Poluição sonora afeta saúde e bolso de paulistanos

Problema não é restrito ao centro, e reclamações são feitas em toda a cidade

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São Paulo

O excesso de barulho pegou no bolso de Rubens, que gastou milhares de reais em janelas antirruído em casa; na saúde de Nina, que às vezes toma remédio para dormir; no futuro de Gabriela, que se deparou com um festival de música ao lado de onde faria uma prova importante; no sossego de Marcílio, que procura sair da cidade em época de festas.

Como toda grande metrópole, São Paulo é barulhenta. Seja o som de um bar em um bairro boêmio, seja um carro de som vendendo pamonha ou o ronco de um ônibus em área residencial, é difícil fugir do ruído da cidade.

O médico Rubens Belfort Neto, 42,convive com o barulho constante dos exaustores do restaurante ao lado de sua casa, em São Paulo
O médico Rubens Belfort Neto, 42,convive com o barulho constante dos exaustores do restaurante ao lado de sua casa, em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Há dois anos, um bar abriu as portas em frente à janela do quarto da pedagoga Nina Gelcer, 58, em Pinheiros, na zona oeste, e não deu mais sossego. “Tocam música ao vivo sem nenhum isolamento acústico. Os clientes ficam na rua fazendo barulho até 1h, 2h da manhã”, reclama.

Pinheiros é o segundo distrito com mais reclamações de barulho no sistema 156, da prefeitura de São Paulo, atrás apenas da Santa Cecília, na região central.

“Às vezes eu vou dormir às 3h e preciso estar de pé às 6h. Tenho problemas para dormir, às vezes preciso tomar alguma coisa, porque fico muito agitada. Isso afetou minha saúde”, diz ela, que já chamou a polícia várias vezes, fez boletins de ocorrência e entrou com um processo criminal contra os donos do bar.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) afirma que o barulho excessivo causa sérios danos à saúde, e podem provocar problemas de sono, efeitos psíquicos, sociais e cardiovasculares e interferir no comportamento e na produtividade das pessoas.

O médico Paulo Saldiva, que estuda poluição urbana, diz que o excesso de ruído causa menos comoção na sociedade “porque você não dá febre, não tem uma pereba, não tem manifestações físicas apontando o problema de cara. Mas a pressão arterial aumenta, há perda de atenção, perda de qualidade do sono, associada à ansiedade e depressão”, diz.

O excesso de ruído deixa o corpo em alerta, liberando adrenalina, e a exposição constante a ele pode causar problemas de estresse.

Com o alto nível de barulho, “em última análise, você perde dinheiro, porque afeta a vida das pessoas, o rendimento escolar, a produtividade no trabalho”.

A OMS recomenda, como saudável, um limite de volume de 40 decibéis à noite, equivalente a uma conversa em tom de voz baixo. Quanto maior o volume, menor é o tempo a que se pode ficar exposto a ele —ruídos acima dos 120 decibéis podem causar dor e, acima disso, perda de audição.

A legislação em São Paulo estabelece limites de volume de acordo com a região da cidade. Em zonas mistas, onde há comércios e residências, o limite durante o dia é de até 60 decibéis (uma conversa), e 50 pela madrugada. Os limites mais altos estão em áreas industriais e de desenvolvimento econômico (65 durante o dia e 55 à noite).

Em São Paulo, os cidadãos podem reclamar do barulho pelo site da Polícia Militar ou pelo 156, central de atendimento da prefeitura —as reclamações também podem ser feitas durante o dia, se o barulho superar o limite.

A vida real, porém, não respeita a lei. O Mapa do Ruído, iniciativa da ProAcústica, mostra que o barulho passa dos 92 decibéis na região do Brás, por exemplo, volume considerado altíssimo e a que não se deve ficar exposto por muito tempo.

A gestão Bruno Covas (PSDB) diz que neste ano arrecadou R$ 6,2 milhões em multas pelo Psiu, a lei do silêncio paulistana, com as 440 multas que aplicou.

