Procuradores denunciam tortura em presídios no Pará, e chefe de força-tarefa é afastado

Agentes foram enviados por Moro; estado está sob intervenção federal desde massacre em Altamira

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São Paulo

O Ministério Público Federal pediu afastamento do coordenador da força-tarefa enviada pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, ao Pará no fim de julho para controlar os presídios, após massacre em uma unidade em Altamira terminar com a morte de 62 presos.

O documento de 158 páginas aponta uma série de casos de tortura que teriam sido perpetradas pelos agentes federais. Entre as práticas estão empalamento, perfuração dos pés de presos com pregos, espancamentos com cassetete, uso reiterado de balas de borracha e spray de pimenta e disparos de arma de fogo. 

 

A ação de improbidade administrativa, assinada por 17 dos 28 procuradores da República que atuam no estado, tem como alvo o agente penitenciário federal Maycon Cesar Rottava, que assumiu o posto de coordenador da força-tarefa. 

Na última quarta-feira (2), a Justiça Federal no Pará acatou o pedido do MPF e determinou o afastamento cautelar de Rottava do cargo. 

“Embora não conste dos autos elemento que indique que ele tenha executado diretamente os supostos atos de abuso de autoridade, tortura e maus tratos, há indícios de que, por sua postura omissiva, tenha concorrido para sua prática”, afirmou o juiz federal Jorge Ferraz Júnior.

Os procuradores analisaram fotos e vídeos de presos supostamente torturados e se basearam em relatos de detentos soltos recentemente, de mães e de mulheres de presos, de servidores do sistema prisional estadual, de agentes federais, de representantes da OAB que visitaram unidades e do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Eles narram ainda a escalada de outras violações, como cortar água, comida e a assistência de saúde dos presos, mesmo para os que estão machucados pelas agressões ou para aqueles que têm doenças graves, como HIV ou tuberculose. Os detentos também estão incomunicáveis, sem visitas de familiares ou de advogados.

A ação traz relatos como: “Gente, lá dentro ninguém tá comendo nada, não tão bebendo água, todo mundo de cueca, sentado em fezes, mijo, catarro, entendeu? Pegando porrada, com spray de pimenta na cara toda hora, entendeu? Tiro de bala de borracha toda hora em cima da gente, entendeu? Tamo sendo torturado". 

"Havia cerca de 60 agentes, todos com cabo de vassoura na mão, e todos agrediram a gente com pau, tínhamos que passar em fila, e éramos agredidos com os paus de vassoura; tem muita gente doente e eles não estão se importando; tem um que faltava uma perna, e davam rasteira nele; eles mandaram um rapaz subir a escada de quatro", diz outro relato.

Um preso narra uma sessão de empalamento: "Eu vi eles [agentes federais e os estaduais] pegando o cabo de uma [espingarda] doze e introduzindo na bunda de um rapaz. Tentaram primeiro um cabo de enxada, mas não conseguiram, aí conseguiram com o cabo da doze. Vi esse rapaz saindo de ambulância".

Mais um relato, este vindo de penitenciária feminina: "Colocaram várias presas sentadas (nuas ou de peças íntimas) sobre um formigueiro no meio de um pavilhão. Falaram que iam quebrar as costelas, os braços, ia deixar a gente tudo em pedacinhos e batiam na gente".

Houve denúncia também de que uma das detentas, de 27 anos, estaria grávida e abortou devido às agressões. "Bateram muito nela, disseram que iam fazer ela botar o filho pelo ânus. Ela começou a se queixar de dor no pé da barriga, quando foi ontem ela abortou a criança, o feto, na frente de todo mundo." 

As humilhações atingem inclusive os profissionais da Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (Susipe), ainda segundo denúncias recebidas pelos procuradores.

Segundo a assessoria de imprensa de Moro, a decisão da Justiça Federal foi cumprida e, desde a última sexta (4), o agente não é mais coordenador da força-tarefa. 

Nesta segunda (7), no entanto, Rottava participou de evento oficial no Pará ao lado do ministro, que foi até a região para acompanhar o trabalho da força-tarefa. Também estava no encontro o governador do estado Helder Barbalho (MDB).

O agente penitenciário afastado do cargo (ao centro, de camisa branca) acompanha Sergio Moro em evento oficial
O agente penitenciário afastado do cargo (ao centro, de óculos) acompanha Sergio Moro e Helder Barbalho em evento oficial no Pará - Divulgação/Sisupe

As fotos com a presença de Rottava foram publicadas nas redes sociais do próprio governador e da Susipe. 

"Ele continua sendo agente federal de execução penal, só foi afastado da coordenação", afirmou a assessoria de Moro. O agente federal de execução penal Marco Aurélio Avancini foi designado para a função de coordenador da operação. 

O Pará foi palco da maior rebelião do ano no dia 29 de julho, quando ao menos 58 presos foram mortos —sendo 16 decapitados— em uma disputa entre duas facções criminosas pelo controle do Centro de Recuperação Regional de Altamira.

O número superou a sequência de ataques nos presídios do Amazonas, que deixou ao menos 55 mortos em maio. 

Em 30 de julho, o governador Barbalho fez um pedido de intervenção federal no estado, atendido prontamente por Moro, que autorizou o envio da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) para atuar em 13 unidades paraenses.

Foi o mesmo dia em que outros quatro presos foram assassinados durante a tentativa de transferência de 30 homens para Belém em um caminhão de transporte.

A atuação do grupo federal foi prorrogada por Moro até o fim deste mês. Sua função, segundo a pasta, é a de coordenar ações das atividades dos serviços de guarda, de vigilância e de custódia de presos.

OUTRO LADO

O Depen (Departamento Penitenciário Nacional), órgão ligado ao Ministério da Justiça, afirmou que não reconhece as alegações de tortura generalizada no estado e que "defende a humanização da pena e repudia quaisquer atos de maus tratos".

Também afirmou ter confiança no trabalho dos agentes enviados ao Pará. "Os servidores que atuam na FTIP são experientes por atuarem em outras crises." 

Segundo a pasta, em setembro, 64 presas do Centro de Recuperação Feminino e oito presos do Complexo Penitenciário de Santa Izabel foram submetidos à perícia e não foram constatados sinais de tortura ou de maus tratos.

Ainda de acordo com o ministério, sindicâncias foram instauradas a fim de apurar as supostas denúncias.

"Caso sejam comprovados eventuais desvios de conduta, os agentes serão devidamente afastados de suas funções e responderão por processos administrativos", afirmou, em nota. 

Nos 40 dias de atuação da força-tarefa, foram apreendidos cerca de R$ 30 mil, 2.000 celulares, 13 armas de fogos e eletrônicos.

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