Gestão Covas descredencia gestoras de creches investigadas pela polícia em SP

Secretário diz que ação da polícia ajuda prefeitura em apurações em andamento

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São Paulo

A gestão Bruno Covas (PSDB) afirmou que descredenciará as entidades investigadas sob suspeita de fazer parte de uma máfia das creches terceirizadas em São Paulo. 

O secretário municipal de Educação, Bruno Caetano, afirmou que a partir da próxima segunda-feira (16) novas entidades devem gerenciar as creches.  

Mais de uma dezena de endereços foram alvo de procedimento de busca e apreensão da Polícia Civil, que apura desvio de verbas e até de comida nas unidades. 

As entidades administradoras de creches investigadas são as associações Águas Marinhas, a Criança de Deus, Mulheres da Cidade Tiradentes e Casa da Mulher da Cidade Tiradentes. 

"A Polícia Civil só nos ajuda e acelera o processo de apuração dos atos administrativos", afirma Caetano. 

Cei Amaral e Tolentino, unidade administrada por uma das associações suspeitas
Cei Amaral e Tolentino, unidade administrada por uma das associações suspeitas - Reprodução

A prefeitura afirma já ter descredenciado a  Associação Águas Marinhas em julho, após processo de investigação identificar irregularidades fiscais na documentação. 

O secretário afirmou que "há fortes indícios de uso de notas fiscais frias".

Apesar dos problemas, Caetano defendeu as creches conveniadas.

"Posso afirmar que 99% do serviço prestados pelas Organizações Sociais são de excelente qualidade. Eu mesmo presenciei em minhas visitas diárias que faço nos locais, via sorteio, sem que a direção fique sabendo antes", disse. "Quem não trabalhar corretamente, eu substituirei. Não vai ficar. Em dois meses que estou à frente da secretaria, exclui uma delas". 

Apesar da fala do secretário, a polícia desconfia da atuação de membros da Secretaria da Educação. "Sendo tais empresas contumazes sonegadoras de tais contribuições sociais, torna-se cediço que tais empresas em conluio vêm apresentando guias e certidões falsas, o que não é fato estranho à municipalidade, pois também reclamada naquelas lides trabalhistas de forma solidária, levando-se a crer também em um suposto envolvimento de órgãos de fiscalização da Secretaria Municipal de Educação, pois nenhuma sanção foi observada, tampouco suspensão de pagamentos", afirma o pedido de busca e apreensão feito pela polícia.  

O ex-secretário de Educação Alexandre Schneider emitiu ofícios em 2018 pedindo investigação das conveniadas, após a Folha noticiar aluguéis inflados e ligações políticas.  

A gestão Covas afirmou que CGM (Controladoria Geral do Município) "apura irregularidades em unidades educacionais administradas por entidades do terceiro setor e já estava preparando as medidas cabíveis para a punição dos envolvidos e recuperação de valores de possíveis prejuízos ao erário". "Uma das investigações em andamento na CGM foi provocada pelo ex-secretário de Educação, Alexandre Schneider, em 2018", diz a nota.

A CGM coopera com órgãos de controle externo e compartilha informações com a polícia, diz a prefeitura.

MÁFIA DAS CRECHES

A polícia iniciou, na manhã desta quinta-feira (12), a operação Misantropia, com cumprimento de mandados de busca e apreensão em 16 endereços ligados aos suspeitos de chefiarem uma possível máfia das creches municipais. O grupo é suspeito de crimes como apropriação indébita, peculato, formação de quadrilha e ocultação de patrimônio. 

De acordo com o pedido feito à Justiça, autorizado pela juíza Tamara Priscila Tocci, "as investigações até então encendradas levam a fortes indícios de que há formação de uma organização criminosa, voltada a constituição de empresas de fachada para o fim de desviar e apropriar de verbas públicas, especialmente as destinadas ao custeio de creches conveniadas à PMSP [prefeitura] e pagamento dos respectivos encargos". 

A peça narra ainda que as entidades "passaram não somente a desviar recursos públicos em espécie mas também prestam-se a desviar gêneros alimentícios enviados pela PMSP em detrimento aos cuidados das crianças". 

