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Guaracy Mingardi

O alvo errado

Governador Witzel transformou moleque armado da favela em inimigo número um

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Guaracy Mingardi

Ágatha não foi a primeira. Só neste ano pelo menos outras quatro crianças foram mortas no Rio de Janeiro em tiroteios envolvendo policiais. Além delas outras pessoas inocentes acabaram sendo vítimas das famosas “balas perdidas”. Jovens, adultos e idosos morrem por conta da política de abate instituída pelo governador Wilson Witzel como forma de combater as organizações criminosas. Não qualquer organização, é claro. Só as de tráfico. Áreas controladas pelas milícias ficam de fora. 

Desde o governo de Moreira Franco, que prometeu acabar com o crime em cem dias, alguns governantes cariocas tentam resolver o problema com uma política de enfrentamento, o que não produziu qualquer efeito perceptível no tráfico de drogas. Prova disso é a estabilidade do preço da cocaína. Quando o aparelho repressivo do estado é eficiente e diminui o tráfico, acaba por provocar escassez da mercadoria. Aí entra em ação a lei da oferta e da procura, que empurra os preços para cima. E, apesar de flutuações temporárias, nas últimas décadas o preço da cocaína cresceu menos que a inflação.

Enquanto isso, a investigação, a forma mais efetiva de combate ao crime profissional, foi deixada em segundo plano por sucessivas administrações. Essa é uma das causas, não a única, da lentidão na investigação da morte da vereadora Marielle e seu motorista Anderson. Esse é um bom exemplo porque, apesar de ser um crime de repercussão internacional e considerado prioritário, até hoje não existe uma versão definitiva do ocorrido.

Para não nos prendermos a um só caso, é importante pensar no quadro geral. Recentes pesquisas demonstram que a polícia carioca tem baixíssimo índice de resolução de homicídios, talvez o menor do país. E a investigação desse tipo de crime é aquela em que qualquer organismo policial tem seus melhores resultados. Se está tão ruim, imagine nos crimes de roubo, latrocínio, estupro de autoria desconhecida etc.; aí a produtividade chega muito próximo de zero.

O governador mirou no alvo errado. Transformou o moleque armado da favela em inimigo número um. Esse alvo, apesar de perigoso, é apenas um pau mandado. Quem consegue o armamento pesado, importa a droga e distribui tarefas não está com um fuzil em áreas às quais a polícia tem acesso. Portanto as balas dos "snipers" propostos por Witzel vão apenas atingir o criminoso pé de chinelo, deixando os mentores livres para continuar com seus negócios.

E para complicar, o governo federal também aposta no confronto. No chamado pacote anticrime do Ministério da Justiça, existe um item que vai ampliar a licença para matar. Nele o ministro Moro propõe que quando a morte ocorreu por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”, o policial que atirou pode ter a sentença reduzida ou ficar livre de qualquer sanção. O que significa, na prática, liberar o policial que matou Ágatha. Num possível julgamento, ele poderia alegar que, quando atirou, estava com medo. E como o medo é subjetivo, quem vai provar o contrário?

Enquanto isso, a população pobre, espremida entre uma política de segurança errada, projetos de lei oportunistas e traficantes gananciosos, tenta sobreviver como pode. Correndo das balas e buscando a neutralidade como única forma de sobrevivência.

Guaracy Mingardi é analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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