Violência policial pode reverter queda de homicídios, diz ministro da segurança de Temer

Mortes violentas caíram 10% em 2018, ano em que Raul Jungmann comandou ministério

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São Paulo

A redução de homicídios no país é resultado de um bom trabalho feito, sobretudo, pelos governadores estaduais. Mas o cenário positivo pode se reverter se a polícia tiver "licença para matar". É preciso aumentar o investimento na área da segurança e focar na prevenção, não só na repressão, para que a violência diminua no país.

Essa é a avaliação de Raul Jungmann, que foi ministro da Defesa e da Segurança Pública durante o governo Michel Temer (2016-2018). 

O ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann
O ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann - Pedro Ladeira - 14.jun.2018/Folhapress

Em 2016 e em 2017, quando Jungmann comandou o Ministério da Defesa, os homicídios no país bateram recorde, com 61,6 mil e 64 mil assassinatos respectivamente. 

Em 2018, com o político à frente da pasta da Segurança Pública, houve queda de 10%, com 57.341 assassinatos, mostram dados publicados nesta terça-feira (10) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Jungmann comemorou os números do ano passado. À Folha, ele elenca algumas explicações para o recuo da criminalidade. “No Brasil, é preciso entender que o esforço majoritário está nas mãos dos estados, que comandam a Polícia Civil e a Polícia Militar”, diz.

“Eu atribuo a redução principalmente aos esforços de governadores em ano eleitoral, quando todas as pesquisas de opinião indicavam que havia um forte desejo dos eleitores de redução da criminalidade.”

Jungmann afirma também que 2017, que teve um pico mortes violentas, foi um ano atípico. “Em 2017 houve um conflito forte entre facções criminosas, que serenou depois. Houve muitas operações de Garantia da Lei e da Ordem, em que foi preciso colocar as Forças Armadas em situações críticas, como no Espírito Santo e em Pernambuco”, diz ele.

O ex-ministro não deixa de citar seus feitos no comando da pasta. “Houve também oito grande operações nacionais integradas, desenvolvidas pelo Ministério da Segurança Pública, com Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Federal”, afirma.

Jungmann lembra também a criação do Sistema Único da Segurança Pública, em sua gestão, que prevê a coordenação entre órgãos federais, estaduais e municipais de segurança, além de agregar bases de dados sobre criminalidade no país.

O problema, diz ele, é que “há uma classe, hoje, particularmente no Rio de Janeiro, que adere a esse tipo de política [de que a polícia deve ser mais letal], mas que não sabe o que está gestando. Isso aproxima a polícia muito mais das milícias, que é algo que temos que combater”.

Um quarto de todas as mortes causadas por policiais no ano passado aconteceu no estado do Rio de Janeiro, citado por Jungmann.

“A polícia violenta pode, num primeiro momento, baixar o índice de mortes. Mas isso não é sustentável, a violência sobe depois. Porque isso corrói a disciplina, a hierarquia e a própria alma das polícias, porque o papel dela é guardar, proteger e sobretudo obedecer à lei”, diz.

“Quando você dá licença à polícia para matar, você a corrompe moralmente, porque não existe pena de morte no país, e o policial é que vai decidir quem vive ou quem morre.”

A queda dos homicídios se mantém neste ano de 2019, segundo dados preliminares do governo. O governo de Jair Bolsonaro (PSL) e alguns governos estaduais citam as políticas mais duras de segurança pública como fator de dissuasão de criminosos, o que contribuiria para a tendência de queda dos índices.

Para que o país mantenha a queda de mortes, diz o ex-ministro, é preciso, primeiro, descontingenciar recursos da segurança pública e voltar a investir na área. Depois, é preciso investir em prevenção.

“É preciso ter uma política de segurança que não fique só na repressão. Que haja repressão, desde que com inteligência e tecnologia, que priorize o crime organizado, não só o flagrante, e que não permita que a polícia seja politizada.”

É preciso, ainda, olhar para o sistema carcerário, diz Jungmann. “Eu encontrei gente no Ceará que estava havia sete anos como preso provisório. E os presídios são tomados por facções criminosas. Se amanhã você for preso, que Deus o livre e qualquer outro, ou você entra para uma facção criminosa ou morre”, diz.

Os dados publicados nesta terça mostram também que também houve recorde de mortes por policiais em 2018, chegando a 6.220 casos. Isso significa que 1 em cada 10 mortes violentas no país é causada por um policial.

As mortes por policiais mantêm a tendência de alta ao menos desde 2016 (antes disso os dados eram menos confiáveis). Houve alta de 20% em 2018 sobre 2017 e de 47% em relação a 2016.

Uma análise do perfil dos mortos pela polícia no Brasil mostra que a maior parte das vítimas é negra (75,4%), estudou apenas até o ensino fundamental (81,5%) e tem entre 18 e 29 anos (68,2%).

Por outro lado, o país conseguiu reduzir o número de policiais mortos, de 373 em 2017 para 343 no ano seguinte. Três quartos dessas mortes são de policiais que estavam fora de serviço no momento dos assassinatos. 

Os dados são do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta terça-feira (10) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A organização compila informações das secretarias estaduais de Segurança sobre homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes em decorrência de intervenções policiais. A soma dessas informações gera o que o Fórum chama de mortes violentas intencionais, índice que ajuda a medir a violência no país.

O Fórum publica os dados da segurança no país uma vez por ano. A organização separa as unidades federativas em quatro grupos de qualidade da informação —os piores são Roraima e Tocantins, que a organização afirma que "não há como atestar a qualidade dos dados, pois a UF optou por não responder o questionário de avaliação." As informações são fornecidas pelas secretarias de Segurança Pública de cada estado.​

A pesquisa mostra também que 104 policiais se suicidaram no Brasil no ano passado. A maior parte deles (80) era policial militar —no ano anterior, foram 73 suicídios, 52 de policiais militares.

Os estados com mais casos são os dois mais populosos —São Paulo (com 30 suicídios) e Minas Gerais (14)—, seguidos pelo Paraná (11 suicídios, sendo que sua população é menor que as de Rio de Janeiro e Bahia). 

Houve queda em todos os registros de crimes patrimoniais entre 2017 e 2018, segundo os dados do Fórum.

Em 2018, foram gastos R$ 91,3 bilhões com segurança pública no país, maior valor desde 2011 —81% disso veio dos governos estaduais, que financiam as polícias Civil e Militar. 

Embora tenha a menor taxa de assassinatos do país, São Paulo é, proporcionalmente, um dos estados que menos investe em segurança —5,4% de todas as despesas do governo em 2018 representavam gastos com segurança pública. 

Alagoas é, proporcionalmente, o estado que mais investe: 13,6% do total das despesas vão para a área da segurança, segundo o anuário. É, também, um dos estados mais violentos do país, com 45,8 assassinatos a cada 100 mil habitantes.

Quando se olha os gastos com segurança proporcionalmente à população, os dados mostram que os estados que mais gastam são os estados que fazem fronteira com outros países: Acre, Roraima e Mato Grosso.

Os dados do Fórum mostram ainda que aumentaram 7,5% em 2018 as ocorrências de posse e porte ilegal de arma de fogo, em relação ao ano anterior. No ano passado, 112,3 mil armas de fogo foram apreendidas pelas secretarias de Segurança dos estados. A pesquisa mostra que uma pequena parcela delas estavam registradas (5,6%).

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