Escola católica em São Paulo rejeita evento terraplanista

Marcado para 10 de novembro, Flat Con, primeiro encontro sobre o tema no país, terá lugar em auditório na Liberdade

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Foto de 24 de dezembro de 1968 mostra a Terra vista da órbita lunar
Foto de 24 de dezembro de 1968 mostra a Terra vista da órbita lunar - William Anders/Nasa
São Paulo

Os que não acreditam que a Terra seja um globo trocaram o Paraíso pela Liberdade. Mas não por escolha.

A Flat Con, primeira convenção nacional sobre a Terra plana, acontecerá em 10 de novembro, na capital paulista. 

Em setembro, seus organizadores mostraram nas redes sociais o auditório onde o evento seria realizado, um teatro para 400 pessoas no Paraíso, na zona sul da cidade. 

Mais precisamente, como registra o vídeo na página do evento no Facebook, o teatro do tradicional colégio católico Maria Imaculada, na avenida Bernardino de Campos.

O Maria Imaculada, 102º entre escolas paulistanas no Enem em 2018, tem opção de ensino infantil e fundamental bilíngue, parceria com o Sebrae para empreendedorismo no ensino médio e aulas de robótica. Seus alunos estudam ciências em laboratórios. 

A divulgação da convenção não caiu bem na comunidade; segundo Moisés Luz, coordenador de eventos do colégio, “pais questionaram muito, começaram a ligar”. “As normas do colégio não condizem com o evento”, resume Luz. 

O coordenador explica que a escola tem uma parceria com a empresa Salas Brasil, que gerencia espaços para locação corporativa. Segundo Luz, o colégio não acompanhou a abordagem feita pela Flat Con.

A Salas Brasil diz que, após ter inquirido a organização sobre o teor do evento, as tratativas foram interrompidas. Segundo Carlos Soares, da área comercial da empresa, “o contrato não seguiu”.

“O contrato eu tenho, assinado, vigente, e isso está na mão do meu advogado”, diz o jornalista Jean Ricardo, organizador da convenção, que afirma estar recebendo de volta valores pagos à Salas Brasil.

Radicado em Jaú (no interior paulista, a 287 km da capital), Jean Ricardo diz nunca ter sido informado pela firma de que o teatro em questão pertence a uma instituição católica.

No site da Salas Brasil, o teatro é identificado apenas como Auditório Paraíso.  

“Essa informação me foi omitida. Eu fiquei sabendo quando eu fui fazer a visita técnica com um palestrante.”

Em publicação no domingo (6), a Flat Con informou aos seus seguidores que o evento seria transferido para um local para mais de mil pessoas.

Até segunda-feira (7), 350 pessoas estavam inscritas para o evento. Com a ampliação do espaço e um novo lote promocional de ingressos, a expectativa de Jean Ricardo era de que a convenção alcançasse ao menos 500 participantes.

Um dos palestrantes do encontro, Bruno Alves, fez em seu canal no YouTube uma explicação sobre a mudança, questionando os motivos da escola para recusar recebê-lo e aos outros 11 confirmados. 

Como Alves, todos têm canais no YouTube. No canal Prisca Côco, a convidada Priscila celebrava a existência de livros didáticos com planisférios —a representação bidimensional do globo— como prova de que a teoria terraplanista adentrava as escolas.

Outro, Júlio Miranda, defendia no canal Magneticamente que estrelas são anjos. 

Para Alves, ainda no vídeo, a recusa do colégio representaria desrespeito à liberdade de expressão. Mas, comemorando, conta que a Flat Con aconteceria num lugar melhor e maior, que já havia recebido “o presidente do Japão” (sic).

O local, na Liberdade, na região central, é o Grande Auditório da Bunkyo - Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social. 

O espaço, para 1.100 pessoas acolheu em 2014 visita do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe —o Japão é uma monarquia parlamentarista e, portanto, não tem presidente.

Grande Auditório da Bunkyo -Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de  Assistência Social, durante visita do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, e sua mulher, Akie Abe, em 2014; é um teatro forrado de tapete vermelho; à direita da foto vemos a plateia lotada e, à esquerda, o palco, também coberto de vermelho, com os visitantes
Grande Auditório da Bunkyo -Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social, durante visita do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, e sua mulher, Akie Abe, em 2014 - Moacyr Lopes Júnior - 02.ago.14/Folhapress

Wilson Higa, responsável pela locação do espaço, diz que a Bunkyo “não tem nenhuma ideologia política ou religiosa”. Ele afirma ainda não ter se aprofundado no teor das falas na convenção.

Segundo Jean Ricardo, a Bunkyo sabe do que trata a Flat Con. “Sabem, porque perguntaram. O evento está sendo divulgado amplamente.”

“O meu evento não é religioso, não é político. O cunho é científico, é o debate sadio do formato da Terra.” Para Jean Ricardo, o encontro só defende “o direito de questionar”.

“Nós não estamos impondo nada.” A intolerância, afirma, vem do outro lado.

“Muitos aí que acreditam que vivem numa bola giratória hipersônica no vácuo, sem argumentos científicos, acabam sendo intolerantes com os argumentos científicos que nós temos em relação ao formato de a Terra ser plana. Somente isso.”

Outras mostras de que a Terra é um globo

Circum-navegação 
Desde o começo do século 16 os navegadores —e, desde o século passado, os aviadores— sabem que dá para sair de um ponto do planeta e avançar em linha reta toda vida até retornar ao mesmo lugar de onde vieram. Isso só é possível num planeta redondo

Fusos horários
O único jeito de explicar as diferenças de horário entre lugares distantes na Terra é por meio da rotação e do formato esférico do planeta. Se o Sol iluminasse alguns lugares primeiro e outros depois, feito um holofote, seria possível vê-lo num canto do céu mesmo à noite

Outros planetas 
Não é só foto da Nasa: desde o século 17 até a mais humilde luneta mostra que outros planetas e satélites costumam ser esféricos. Por que só a Terra seria a exceção?

Estrelas no céu 
Se estivéssemos todos em cima de um tampo de mesa de proporções planetárias, todos veríamos as mesmas constelações no céu. Como a Terra é um globo, quem mora em Nova York não consegue ver nosso Cruzeiro do Sul, enquanto os moradores de São Paulo não conseguem ver a estrela Polar, da constelação da Ursa Menor

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