Novo arranjo de guarda de filhos prevê 'casa das crianças'

No 'aninhamento', filhos permanecem na casa da família e pais se alternam na moradia

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Beatriz Loturco
São Paulo | revista azmina

Após muitos anos de casamento, Maria Luiza Mancini Da Riva e o marido decidiram se separar. Com quatro filhos entre 4 e 16 anos, o maior desafio foi encontrar um modelo de moradia que funcionasse principalmente para as crianças. 

Após muita pesquisa, eles conheceram um formato de guarda inusitado: em vez de cada um dos pais ter uma casa e os filhos se revezarem entre elas, as crianças permanecem na casa da família e quem se reveza ali são os pais. 

Chamado de “aninhamento” ou nidação, esse modelo tem como premissa manter os filhos no ninho —uma residência fixa com suas rotinas. E os genitores, por períodos alternados pré-estabelecidos, revezam-se na moradia. Quando um entra, o outro sai. 

O modelo pode ser interessante considerando que nem em todas as famílias as responsabilidades são divididas de forma igualitária. Há grande desigualdade de gênero nas concessões de guardas de filhos no Brasil.

adolescente com menina no colo, mulher com menina no colo, adolescente e homem de meia idade agasalhados encaram a câmera com paisagem de mar ou lago ao fundo
Maria Luiza Mancini Da Riva e o ex-marido, Luiz Fernando, com os quatro filhos cuja guarda compartilhada foi organizada no modelo de "aninhamento" - Arquivo pessoal

Desde 2014, a lei impõe que a regra da guarda seja compartilhada, com exceção de quando um dos pais não quer. Mas, mesmo com a regra, na maioria dos casos de divórcio a guarda fica só com a mãe. 

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2017, em 69% dos divórcios a guarda ficou com a mulher, em 21% ela foi compartilhada, e em 4,8% ela ficou com o pai.

“Quando me separei me vi com a grande preocupação de não tornar a vida das crianças um inferno com essas idas e vindas pra casa de mãe e pai. Eles tinham uma vida regrada, com conforto no lar deles”, conta Maria Luiza.

Foi assim que ela e o ex-marido, Luís Fernando, decidiram por manter os filhos na casa onde viviam quando casados. “O nosso apartamento é do lado da escola das crianças. Elas estão superconfortáveis com a rotina, têm os quartinhos delas, não ficam de um lado para o outro”, diz. 

Na prática, os Riva fizeram a seguinte divisão, há um ano e meio: às segundas e terças, quem fica na casa é o pai. Quarta e quinta são dias da mãe. Sexta e finais de semanas são alternados: a cada 15 dias um deles fica com as crianças. Se necessário, o ex-casal flexibiliza a alternância para acomodar viagens a trabalho —ambos são empresários. 

O principal objetivo do aninhamento é minimizar o sofrimento da criança no pós-separação. Por isso a ideia de mantê-la em seu ambiente, onde ela já está familiarizada. 

“No aninhamento os pais dividem a totalidade das responsabilidades por um período maior —uma semana ou mesmo um mês morando com os filhos”, diz a advogada Cristiana Gomes Ferreira. 

Há, porém, o custo de se manter três casas, impeditivo para muitas famílias. No caso dos Riva, os pais concluíram ser mais caro manter duas casas que acomodassem quatro crianças do que uma que as acomodasse e duas menores.

“Seria muito difícil manter nossa qualidade de vida com esse custo tão alto, então esse foi um elemento que apoiou nossa decisão”, afirma Maria Luiza, que quando não está com os filhos, fica na casa da mãe.

As despesas da casa das crianças são compartilhadas pelos pais na proporção dos ganhos de cada um. 
A logística também entrou na conta, já que o apartamento é perto da escola das crianças. “Tem logística de escola, de atividades extras. Acho que as turbulências em relação aos filhos são muito menores”, conta —assim como a praticidade de concentrar tudo na mesma casa. 

“O fato de ter quatro filhos influenciou na busca por alternativas. Ficava imaginando que seriam quatro crianças falando: ai, mamãe, esqueci isso na casa do papai.” 

