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Política e ativismo transformam garotas brasileiras em líderes locais

Modelo de clube de feminino se espalha pelo país; objetivo é reforçar luta por igualdade de gênero

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Retrato de Maria Antônia, que criou um clube de meninas chamado Girl Up, em Salvador; ela mobiliza um grupo de jovens e faz palestras sobre temas como saúde reprodutiva e feminismo

Maria Antônia criou um clube de meninas chamado Girl Up, em Salvador; ela mobiliza um grupo de jovens e faz palestras sobre temas como saúde reprodutiva e feminismo Raul Spinassé/Folhapress

São Paulo

A 290 km de Belo Horizonte, na zona rural de São João Evangelista, no Vale do Rio Doce, Marina Barbosa Ferreira Santos, 19, acorda às 3h. Antes do galo do sítio começar a cantar, sai da cama para estudar inglês. Só para por volta do meio-dia. 

Filha de uma professora de português e de um agricultor, sonha em ser aceita, no final do ano, em uma universidade norte-americana.

À tarde, Marina toma conta da irmã. À noite, volta a estudar. Durante o dia inteiro, porém, pensa em mudar a realidade das garotas da cidade. 

No início, ela não sabia, mas já estava fazendo política, ou “advocacy” —iniciativas que buscam influenciar o poder público com foco em agendas que nascem da sociedade. 

“A política não é bem vista por aqui, mas tenho estudado um pouco sobre ‘advocacy’. Tem me interessado muito encontrar em meios políticos soluções para o que eu faço.”

Assim, ela acabou esbarrando na Fundação ONU (Organização das Nações Unidas). 

Há dois anos, a jovem criou um grupo de palestras. Mobilizou amigos e professores e passou a organizar encontros sobre temas como os movimentos migratórios, direitos humanos e discriminação.  

As reuniões com as meninas da cidade de 15 mil habitantes também refletem problemas mais diretos do lugar em que vivem, como o casamento de adolescentes grávidas, o abandono escolar das garotas e o machismo.

 

Em setembro, quando procurava informações sobre igualdade de gênero, encontrou a Girl Up, um modelo de clubes de meninas —criado pela Fundação ONU em 2010— que se unem para discutir o que afeta suas vidas. 

Os clubes reúnem jovens ao redor do mundo e tiveram suas primeiras experiências no Brasil em fevereiro de 2018. 

Agora, Marina se prepara para abrir dois clubes Girl Up, um deles na própria zona rural de São João Evangelista.

Nesta sexta-feira (11), Dia Internacional da Menina, data estabelecida pela ONU, em 2012, o primeiro deve começar a funcionar. “Não tinha ideia de que isso tudo pudesse ocorrer, apenas fiz porque algo precisava ser feito”, diz a garota.

“Hoje sei que minha idade não me limita e tampouco meu gênero. Em um lugar em que sonhos são minados por falta de esperança, isso é fundamental”, afirma.
 

LONGE DE CASA

A 1.130 km de Marina, a inquietação de Maria Antônia Desidério, 19, também criadora de um clube, já a levou de Salvador, onde vive com o pai, para bem longe de casa. 

Na capital federal, em setembro, sentou-se em frente ao plenário da Câmara dos Deputados como uma das selecionadas da Bahia pelo Parlamento Jovem —programa de fortalecimento da cidadania. 

Ao Legislativo, apresentou proposta de reinserção social das pessoas em situação de rua —texto que agora busca um entre 513 deputados para torná-lo em projeto de lei. 

No mesmo dia, Maria Antônia foi aos gabinetes de alguns deputados. Ela diz ter sido recebida por Márcio Jerry (PC do B -MA) e Taliria Petrone (PSOL-RJ). Como era uma sexta-feira, a maioria dos parlamentares, porém, não estava em Brasília. “Foi meio frustrante”, afirma.

Antes disso, a aluna do Colégio Militar de Salvador já havia ido mais longe. Em julho, ela fez parte do encontro mundial de representantes do Girl Up, em Washington. 

Para chegar à capital americana, a menina de classe média baixa fez vaquinha online e vendeu alfajores e camisetas feitas a mão com desenhos feministas. “Teve muito significado ir, já que da minha família ninguém nunca nem sonhou em sair do estado, quanto mais do país”, diz.

Ao lado de Maria Antônia, outras duas brasileiras fundadoras de clubes foram recebidas por deputados americanos: Lia Balassiano Strosberg, 16, do Rio de Janeiro, e Bruna Guedes, 19, de Goiânia.

Desde o dia 8 de março, quando lançou a iniciativa, Bruna já promoveu encontros sobre representação democrática e assédio sexual nas escolas —este transformado em audiência pública na Câmara Municipal de Goiânia. 

“Além de ajudar [outras meninas], é tudo o que gosto de estudar. Passo o dia todo pensando nisso”, diz Bruna, que quer cursar ciência política.  

Aluna de um tradicional colégio judaico, Lia —que, diferentemente das outras ativistas, mora em um bairro de classe alta— descobriu o projeto da Fundação ONU de forma curiosa. 

“Estava nos EUA fazendo curso de verão e vi uma menina com uma bolsa muito bonita. Fui perguntar onde ela havia comprado e ela me explicou que era uma bolsa [com o logotipo] da Girl Up e que não era vendida”, diz, rindo.

De volta ao Rio, Lia tratou de juntar as amigas e dar início ao próprio clube. “Na primeira reunião uma menina trouxe o tema da vida das mulheres na prisão. Não tinha muito a ver com a realidade das outras meninas, mas era o que a gente queria falar, então falamos. Sem problemas”, diz. 

Desde então, feminismo e questões ligadas à sexualidade entraram na pauta do grupo. De Ipanema, na zona sul carioca, a menina fez conexões com garotas de todos os cantos.

“Marcamos uma aula [sobre educação sexual] em uma escola da Cidade de Deus, mas estamos esperando as coisas se acalmarem por lá. Não sei se vai rolar”, diz a menina, citando os últimos casos de violência na comunidade da zona oeste carioca.

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