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Ministério de Damares desidrata conselho de proteção aos direitos da infância

Governo suspende verba para logística de reuniões; participantes veem razões políticas

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Brasília

O Conanda, conselho criado em 1991 para monitorar políticas e garantir a proteção dos direitos de crianças e adolescentes, tem sido desidratado sob a atual gestão do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

O órgão ficou conhecido nos últimos anos por normas para coibir a publicidade infantil. É um dos poucos conselhos que não foram cortados no decreto de Jair Bolsonaro (PSL) que extinguiu espaços de participação social.

Na prática, porém, reuniões do grupo, formado por membros do governo e de entidades do setor, tem sido inviabilizadas. Os problemas começaram já no início do ano, quando houve atraso na posse dos novos conselheiros, e se agravaram nos últimos meses.

“É um órgão que está sendo deixado de lado mesmo sendo central para políticas de proteção à infância”, afirma Thaís Dantas, advogada do Alana, ONG do setor e uma das integrantes do conselho. 

Em maio, o ministério anunciou que iria suspender os recursos voltados ao custeio de passagens e hospedagem para que conselheiros da sociedade civil, que não recebem remuneração pelo cargo, pudessem participar das assembleias. Na época, a pasta alegou que a medida visava redução de custos, os quais poderiam ser redirecionados a políticas do setor.

Segundo Antônio Lacerda Souto, vice-presidente do conselho, o governo federal vinha custeando  nos últimos anos esses valores —cerca de R$ 40 mil por mês necessários para garantir a participação de integrantes de diferentes regiões do país. Após a suspensão dos recursos, o ministério chegou a sugerir que as reuniões ocorressem por videoconferência. Mas a estrutura não foi disponibilizada.

Em meio ao impasse, conselheiros dizem que não tem sido possível atingir o quórum necessário para discutir a maioria dos temas previstos. Entre eles, está o plano de aplicação de recursos do Fundo Nacional para a Criança e Adolescente, que recebe doações dedutíveis do imposto de renda e financia projetos em favor dessa faixa etária.

Pela lei atual, cabe ao conselho a definição de quais projetos recebem os recursos. Ao todo, segundo documentos do grupo, o fundo tinha ao menos R$ 12 milhões disponíveis para este ano. Deste valor, R$ 3,6 milhões foram contingenciados. O restante não tem perspectiva de aplicação.

Em agosto, representantes das entidades que atuam na área da infância pagaram suas passagens para participar da assembleia e definir o destino do fundo. A ausência sobretudo de membros do governo que fazem parte do Conanda, no entanto, impediu que o quórum mínimo fosse atingido.

Para conselheiros, a oferta de videoconferência não é alternativa. “A questão da criança é uma pauta densa. O fundo vem de doações do imposto de renda. É um dinheiro público, dado pela sociedade. Como vamos discutir tudo isso por Skype?”, questiona o vice-presidente do conselho, Antônio Lacerda Souto. “Podemos ser corresponsabilizados depois por estar liberando dinheiro à distância.”

Há outros impasses. Na última segunda-feira (26), a secretária-executiva do Conanda, Verena Martins de Carvalho, foi exonerada sem que a decisão fosse submetida ao plenário do órgão, ao contrário do que define as regras do conselho.

A Conferência Nacional de Criança e do Adolescente, prevista para ocorrer a cada três anos e marcada para outubro, também foi cancelada por falta de contratação de empresas pelo ministério em tempo hábil.

CASO PODE IR À JUSTIÇA

A série de entraves tem sido monitorada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, que enviou pedido ao Ministério Público Federal para que avalie a possibilidade de entrar com ação de improbidade administrativa contra a secretária nacional da criança e adolescente, Petrúcia Andrade.

A procuradoria diz que a situação “tem comprometido o funcionamento de toda a política nacional de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, violando o princípio constitucional de absoluta prioridade desse grupo populacional.”

A Folha procurou o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos ao longo dos últimos dois dias para comentar o caso. A pasta, porém, não respondeu. Em maio, a pasta informou que a suspensão dos recursos visava "redirecionar os custos" e tinha como finalidade "fortalecer as ações de promoção e proteção de direitos das crianças e adolescentes". 

Membros de entidades da área da infância, no entanto, dizem ver divergências políticas. Entre elas, está a proposta do atual governo de regular o ensino domiciliar. Em abril, o grupo se posicionou contra a medida, o que gerou incômodo no ministério. O embate se manteve nos meses seguintes. 

“Foi um projeto que passou sem nenhuma consulta ao conselho”, diz Ariadyne Acunha, da AMSK (Associação Internacional Maylê Sara Kalí) Brasil e uma das conselheiras do grupo.

De acordo com o vice-presidente, Lacerda Souto, a defesa de membros de criar um grupo de trabalho para discutir questões LGBT, como o combate à violência e o respeito à identidade de gênero, também não foi bem aceita pela pasta.

Em outra medida, o ministério enviou um pedido ao conselho para que flexibilizasse a resolução de 2004  que passou a considerar a publicidade infantil abusiva.

Entenda a situação de conselhos de participação social

Nos últimos meses, o governo tem acelerado a extinção de conselhos, sob a justificativa de ficar livre de “ideologia travestida de posicionamentos técnicos” e fazer uma “despetização”

Medidas adotadas pelo governo

Decreto publicado em abril extinguiu conselhos, comitês, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns, salas e outros colegiados da administração federal. Em junho, o STF decidiu que o governo não poderia extinguir aqueles criados por lei

Recriação e enxugamento

Após serem extintos, alguns conselhos foram recriados a pedido dos ministérios e para se adaptarem às novas regras. A recriação, porém, veio em conjunto com enxugamento de vagas voltadas à sociedade civil, segundo reportagem publicada pelo UOL em julho. Entre os conselhos que tiveram essas vagas reduzidas estavam o Conselho Nacional de Política Cultural e o Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo

Outros conselhos alvo de interferências e outros impasses sob o atual governo

Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH)

O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos exonerou a coordenadora-geral do CNDH, Caroline Dias dos Reis, após o órgão recomendar que o Senado rejeitasse a reforma da Previdência. Ação foi vista pelo conselho como uma retaliação à atuação do órgão, que tem criticado medidas da atual gestão. O governo nega e afirma que a renovação é "extremamente salutar ao princípio da eficiência administrativa e à democracia". Disse ainda que "outro servidor com comprovada capacidade técnica será nomeado para a vaga"

Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad)

Desde 2006, o conselho contava com participação de um jurista indicado pela OAB, um médico, um psicólogo, um assistente social, um enfermeiro e um educador, todos indicados por seus conselhos federais. Postos foram cortados por meio de decreto presidencial publicado em julho. O mesmo aconteceu o cientista indicado pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), com o estudante escolhido pela UNE (União Nacional dos Estudantes) e com os nomes da imprensa, antropólogo, do meio artístico e com os dois de organizações do terceiro setor

Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)

Elogiado pela ONU pela atuação no combate à fome no país, o conselho foi extinto por meio de medida provisória no primeiro dia de gestão de Jair Bolsonaro. Após sua extinção, o Congresso chegou a deliberar a recriação do conselho. Mas Bolsonaro vetou o inciso que vinculava o Consea ao Ministério da Cidadania. Na prática, o conselho não pôde voltar a funcionar

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