Cartão-postal de BH, igrejinha da Pampulha é reaberta após dois anos

Obra é uma das quatro de Niemeyer no conjunto arquitetônico, que é reconhecido pela Unesco

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Igrejinha da Pampulha, em Belo Horizonte, foi reaberta ao público depois de dois anos fechada Alexandre Rezende/Folhapress

Belo Horizonte

Inspirado nas montanhas de Minas Gerais, em 1942, Oscar Niemeyer (1907-2012) resolveu fazer um protesto arquitetônico e cobrir a igreja que desenhava a pedido do prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek (1902-1976), de curvas.

A igreja São Francisco de Assis –mais conhecida como Igrejinha da Pampulha– virou um dos principais cartões-postais da capital mineira e a primeira igreja do Brasil com traços modernistas

O prédio foi reaberto ao público nesta sexta-feira (4) –dia do padroeiro– depois de quase dois anos fechado e um ano e três meses em obras. Com orçamento de R$ 1,07 milhão, os trabalhos fazem parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) Cidades Históricas, do governo federal.

“Essas curvas dão muito trabalho em termos de engenharia, de manutenção. Tínhamos problemas graves por ser algo completamente inédito dentro da engenharia. As infiltrações estavam colocando em risco as obras de arte”, diz a presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional), Kátia Bogéa. 

Para corrigir as infiltrações nas juntas, foi construído uma espécie de telhado interno que previne novas inundações. Também foi trocado o forro interno de madeira atingido pelas chuvas, revitalizado o piso e feita limpeza externa dos azulejos e pastilhas, recuperando o tom azul original. 

O mural do altar principal da igreja, assinado por Candido Portinari, foi protegido durante as obras e não teve intervenção. Já outros trabalhos do pintor, como a Via Sacra, passaram por um processo de higienização e limpeza com o Cecor (centro de conservação e restauração de bens culturais) da UFMG.

Portinari também é autor do painel externo em azulejo azul e branco, com cenas da vida de são Francisco, na fachada posterior do prédio. A igreja tem ainda mosaicos em azul e branco, com temas modernistas e abstratos, de Paulo Werneck; painéis em bronze de Alfredo Ceschiatti; e jardins de Roberto Burle Marx, maior paisagista brasileiro.

O local já havia fechado para reparos entre 2004 e 2005. As obras de agora, que se iniciaram em julho de 2018, estavam previstas para acontecer em 2016, mas uma polêmica com noivas que tinham casamentos marcados no local adiou o início dos trabalhos.

O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), anunciou monitoramento por câmeras 24 horas para auxiliar a segurança no entorno do lugar. Entre 2016 e 2017, a igrejinha foi pichada duas vezes.

“É um espaço muito importante para Belo Horizonte, muito visitado, muito rico. Isso é um dinheiro federal, a prefeitura só assumiu a obra nos jardins –toda a obra de Burle Marx foi restaurada”, disse. 

O Conjunto Arquitetônico da Pampulha é reconhecido como patrimônio cultural da humanidade pela Unesco desde 2016. Além da igrejinha, integram o conjunto três outras obras –Cassino (atual Museu de Arte da Pampulha), Iate Golfe Clube e Casa de Baile.

O projeto foi encomendado a Niemeyer por Kubitschek, e construído entre 1942 e 1943. Era parte da ideia de JK de modernizar a capital mineira.

Ele idealizou, em torno da barragem criada para resolver o problema de abastecimento de água, a novidade turística que virou a Pampulha. A inauguração contou com a presença do presidente Getúlio Vargas (1882-1954).

A igrejinha, hoje ícone do conjunto, foi alvo de polêmica no início. Em entrevista à época, o então arcebispo dom Antonio dos Santos Cabral afirmava que a arquitetura modernista não ficava bem para um templo e que não poderia “desvirtuar a obra do Senhor”.

Em suas memórias, Juscelino lembra da visita que fez ao local com D. Cabral. Depois de contemplar o mural de Portinari no altar, segundo JK, o bispo “tornou-se, subitamente, sombrio”, antes de se virar indignado para ele e exclamar: “Um cachorro atrás do altar, senhor prefeito. É inconcebível”.

A crítica era pela escolha de Portinari de colocar um cachorro com aspecto de vira-latas à direita do santo. A igrejinha só foi consagrada e reconhecida cerca de 15 anos depois de finalizada, em 1959.

“Em todos os tempos vivemos muitos confrontos para o entendimento. Assim foi um pouco o contexto da igreja no passado, mas tudo se clareou. Hoje, na alegria dessa restauração, aqui deve se tornar uma grande escola de educação para ecologia integral, porque é dedicada a são Francisco”, diz dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo de BH.


Niemeyer na Pampulha

Igreja São Francisco de Assis
Principal obra do Conjunto e que tem mais traços de Niemeyer

Cassino (atual Museu de Arte da Pampulha)
Projetado para ser cassino, o prédio era a âncora do conjunto, com os princípios da arquitetura de Le Corbusier (1887-1965), mestre de Niemeyer. Desde 1957 abriga o MAP, com acervo de mais de 900 obras, de Portinari e Di Cavalcanti a Tomie Ohtake

Casa do Baile (Centro de Referência em Urbanismo, Arquitetura e Design de Belo Horizonte)
Numa ilha artificial, foi criada para abrigar shows, festas e restaurante para a nova região. A marquise sinuosa, cartão-postal de BH, remete ao estilo barroco e faz referência às margens da lagoa

Iate Golfe Clube (Iate Tênis Clube)
Introduziu no Brasil o teto em V, conhecido como “teto borboleta”, dando a impressão de um barco ancorado na lagoa. Tem obras de Portinari e Burle Marx. Privatizado na década de 1960, manteve uso como clube de lazer e esportes

Casa Kubitschek
Modernista, com jardins de Burle Marx, foi construída para ser casa de fim de semana do prefeito JK. Hoje é um museu

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