Além da manutenção da rotina dos filhos, a atenção ao lado emocional da criança é visto como ponto positivo no modelo, embora não haja regra do que é melhor para a criança em casos de separação —cada caso é um. 

“A ausência de um dos genitores significa um ninho incompleto. Existindo divórcio, a criança sentirá seu impacto de qualquer forma”, diz a psicóloga Ana Carolina Belmonte. “Para decidir o modelo deve-se levar em conta em qual deles a criança estará mais bem assistida. Isso depende das circunstâncias e possibilidades de cada genitor.” 

No aninhamento, a boa relação entre os pais é imprescindível ao seu funcionamento. “O modelo exige inteligência emocional por parte dos pais. Eu tenho uma relação boa com meu ex-marido”, diz Maria Luiza.

Ela conta que nem sempre é fácil conviver com tanta frequência com o ex-companheiro, mas nesses momentos se apega à ideia de que a escolha foi feita em prol dos filhos. 

A psicóloga Ana Carolina explica que, a partir do momento que acontece o rompimento do relacionamento dos pais, há uma espécie de luto a ser elaborado, já que haverá a perda da rotina e dos papéis construídos dentro deste contexto familiar e um novo equilíbrio precisa ser construído.

O modelo do aninhamento pode fazer com que esse luto não ser vivido plenamente. “Tentar manter as coisas como antes, embora num primeiro momento pareça poupar a criança de uma dor maior, pode provocar confusão, com o risco das transformações advindas do divórcio não ficarem devidamente esclarecidas”, explica a psicóloga. 

Ela diz que o melhor caminho é conversar com os filhos e deixar clara as mudanças. 
Outra dificuldade é os pais seguirem para outros relacionamentos, pois o “ninho” para os filhos pode afetar a forma como seus futuros parceiros precisariam viver. 

Maria Luiza diz ouvir o questionamento com frequência: “quando vocês começarem a namorar como vão fazer?”.

Ela afirma que não pretende se casar de novo, mas que independentemente da condição dos novos relacionamentos, outras configurações podem ser pensadas, como um casamento em que cada um tem sua casa, por exemplo.

Há pouca literatura sobre aninhamento, mas uma reportagem do jornal britânico The Telegraph aponta que o modelo surgiu nos Estados Unidos nos anos 2000, quando um tribunal do estado da Virgínia determinou em uma decisão de guarda que a melhor solução para duas crianças seria ficar na casa da família. A mãe moraria com eles nos dias de semana, e o pai, sábado e domingo. 

Desde então, o aninhamento cresceu em popularidade nos EUA e apareceu em seriados de TV como “Transparent” e “The Affair”. 

Nos últimos anos também tem crescido na Europa, mais sobretudo no Reino Unido, onde mais tribunais têm recomendado o modelo. 

Normalmente, os tribunais não forçam um casal divorciado adotar o modelo. Há uma exceção, porém, no Canadá, em que o juiz disse aos pais para parar de tratar seus filhos como ‘frisbees’ e impôs a guarda de aninhamento sem que uma das partes solicitasse.

No Brasil, 1 a cada 3 casamentos termina em divórcio, segundo o IBGE. Em 2016, 344 mil casais se separaram, e 48% deles tinham filhos menores de idade. A guarda de uma criança e suas regras estão previstas na Constituição, no e Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil.

O último prevê duas modalidades de guarda: a unilateral, atribuída a um dos genitores ou alguém que o substitua, e a compartilhada, em que as responsabilidades são repartidas por ambos os genitores. Uma terceira, legalmente aceita, é a guarda alternada, em que um dos pais fica com a guarda exclusiva por um período e outro pelo período seguinte.

Apesar do modelo de aninhamento não ser previsto na lei, não existe vedação legal à modalidade, desde que haja consenso entre os pais, diz o advogado Enrico Amaral: “O modelo de moradia da criança não tem necessariamente vinculação com a guarda”.

Esta reportagem foi originalmente publicada pela Revista AzMina.

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