Entre os locais que tiveram mandado de busca autorizado pela Justiça estão duas creches, a Cei Egídio Corsi, em Cidade Tiradentes, e a Cei Lucia Prestes, na Vila Zefira, ambas na zona leste. 

A ação, realizada por policiais do 10º Distrito Policial (Penha), está focada em um grupo responsável por cerca de 20 creches da região leste. 

A investigação também usou como base informações de reportagens da Folha, sobre ação política nas creches e possíveis brechas na distribuição de alimentos. O grupo chefiado pela delegada Ana Lucia Souza deve esmiuçar as irregularidades nas entidades terceirizadas de toda a cidade, responsáveis pela maioria das vagas de creche disponibilizadas pelo município —280 mil das 340 mil vagas para crianças de zero a três anos. 

A operação começou após uma denúncia de desvios de valores de FGTS e INSS de funcionários e de falsificação de guias entregues à prefeitura. Os casos viraram diversos processos trabalhistas, em que a prefeitura pode acabar sendo responsabilizada e sofrendo prejuízo pelo rombo. 

O acúmulo de processos com dívidas de centenas de milhares de reais chamou a atenção da escrivã do caso, Patrícia Marcomini, que passou a ouvir ex-funcionários das empresas que processaram as entidades e acabou encontrando indícios da ação de uma quadrilha suspeita de cometer vários outros crimes. 

Em um dos casos, por exemplo, uma funcionária relatou desvio de alimentos de uma unidade. A comida era colocada em sacos pretos levados em um veículo, "fazendo assim a subtração desses alimentos destinados à creche". 

O caso teria se dado em uma das seis creches administradas pela Associação Águas Marinhas, cujo presidente é Jean Gonçalves do Amaral. A mãe dele, Magali Gonçalves, teria dado a ordem para o desvio dos alimentos, disse a testemunha. 

Em julho, a gestão Bruno Covas (PSDB) suspendeu o funcionamento de cinco creches administradas pela Águas Marinhas, por uma série de irregularidades. Na ocasião, algumas mães relataram comida racionada na unidade. 

Magali também é dona de uma empresa de construção que teria sido usada para prestação de serviços nas unidades infantis, aponta a investigação. Ela é ex-sócia do suspeito de ser o grande articulador do grupo, Leonardo Moreira Corsi, na papelaria Amaral e Tolentino —o nome da empresa é o mesmo de uma das creches administradas pela Associação Águas Marinhas. 

Condomínio de luxo no Jardim Anália Franco, zona leste, onde vive um dos suspeitos
Condomínio de luxo no Jardim Anália Franco, zona leste, onde vive um dos suspeitos - Reprodução

Ex-presidente de duas ONGs responsáveis por creches, a Associação Anjinho de Deus e a Mulheres da Cidade Tiradentes, Corsi vive em um luxuoso condomínio no Jardim Anália Franco (zona leste de SP), um dos endereços vasculhados.

A apuração policial também constatou que, direta ou indiretamente, ele seria proprietário de ao menos seis carros, entre eles um Porsche, uma Mercedes e uma BMW. Investigadores que acompanharam o dia a dia dele verificaram que o padrão de vida do suspeito é muito mais alto do que propiciaria a renda de alguém que atua em pequenas empresas e em ONGs. 

Ele é sócio de empresas que são potenciais fornecedoras das creches —além da papelaria, um escritório de contabilidade e uma empresa de alimentos. Esta última foi criada em abril de 2018, quando já se falava dentro da prefeitura sobre a possibilidade de passar a enviar o dinheiro para que as entidades terceirizadas comprassem os alimentos, medida efetivada neste ano. 

A polícia apura o envolvimento do pai e da mãe dele, Célio e Natalina Corsi, que também tiveram endereços residenciais e de empresas incluídos entre os vasculhados pela polícia. 

A operação também visa apurar a ação de escritórios de contabilidade usados pelo grupo, suspeitos de serem usados na emissão das notas fiscais frias e na criação de um caixa paralelo. 

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