-se que, nessa época, a região tenha perdido cerca de um terço de seus moradores.
A partir dos anos 1970, quase todos os prefeitos arriscaram um plano para o centro. Se alguns funcionaram (como o fim do cortiço no edifício Martinelli e sua restauração), muitos jazem no papel.
Em 1986, Jânio Quadros, do PTB, elaborou um projeto que previa demolir prédios antigos nos bairros dos Campos Elísios e Santa Efigênia, avaliados então pela prefeitura como as áreas mais degradadas.
O plano era desapropriar e demolir edifícios antigos e cortiços e construir prédios de escritórios e apartamentos para a classe média. Propunha também abrir uma via ligando a avenida Ipiranga à rua José Paulino, no Bom Retiro.
A iniciativa privada bancaria as desapropriações, em troca do direito de construir acima do padrão permitido na área. Surpreso, o governo estadual, sob Franco Montoro (PMDB), abriu processo de tombamento de 150 imóveis na região, inviabilizando o projeto.
A busca de apoio da iniciativa privada é uma constante nos projetos para o centro.
Em 1999, o prefeito Celso Pitta (PTN) anunciou parceria com o investidor Mario Garnero e com um fundo de desenvolvimento internacional potente fundado por Maharishi Mahesh Yogi (1918-2008), indiano que ficou conhecido como o guru dos Beatles.
A parceria resultaria no Maharishi Tower, prédio de 510 metros de altura e 108 andares, no Pari, que seria o mais alto do mundo. Garnero, depois, acusou a prefeitura de pedir propina para aprovar a obra, e os investidores estrangeiros perderam o interesse no projeto.
Dois anos depois, Marta Suplicy (PT) apresentou o Reconstruir o Centro. Entre outras coisas, previa levar os ambulantes para camelódromos, ou “Pop Centros”. Faltou ouvir os camelôs, que rejeitaram a ideia e continuaram nas ruas.
Anunciado em 2005 pelo tucano José Serra, o Nova Luz só teve suas diretrizes apresentadas em 2011 por Gilberto Kassab (PFL). O alvo era a região da cracolândia.
O plano previa desapropriar 550 imóveis degradados e reurbanizar a área com ciclovias, jardins, calçadas amplas, árvores e um bulevar inspirado nas “ramblas” de Barcelona. A área construída descrita no projeto era de 284 mil m², ou três estádios do Morumbi.
A proposta, com custo estimado de R$ 4 bilhões, seria viabilizada pelo modelo de concessão urbanística, em parceria com empresas privadas.
Após enfrentar resistência de moradores e comerciantes e sofrer para avançar a passos curtos durante anos, o projeto acabou engavetado em 2013 pelo petista Fernando Haddad, que o considerou inviável financeiramente.
Em 2011, Kassab também propôs uma grande reforma no parque Dom Pedro 2º, com demolição de viaduto, construção de pontilhão e criação de centro de compras, orçada em R$ 1,5 bilhão. Não saiu.
Haddad, por sua vez, não apresentou grande projeto urbanístico para a região. Mas uma de suas ideias está se tornando realidade com Covas.
Em 2013, o petista conseguiu apoio de um banco privado e recebeu do escritório do arquiteto dinamarquês Jan Gehl um projeto de reconstrução do vale do Anhangabaú.
O piso de pedras portuguesas daria lugar a uma superfície uniforme e acessível. Nos dias de calor, 850 pontos com jatos de água no chão iriam refrescar os passantes.
O projeto previa ainda 1.500 lugares para sentar, entre bancos e cadeiras, bebedouros, sanitários, quiosques de comércio e floriculturas. Após forte oposição de associações de moradores, Haddad desistiu.
Em junho deste ano, Covas anunciou que retomaria o projeto e começou as obras, com custo estimado de R$ 80 milhões e previsão de entrega para 2020. Surpresos, os moradores esboçaram reação, mas a reforma já estava em curso.
A mais recente frustração ocorreu na breve passagem do atual governador João Doria (PSDB) pela prefeitura. Em setembro de 2017 ele anunciou o Centro Novo, que prometia bulevares nas avenidas Rio Branco e São João, um VLT com 18 paradas pela região e a construção de “edifícios icônicos”, com potencial para serem marcos na paisagem.
O projeto tinha um detalhe, no entanto, que levou a seu desfalecimento de saída: precisava de R$ 1 bilhão da iniciativa privada. O Centro Novo, então, ficou no papel.
O governo do estado também tentou. A gestão Geraldo Alckmin (PSDB) apresentou em 2012 o plano de construção do Complexo Cultural Luz, área de 70 mil m² com um teatro de 1.750 lugares, dois teatros pequenos, escola de música e de dança na região da cracolândia. Mas a Justiça barrou a ideia, questionando a forma de contratação do projeto, sem licitação, e o governo desistiu.
O centro é estratégico, diz Fernando Túlio, do Instituto de Arquitetos do Brasil, mas a incapacidade das gestões de estabelecerem continuidade entre seus planos e a falta de governança, com órgãos que não dialogam, emperram as ideias.
“Sem contar os projetos sem lastro real, que desconsideram orçamento, inviáveis.”
Para o urbanista Nabil Bonduki, muitas vezes falta recurso, capacidade operacional e apoio de setores da sociedade. “Projetos que envolvam o privado, desapropriações e demolições são mais difíceis do que os que só incluem o espaço público”, diz. “Mas tem mais coisa feita do que não feita no centro nos últimos anos. Se deu certo é outra história.”
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