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Dudu Ribeiro e Nathalia Oliveira

Discurso racista reduz baile funk a tráfico de drogas

Baile funk é uma das fendas que cria e permite a emergência que segue da margem para o centro

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A autora bell hooks nos convida a enxergar a margem como um espaço de abertura. Ela é marcada pela sua criatividade e pelas suas possibilidades.

Estar na margem é fazer parte do todo, mas fora do corpo principal. No centro, “poderíamos trabalhar como empregadas domésticas, como zeladores”, mas sempre precisávamos voltar à margem. 

A produção oriunda da margem é portanto altamente corrosiva às fronteiras. A cultura do baile funk é uma dessas fendas, que cria, reinventa, permite a emergência que segue de uma margem para o centro, mas que é sempre lembrada do seu retorno.

Na madrugada de domingo (1º), a PM paulista matou nove jovens de entre 14 e 23 anos em Paraisópolis. Foi um massacre transmitido pelos smartphones da vizinhança.

Muitas publicações dos últimos dias nos lembraram que a polícia não agiria assim nas festas universitárias, nos bairros nobres, nas raves, em espaços de sociabilidade frequentados pelas pessoas do centro. Fato. Mas o que cria as condições dessa mesma polícia agir assim na repressão aos bailes funk, paredões e outras expressões da margem? O racismo

O que serve de discurso legitimador? A guerra às drogas.

Esse grau de violência encontra par em outras temporalidades do racismo no Brasil. Ele revela continuidades, mas também atualizações. Nos permite observar a coexistência de experiências vividas em diferentes temporalidades sob a ótica do racismo e da violência racial. 

O racismo é a tecnologia destinada a permitir o exercício do necropoder, o “direito do Estado de matar”. E um dos mecanismos que permite a extensão de sua vitalidade é produzir silenciamentos.

Discursos que reduzem bailes a tráfico de drogas ignoram a cadeia produtiva mobilizada; destituem a subjetividade dos jovens; ignoram a movimentação nos salões para dar um tapa no visual; ignoram o corre da semana que a juventude faz para ter dinheiro e se divertir no baile.

Diferente dos governos, empresas do mercado de bebidas identificam potencial econômico nesses eventos, chegando a desenvolver produtos com alto teor alcoólico (13,9%) e com personagens famosos do funk brasileiro como garotos-propaganda para alcançar o público jovem entrante.

Mas parece que discutir a principal droga consumida no Brasil não está no horizonte, porque é mais fácil usar da proibição de algumas para seguir em curso com o projeto racista que constitui o DNA brasileiro.

Dudu Ribeiro e Nathalia Oliveira
Cofundadores da Iniciativa Negra por Uma Nova Política Sobre Drogas

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