Grupo quer criar santuário de jumentos resgatados na Bahia

Cerca de 200 animais foram salvos de ir para abate e agora vivem em fazendas

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São Paulo

Um grupo de pesquisadores e veterinários se mobilizou na Bahia para cuidar de jumentos vítimas de maus-tratos que escaparam do abate. Buscam agora pessoas interessadas em adotar os animais e planejam a criação de uma espécie de santuário para produzir estudos sobre o mamífero. 

O jumento (também chamado de asno e jegue) é tradicionalmente usado no Nordeste para transporte de carga. É do grupo dos equídeos, que inclui animais como cavalo, burro e mula. 

Para facilitar o reconhecimento: em comparação com a mula ou o burro, é mais peludo, tem orelhas maiores e é mais baixo. 

Jumentos resgatados que agora vivem em uma fazenda na Bahia
Jumentos resgatados de situação de maus tratos que agora vivem em uma fazenda na Bahia - Acervo pessoal

Os animais foram resgatados de fazenda na cidade de Euclides da Cunha (a mais de 300 km de Salvador). Uma vistoria da prefeitura no fim de janeiro constatou que cerca de 800 jumentos viviam em um ambiente árido com pouca água e comida e adoecidos. 

A história virou alvo de investigação do Ministério Público da Bahia, que remeteu o processo ao Ministério Público Federal em Salvador no início do ano. O MPF, por sua vez, afirmou que o processo tramita na Justiça e que, até o momento, não chegou para manifestação do órgão. 

Sobreviveram em torno de 200 deles, dos quais 30 já foram adotados, segundo o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, que se tornou, em situação emergencial, fiel depositário dos animais, para recuperá-los e encaminhá-los a um novo lar.

A nova casa dos animais adotados é a fazenda de Thereza Bittencourt, professora do curso de veterinária da UFBA (Universidade Federal da Bahia), em Serra Preta (a cerca de 170 km da capital). É lá que deve ser criado o santuário, cujo objetivo será produzir conhecimento sobre o animal.

“Há pouca literatura sobre o jumento nordestino. Sobre genética e comportamento, por exemplo”, diz ela, que está elaborando o projeto do espaço. 

A força-tarefa em prol dos animais, que começou em fevereiro, também tem a participação da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos e voluntários de instituições como USP (Universidade de São Paulo), UFBA (Universidade Federal da Bahia) e UFAL (Universidade Federal de Alagoas). 

Medicaram, alimentaram e realizaram pequenos procedimentos cirúrgicos nos animais, desde correção de casco até castração. Três pessoas, entre elas uma veterinária, ficaram encarregadas dos cuidados diários. A Adab (Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia) também auxiliou no controle de zoonoses. 

Gastam em torno de R$ 25 mil por mês com os animais, segundo o Fórum, dinheiro que arrecadam por meio de doações e vaquinhas online. Também fizeram parceria com uma ONG internacional focada em jumentos. 

Apenas em outubro puderam ser transferidos para uma nova fazenda, próxima à anterior. Segundo Vania Nunes, diretora técnica do Fórum, a mudança demorou porque era preciso garantir que os animais não estavam contaminados com anemia infecciosa e mormo. Os infectados tiveram que ser sacrificados. 

O desafio agora é conseguir um novo lugar para os jumentos que ainda estão sob os cuidados do grupo. Um dos obstáculos é a dificuldade de transferir os animais para outro lugar, checar se as propriedades dos interessados são adequadas e acompanhar o processo de adoção depois —especialmente porque querem evitar que sejam abatidos.

O abandono de jumentos é comum no Nordeste, seja porque ficaram velhos e perderam a função na roça ou porque foram trocados por motos ou equipamentos mais modernos. Acabam soltos nas ruas, correndo o risco de causar acidentes na estrada e transmitir zoonoses, ou encaminhados para o abate. 

O abate de equídeos é permitido por lei no Brasil desde 1984 para fins industriais e comerciais. A prática mobiliza setores de defesa dos animais e levou à elaboração de um projeto de lei que tenta proibi-la, que está em tramitação na Câmara. 

A pele do animal é uma das partes mais cobiçadas pela China por causa de uma gelatina que contém, usada para fazer o ejiao, medicamento da medicina tradicional chinesa que promete, entre outras coisas, combater o envelhecimento, aumentar a libido e regular a menstruação de quem o ingere. 

De janeiro a outubro deste ano, foram exportadas 2.117 toneladas de carne de equídeos, que renderam US$ 4,9 milhões (mais de R$ 21 milhões), de acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Rússia e o Vietnã lideram a importação de carne de equídeos do Brasil (em peso e valores).

Já a exportação de pele chegou a 53 toneladas e rendeu US$ 129.441 (cerca de R$ 550 mil). Não foram informados os países que mais importam. 

Para controlar a população do mamífero e desenvolver o agronegócio, o governo da Bahia, por meio da Adab, regulamentou em 2016 o abate de equídeos.

O objetivo era exportar a pele para a China e doar a carne para um zoológico e para virar ração (a portaria do governo diz que a carne não deve ser destinada a consumo humano por não fazer parte da cultura dos brasileiros). 

Na ocasião, afirmaram que se tratava de solução “humanitária e ética” para o problema dos animais errantes.

Hoje, há três frigoríficos na Bahia que fazem o abate de equídeos: um de equinos (cavalo e égua) e outros dois de asininos (jumento e jumenta), segundo o Ministério.

Além da polêmica em Euclides da Cunha, uma fazenda em Itapetinga (interior do estado) de uma empresa chinesa havia sido interditada meses antes após denúncias de maus-tratos a jumentos. 

O episódio mobilizou advogados e veterinários, que conseguiram em dezembro de 2018 uma liminar da Justiça Federal para proibir o abate de jumentos na Bahia. A liminar, contudo, foi suspensa em setembro deste ano pelo Tribunal Regional Federal. 

Nunes critica a liberação do abate e se articula para reverter a decisão. Na terça (3), participará de uma audiência pública na Câmara dos Deputados para debater a questão. 

“A gente espera que o trabalho seja exemplar para que os jumentos nordestinos sejam tratados com respeito e dignidade”, diz. “Não é possível que um animal tão reverenciado se transforme em material descartável.” 

Entenda as diferenças

Jumenta e jumento
Também conhecidos como jegue ou asno, são da espécie dos asininos. Mais peludos, têm orelhas maiores e são mais baixos do que a mula ou o burro

Mula e burro
Animais estéreis e híbridos, são fruto do cruzamento entre o jumento e a égua. Têm o pelo baixo como o do cavalo

Bardoto
É fruto do cruzamento entre a jumenta e o cavalo e também é estéril. O mesmo nome é usado para macho e fêmea

Égua e cavalo
Equinos, têm pescoço mais alongado e formato da cabeça mais bem definido do que os outros

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