Túmulo da Marquesa de Santos, em São Paulo, vira símbolo para prostitutas

Alvo de preconceito, amante de dom Pedro é vista como protetora por trabalhadoras sexuais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Túmulo de Domitila de Castro do Canto e Mello, a marquesa de Santos, no Cemitério da Consolação

Túmulo de Domitila de Castro do Canto e Mello, a marquesa de Santos, no Cemitério da Consolação Zanone Fraissat/Folhapress

São Paulo

“Agradeço à marquesa a graça alcançada”, Q.N.L. “Marquesa de Santos agradeço graça recebida”, F.F. Weissinger. Essas são as duas homenagens visíveis no sempre limpo e bem-arrumado túmulo de Domitila de Castro do Canto e Mello (1797 – 1867), no cemitério da Consolação, no centro de São Paulo. 

Quase invisível, mas também presente, é a ideia de que a a amante por quase uma década de dom Pedro 1º é uma espécie de santa popular protetora das prostitutas da cidade.

Não há nada documentado e tampouco se sabe a origem da devoção. Fato é que o título, ainda que informal, acompanha a história de sua sepultura no Consolação.

“Da minha boca nunca saiu nada dessa natureza”, garante Francivaldo Gomes, 51, o Popó, ex-coveiro que, desde 2002, se tornou a memória do Consolação em visitas guiadas entre os túmulos de anônimos e famosos do cemitério.

“A gente ouve falar, mas não posso dizer que isso ocorra. Mas tem gente que fala, sim”, completa com o ar grave e solene que o ambiente parece emprestar.

Autor de “Titília e o Demonão –cartas inéditas de Dom Pedro I à Marquesa de Santos” (Geração Editorial, 352 páginas) e “Domitila” (Geração Editorial, 368 páginas), o escritor e pesquisador Paulo Rezzutti diz que na devoção à santa popular há uma mistura de razões.  

"Tem gente que agradecia por operação bem-sucedida e tem mulheres envolvidas com homens casados pedindo ajuda para a marquesa para ficarem definitivamente com o amante", diz o escritor que em sua pesquisa não identificou a origem da devoção.

Em tempo, Titília e Demonão são as alcunhas carinhosas pelas quais se chamavam os amantes, dom Pedro e Domitila. 

Para Santuzza de Souza, coordenadora do coletivo Rebu, que defende as trabalhadoras sexuais, a relação entre o preconceito e o título de "protetora das prostitutas" é clara. "Assim como a mulher não tem garantido seus direitos e as prostitutas são discriminadas, as amantes também são", diz.

Rezzutti também vê no preconceito a raiz dessa história. "Talvez por conta das mulheres que são amantes rezarem para ela", diz. "Acho que daí pra compararem amantes com prostitutas é um pulo."

A própria Domitila sentiu na pele o preconceito por ser amante e foi confundida com uma prostituta na porta do Teatro da Constituição, como conta Paulo Setúbal, em "A Marquesa de Santos (1813-1829)", obra editada pela primeira vez na década de 1920 . Na ocasião, ela tentava frequentar um evento exclusivo da nobreza.

Com confusão, dom Pedro 1º encerrou a apresentação teatral. 

Família de Mário Zan mantém túmulo da marquesa

Neste sábado (2), Dia de Finados, o túmulo da marquesa não deve ser um dos mais visitados, dizem os funcionários do cemitério onde estão enterrados, por exemplo, Monteiro Lobato e Mário de Andrade. Mas, com certeza, estará entre os mais limpos e arrumados. 

 O mérito é da família do acordeonista Mário Zan (1920-2006), que paga mensalmente a manutenção do jazigo, confirma a cantora Mariangela Zan, dando continuidade à vontade do pai.

À Folha, em 2004, o imigrante veneziano, autor do hino do quarto centenário da cidade, explicou os motivos da veneração à marquesa

"É uma injustiça a fama que essa mulher tem no Brasil", disse. "Ela foi uma alma pura, que antes de morrer doou toda a riqueza que tinha, dividiu os bens entre seus escravos e a cidade de São Paulo, não dá para ela entrar para a história como "amante de dom Pedro 1º"."

Ao descobrir o paradeiro do túmulo de Domitila , Mário Zan resolveu ver de perto. "Cheguei lá, estava tudo em petição de miséria, tinha despacho de macumba, pichação, muito lixo e até um pé de milho!", afirmou. "Mandei limpar tudo, reformar a lápide e pago uma pessoa para ir lá toda a semana conservar e trocar as flores."

O músico não parou por aí. Resolveu que acharia um túmulo à venda próximo ao da marquesa —que doou o terreno para a construção da capela no próprio cemitério, bem em frente à entrada. "É que, desde que eu fiz isso por ela, minha vida mudou para melhor", revelou.

A missão não foi nada fácil, mas, por fim, quem visitar o túmulo da marquesa vai encontrar bem em frente o do músico —que, definitivamente, não gostaria nada do título informal dado à marquesa. 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.