Mudança da CET afasta prostitutas travestis de rua no Butantã, em SP

Dificuldade em fazer retornos diminuiu procura pela atividade na região

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São Paulo

O engenheiro consultor em transportes, Rodrigo Ajauskas, 29, caminhava pela rua Catequese, no Butantã (zona oeste), quando viu uma placa da Prefeitura de São Paulo anunciando que o sentido do fluxo de veículos na via seria alterado. 

Prontamente, Ajauskas intuiu: “Isso vai diminuir drasticamente a demanda pela prostituição [já tradicional] naquela rua”. 

Embora a análise pareça fazer pouco sentido, duas semanas após a alteração na via, Letícia, 32, (nome e idade fictícios) constatou na prática o que o engenheiro previu. “Agora que mudou esse negócio, o movimento tá o uó!”, lamentou a prostituta.

Atendendo a um antigo pedido dos moradores da rua Catequese, a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) e a Subprefeitura do Butantã realizaram uma série de alterações das mãos das ruas e colocaram bloqueios que, na prática, diminuíram a atratividade do local à prostituição. 

Na rua arborizada, de cerca de 400 metros de extensão e com uma escola pública de ensino infantil, a prostituição permanece, mas em menor quantidade, dizem os moradores.

Mudança da CET afasta prostitutas travestis de rua no Butantã
Mudança da CET afasta prostitutas travestis de rua no Butantã - Folhapress

Segundo os moradores, as prostitutas atuam na rua há décadas, mas nos últimos anos a convivência tem ficado mais tensa. A escalada da violência é creditada à chegada de um grupo de travestis que se prostituem principalmente à noite no local. Há relatos de assaltos, ataques a facas, furtos e brigas, especialmente à noite e de madrugada.

 
A chegada das travestis teria ocorrido a partir de 2015, quando a CET fez uma primeira troca de sentido do fluxo de veículos. 
 
A via passou a ser um atalho entre a ponte Eusébio Matoso e a região próxima ao campus da USP, aumentando o fluxo de carros e também de clientes potenciais. 

Entre os moradores, há quem acredite que a maior repressão à prostituição de travestis nos tradicionais pontos do entorno do Jockey Club de São Paulo, próximo dali, também teria ajudado a fazer da rua Catequese uma área segura para a atividade. 

Um dos moradores da via, que não quis se identificar, diz que a região se deteriorou. “Eu entendo que exista uma discussão moral sobre a prostituição de travestis. Mas não é essa a minha questão, tenho preocupações mais práticas, como as camisinhas que ficam jogadas pela rua, o consumo de álcool e drogas frequente. Elas ficam o dia todo na rua, não têm acesso a banheiros. Então, fazem xixi e cocô na rua”, reclama.

Um grupo de vizinhos se uniu para instalar holofotes e alarmes pela rua. Os dispositivos eram acionados à noite, quando algum crime ou situação considerada abusiva era presenciada. Muitas das cenas estão gravadas em fotos e vídeos: nudez, tentativas de assalto a clientes, gritos, brigas ou programas feitos no meio da via.

 
A diretora de comunicação Fernanda Carvalho, 57, disse que passou a não chamar mais amigos para sua casa, pois tinha medo que eles estacionassem seus carros na rua. Em meio à sujeira e às garrafas quebradas, agora evita suas caminhadas diárias com o cachorro. "Uma vez, cheguei em casa e vi uma pessoa nua no meu portão. Não preciso passar por isso todo dia", comenta. 
 
A arquiteta Priscila Canhedo percebeu que a orientação do sentido das ruas tinha aumentado a prostituição no local. Segundo ela, além da maior circulação de carros, ficou mais fácil fazer retornos nos quarteirões por ali. 

A nova característica da via tinha impulsionado uma prática comum entre os motoristas que exploram a prostituição ali. Num primeiro trajeto pela rua, o cliente analisa quem são as prostitutas disponíveis naquele momento, contorna o quarteirão e retorna ao ponto da prostituta escolhida. 

Os motoristas davam voltas nos quarteirões da rua, formando dois circuitos principais. 

Moradores passaram então a pleitear que a CET e a subprefeitura alterassem o sentido da rua e dificultassem essas conversões. Um abaixo-assinado e uma carta citando os abusos da prostituição no local foram encaminhados à subprefeitura do bairro. 

Há menos de um mês, a CET anunciou a troca dos sentidos das vias e, desde então, o fluxo de veículos que passam pela rua Catequese caiu fortemente. A facilidade de fazer retornos também diminuiu. 

Um dos circuitos tradicionais dos clientes era cumprido em 300 metros (por volta) e passou a ter 690 metros. Outro trajeto tradicional deixou de ter 500 metros para ter 877 metros. 

A prostituta Laís, 31, (nome fictício), numa esquina da rua Catequese lamenta. "Agora, o cliente passa aqui uma vez para ver o movimento. Mas para voltar aqui, ele tem que dar uma volta muito grande, passa por dois semáforos, pega trânsito na [avenida] Vital Brasil e só depois vem para cá. Isso desestimula", analisa a prostituta. Ou "diminui o ímpeto lascivo", como definiu um morador.

 
Letícia, que é trans e faz programas por ali há anos, diz acreditar que a mudança viária foi feita justamente para afastar a prostituição. "Mas acho isso hipocrisia da sociedade, porque a prostituição sempre vai existir", comenta. 

Oficialmente, a CET e a subprefeitura dizem que fizeram as alterações nas ruas para melhorar o fluxo local e aumentar a segurança dos pedestres. Questionada especificamente sobre os conflitos dos moradores com as prostitutas, a subprefeitura não comentou o tema e negou entrevista com o subprefeito. 

Prostituta em rua do Butantã que sofreu alterações viárias da CET e da Subprefeitura do Butantã
Prostituta em rua do Butantã que sofreu alterações viárias da CET e da Subprefeitura do Butantã - Folhapress
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