Mesmo com menos verba, Centro Cultural São Paulo se mantém plural

Na zona sul da capital, CCSP é ponto de encontro que vai de k-pop e samba a música clássica

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Jovens ensaiam k-pop, cujo mais popular representante do gênero é a banda BTS Karime Xavier/Folhapress

São Paulo

“Respira e contrai. Vai soltando o quadril. Percebe a entrada e saída do ar bem devagar”, instrui o professor de ioga para as quase 100 pessoas que haviam esticado um tapetinho na grama do jardim a céu aberto do Centro Cultural São Paulo, ou CCSP, às 16h de uma quinta-feira fria na zona sul da capital. 

Descendo poucos degraus, o comando é outro, acelerado: “5, 6 e rebola quatro tempos, 7 e 8 e rebola no meio”, diz a professora de samba no pé. Em cima do salto, a passista enxuga o suor e obedece no ritmo do enredo da Vai-Vai que sacode a caixinha de som.

É que o “CCSP é um espaço para tod@s”, avisa a placa em uma das cinco entradas —que não têm catraca ou coisa que valha.

A porta do banheiro também dá o recado. Mulher: trans, cis, hétero, lésbica, bi, assexual, negra, branca, gorda, magra, alta, baixa, pobre, rica. “Este é o banheiro de todas as mulheres.”

Diferente dos centros de cultura mais formais, por lá é permitido sentar no chão, dançar, cantar, tocar, ouvir música, correr, ficar descalço, levar pet, namorar, tomar sol com roupas de banho. As proibição são poucas: fumar, inclusive no jardim aberto, e bebida alcoólica.

O local, inaugurado entre a rua Vergueiro e a avenida 23 de Maio, em 1982, durante a ditadura militar, que se propunha a ser “um lugar de acolhimento, proteção e respeito às individualidades”, reafirma seu princípio num novo momento de polarização no país.

Este ano, no entanto, recebeu menos verba do que no ano passado. Foram repassados R$ 5,4 milhões dos cofres da Prefeitura de São Paulo, sob gestão de Bruno Covas (PSDB), até agosto contra R$ 13,8 milhões em todo o ano passado —uma redução de 41%. 

Para driblar a falta de verba, a nova gestão quer que a iniciativa privada injete dinheiro através da Associação Amigos do CCSP, criada há 21 anos, mas subutilizada, segundo Erika Palomino, que há seis meses assumiu a direção.

Mas não está nos planos mexer na “vocação para ousadia e ruptura” do lugar, diz ela.

Pelo CCSP circulam cerca de 122 mil pessoas por mês, a maioria entre 18 a 27 anos. Elas se espraiam por oficinas como as de beatbox e passinho de funk, um clube de leitura de escritoras mulheres ou a “Terça-Crespa”, o dia de discutir os “desafios do teatro negro no Brasil da exceção”. Tudo é gratuito ou bem em conta.

A mistura está lá: no terraço, um violinista ensaia suas notas baixinho, mas logo ali, no pátio, estudantes sincronizam os passos do sul-coreano k-pop com muitos decibéis a mais.

A estudante de letras Laura Shimojo, 20, diz que várias turmas ensaiam no CCSP para competir em eventos. O seu grupo, o Wonderphoria, opta pelas músicas da principal expoente do gênero, a banda BTS. E “tem diversidade de tudo, o mais novo é o de 13 e o mais velho o de 23. Tem trans, bi, hétero”, diz ela.

A dona da caixinha de som tocando samba a poucos metros do k-pop é Mary Prado, 33. Nascida em berço carnavalesco, a professora desenvolveu um método próprio para ensinar o “samba no pé nu e cru. Aqui é pauleira”, diz. 

Mary usa o espaço do centro cultural para dar aulas particulares —seus alunos são desde crianças até sambistas profissionais e um grupo de passistas plus-size. 

O batuque não incomoda a turma do xadrez, que ocupa as quatro mesas disponíveis para a jogatina. “O médico me falou ‘ou você caminha ou faz sexo ou joga xadrez’, aí eu venho para cá”, brinca Luiz Alberto Olivi, 68, vizinho do centro cultural.

Aposentado, "é assim que eu coloco meus neurônios para funcionar”, diz ele, enquanto aponta para os que vêm de mais longe: "tem gente de Osasco, Taboão da Serra".

A exemplo da vendedora de brownies veganos Juliane Freire, 23, que sai de São Mateus, na zona leste da capital, e leva 1h30 até a avenida da zona sul. Não vai para jogar, mas sim porque se sente acolhida. É que no Parque do Carmo, próximo da sua casa, não tem a mesma vibe, ela conta. Nem mesmo no Ibirapuera, "turístico demais".

“Não é uma galera voltada para arte, como aqui. Vai ter gente enchendo o saco se as minas estão rodando bambolê, sabe?” Mais ainda se as meninas fizerem roda para falar de alimentação vegana e saúde feminina —papo super permitido no CCSP. 

Outros que batem ponto todos os dias são os b-boys. O treino de breaking rola desde 2008. “Com muita luta e resistência estamos aqui até hoje”, diz Arthur Pisani, 24. 

Eles veem discriminação com o ritmo. “Só da nossa dança eles exigem respeitar um espaço específico. Se a gente passa da faixa, o segurança vem falar. O mesmo não acontece com as outras. A gente também não pode deitar no chão, diz Grilo Rodolfo, 27.

Ainda assim, eles comparam o CCSP com o Largo São Bento, berço do hip hop nos anos 1980. Para geração atual, esse é o novo point. A linha 1-azul do Metrô, colada ao centro cultural, facilita.

Palomino, a diretora, afirma que essa não é a orientação passada aos seguranças, encarregados só de preservar o patrimônio. "Pode fazer qualquer coisa, tirando vandalizar os banheiros.”

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