A autora bell hooks nos convida a enxergar a margem como um espaço de abertura. Ela é marcada pela sua criatividade e pelas suas possibilidades.
Estar na margem é fazer parte do todo, mas fora do corpo principal. No centro, “poderíamos trabalhar como empregadas domésticas, como zeladores”, mas sempre precisávamos voltar à margem.
A produção oriunda da margem é portanto altamente corrosiva às fronteiras. A cultura do baile funk é uma dessas fendas, que cria, reinventa, permite a emergência que segue de uma margem para o centro, mas que é sempre lembrada do seu retorno.
Na madrugada de domingo (1º), a PM paulista matou nove jovens de entre 14 e 23 anos em Paraisópolis. Foi um massacre transmitido pelos smartphones da vizinhança.
Muitas publicações dos últimos dias nos lembraram que a polícia não agiria assim nas festas universitárias, nos bairros nobres, nas raves, em espaços de sociabilidade frequentados pelas pessoas do centro. Fato. Mas o que cria as condições dessa mesma polícia agir assim na repressão aos bailes funk, paredões e outras expressões da margem? O racismo.
O que serve de discurso legitimador? A guerra às drogas.
Esse grau de violência encontra par em outras temporalidades do racismo no Brasil. Ele revela continuidades, mas também atualizações. Nos permite observar a coexistência de experiências vividas em diferentes temporalidades sob a ótica do racismo e da violência racial.
O racismo é a tecnologia destinada a permitir o exercício do necropoder, o “direito do Estado de matar”. E um dos mecanismos que permite a extensão de sua vitalidade é produzir silenciamentos.
Discursos que reduzem bailes a tráfico de drogas ignoram a cadeia produtiva mobilizada; destituem a subjetividade dos jovens; ignoram a movimentação nos salões para dar um tapa no visual; ignoram o corre da semana que a juventude faz para ter dinheiro e se divertir no baile.
Diferente dos governos, empresas do mercado de bebidas identificam potencial econômico nesses eventos, chegando a desenvolver produtos com alto teor alcoólico (13,9%) e com personagens famosos do funk brasileiro como garotos-propaganda para alcançar o público jovem entrante.
Mas parece que discutir a principal droga consumida no Brasil não está no horizonte, porque é mais fácil usar da proibição de algumas para seguir em curso com o projeto racista que constitui o DNA brasileiro.
Dudu Ribeiro e Nathalia Oliveira
Cofundadores da Iniciativa Negra por Uma Nova Política Sobre Drogas
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.