Há quase dezoito anos, em 16 de dezembro de 2001, o governador Anthony Garotinho inaugurou, sob chuva, uma praia para os moradores da zona norte do Rio.
Era um lago artificial, às margens da poluída baía de Guanabara, e tinha 438 metros de comprimento por 129 metros de largura.
Acabou levando o nome do bairro em que foi escavado: Piscinão de Ramos.
Ao custo de R$ 18 milhões (R$ 52,6 milhões de hoje) pagos pela Petrobras, o local teve sua estreia com samba, churrasco e pipoca.
Naquele dia, o compositor Dicró lançou “Domingo na Praia de Ramos”, grande sucesso na época: “O dia está maravilhoso/ Eu vou vestir o meu calção/ Curtindo esse sol gostoso/ Eu vou lá pro Piscinão”. Após sua morte, Dicró deu nome ao local: Parque Ambiental da Praia de Ramos Carlos Roberto de Oliveira.
Naquele verão de 2001/2002, imagens da população da região se divertindo nas águas foram notícia em todo o Brasil. Depois, é claro, o Piscinão sumiu dos noticiários.
Mas ele ainda está lá, recebendo dezenas de milhares de pessoas todos os finais de semana, que nadam em suas águas tratadas com cloro e consomem nas dezenas de barracas montadas na areia. O recorde é de 80 mil pessoas em um único dia.
Se em Ipanema uma empanada na praia custa até R$ 10, no Piscinão o pastel sai por R$ 1. “Comprei 15 de queijo”, exibe-se o caminhoneiro Luís Carlos de Andrades, que no sábado (7), havia chegado ao local às 6h com uma turma.
“A gente veio direto do pagode de Caxias, viramos a noite na festa”, explica, já no meio da tarde, sua mulher Taís de Oliveira, dona de casa.
Um de seus amigos comprova os excessos: ele dorme a sono solto, todo torto, embaixo do guarda-sol. “É por isso que a gente gosta daqui”, diz Luís Carlos. “O amigo fica caído e ninguém zoa, ninguém esculacha.”
A contorcionista Sabrina Fernandes se aproxima e anuncia: “Ganhei o título de menor biquíni do Arpoador em 2006”. Também mínimo é o preço do chope, servido nas barracas maiores, construídas no calçadão ao redor da areia. O copo de 300 ml vale R$ 3; o de 500 ml, R$ 5. Assim fica fácil fazer conta.
REFORMAS DA MAIORIDADE
Agora que atinge a maioridade, o entorno do Piscinão passa por reformas. Estão sendo feitas obras na quadra de grama sintética e nas demais poliesportivas e também nos banheiros e vestiários. As intervenções, segundo a prefeitura, têm custo de R$ 675 mil e serão concluídas no primeiro trimestre de 2020.
A poucos metros da baía de Guanabara, os 30 milhões de litros da água do Piscinão vêm de lá. Mas ela passa por alguns estágios na estação de tratamento da Rio-Águas, parte da prefeitura do Rio.
Em primeiro lugar, joga-se um coagulador que vai aglutinar as partículas sólidas de sujeira. Em seguida são injetadas bolhas de ar na água, que vão aderir às bolotas de sujeira e fazê-las flutuar. Então, esse grosso é retirado.
Por fim, é adicionado cloro e a água é bombeada para dentro do piscinão, a uma vazão de 100 litros por segundo. Ao mesmo tempo, o mesmo volume de água está saindo do Piscinão e sendo despejado de volta à baía.
“Assim, continuamente, a cada dez dias, toda a água acaba sendo trocada por nova”, diz o presidente da fundação, Claudio Dutra.
Uma coisa que ninguém vê é a manta impermeável que passa por baixo de todo o lago. “É um tipo de borracha que não deixa a água ir embora e nem que seja contaminada por lençóis que tenham água da baía”, conta Dutra. A manta fica 50 cm abaixo da areia onde os banhistas pisam. A profundidade máxima é de 1,40 m.
Carlos Rocha passa com quatro gaiolas de pássaros nas mãos. Mas ele não está vendendo; está levando os pets para passear. “Todo sábado e domingo eu venho passear com meus passarinhos. Tem uma turma de coroas e de gente nova que também gosta, a gente se encontra aqui. Hoje o Piscinão é um lazer, não tem mais bandido, a gente pode passear com a família, com os filhos.”
Ele se refere ao fato de que, na época de sua abertura, a região era controlada pela gangue de tráfico Terceiro Comando. Por causa da rivalidade com o Comando Vermelho, os chefões do crime baixaram no Piscinão uma lei cromática: ninguém podia usar roupa de banho vermelha.
Hoje isso é passado, como prova a comerciante Cleide Milfont, conhecida como a Madonna do Piscinão. No dia em que a reportagem esteve lá, ela usava camiseta vermelha na boa.
Outro vendedor-símbolo do local é o Belo do Piscinão de Ramos, que vende aos finais de semana os artesanatos que prepara nos dias úteis. Seu nome é Jatan Jerônimo e ganhou o apelido por descolorir o cabelo e cortá-lo curto como o do pagodeiro.
Nem sempre foi o Belo, ele explica. “Quando cheguei, há 16 anos, eu vinha da Ilha de Paquetá. Lá eu tinha rastafári até a cintura e era o Bob Marley.”
Ele vende espelhos com Iemanjá, brincos, porta essência e até uma faca decorada. Tira uns R$ 300, R$ 400, em média, por dia. “Meu Natal está todo aqui.”
Belo se orgulha de usar sunga. “Só eu uso sunga no Piscinão”, aumenta ele. E por quê? “Tenho que mostrar que está verão”, afirma.
Casado dez vezes, ele anda completamente apaixonado por sua décima (“e última”) esposa, com quem está há dois anos.
“Rose Cristina é a mulher da minha vida”, garante. “Só de falar nela, já estou sentindo saudades. Pensando bem, vou embora agora mesmo. Estou com saudades da Rose Cristina”, diz. E vai.
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