Levantamento feito pela Folha com as solicitações feitas à prefeitura entre janeiro e setembro mostra que o problema atinge também regiões afastadas do centro, como o Sacomã, na zona sul, e o Itaim Bibi. Nesse período, houve 14.474 queixas. Elas são mais comuns aos finais de semana e à noite.

Quando instalam um palco na praça da República, no centro, o professor de italiano Marcílio Vieira, 54, já sabe: vai começar a tremedeira das janelas de seu apartamento, na esquina da avenida Ipiranga com a rua Sete de Abril. 

“Como todo professor, levo muito trabalho para casa, aula para preparar, provas para corrigir. Mas não consigo trabalhar. Também dou aulas pela internet e meus alunos se sentem incomodados”, diz.

“Entendo que a praça da República é um local tradicional de manifestações, é uma coisa legítima, mas moro aqui há 12 anos e, nos últimos dois, aumentou muito a quantidade de eventos. Minha estratégia e sair da cidade quando é carnaval, algo grande e esperado. Mas quando montam um palco em um fim de semana comum, não consigo viajar”, afirma.

Saída menos ortodoxa foi a do médico Rubens Belfort Neto, 42: resolveu distribuir panfletos em frente ao restaurante ao lado de sua casa. “Fomos tentar conscientizar os clientes. O panfleto dizia que a loja desrespeitava os vizinhos e sugeria que comessem em outro lugar.”

As janelas de seu apartamento dão de cara para os exaustores de uma unidade da Lanchonete da Cidade, nos Jardins. Um ruído constante começa pela manhã e só para de madrugada, imperceptível ao nível do chão, mas alto no 4º andar —medido pelos moradores em 70 decibéis, como se um aspirador de pó ficasse ligado o tempo todo.

Belfort se deu conta do ruído depois de se mudar para lá, neste ano, e contatou a empresa, que chegou a enviar um engenheiro e constatou o problema. “Fizeram uma série de promessas, mas nada foi resolvido.”

Foi aí que partiu para a panfletagem, há cerca de um mês. "Foi a maior baixaria. O pessoal chamou a polícia, disseram que era agressivo. Agressivo é você fazer pouco caso de um ruído constante. Não é uma senhora na esquina vendendo coxinha, é uma empresa grande, com faturamento de milhões, que não pode resolver um problema de barulho.”

O caso foi parar na Justiça, onde o diretor da empresa, Vinícius Casella Abramides, espera discuti-lo “de forma desapaixonada, objetiva e justa”, afirma à Folha. Ele diz que a empresa se orgulha em ter uma convivência amistosa com os vizinhos e que, “se houver algo mais a ser corrigido e/ou melhorado, e que tenha escapado à nossa avaliação”, será feito. 

Com anos de estudo e muito estresse acumulado, Gabriela Vieira, 28, foi fazer, no último dia 15, prova de residência médica na Universidade de São Paulo.

O exame foi aplicado na Uninove, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo. “Comecei a fazer a prova, meia hora depois, mais ou menos, começou um barulho muito alto, de show, que tremia as cadeiras, as mesas, a janela”, conta.

Ali do lado, aconteceu o festival de música Popload, com alguns dos maiores artistas pop do mundo, para 15 mil pessoas. “Eu lia as questões e não conseguia me concentrar, era ensurdecedor. Tinha uma menina do meu lado chorando, eu saí com dor de cabeça”, diz.

A musicista Sthe Araújo, 23, que toca em dois grandes blocos carnavalescos que saem pelas ruas da cidade, o Ilú Obá de Min e a Charanga do França, diz que a questão é, sim, delicada, mas é preciso haver sobretudo respeito. "Cada um tem que fazer sua parte, temos que respeitar os moradores mas também queremos que respeitem nossa forma de se expressar."

"Não estamos ali pela bagunça. Estamos para acolher pessoas, tem muita gente que quer participar. Há pessoas que trabalham de segunda à sexta, e, claro, querem descansar. Mas muitos outros que trabalham querem extravasar, se expressar, se encontrar."

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