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Em casos como o de Paraisópolis, é preciso dissecar versões conflitantes dos fatos

Repórteres relatam como foi cobrir o episódio ocorrido na favela em 1º de dezembro

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Artur Rodrigues, da Folha Laíssa Barros, do Agora
São Paulo

A cobertura de grandes casos de polícia lembra um pouco as histórias de detetive, em que várias versões diferentes se chocam. É preciso dissecá-las para buscar evidências do que aconteceu de fato.

No caso das mortes de nove jovens em Paraisópolis, durante o baile funk de rua mais famoso da cidade, já tínhamos a versão da polícia pouco tempo depois do fato. Cabia a nós agora ir às ruas ouvir as pessoas envolvidas e familiares e ver de perto o cenário da tragédia.

Enquanto nos deslocamos da Redação para procurar essas pessoas, recebemos diversos vídeos e fotos que mostravam cenas de abusos policiais na madrugada do domingo (1º), em uma ação diferente da mera tentativa de dispersar a multidão do baile, como dito pelas autoridades.

As imagens mostravam correria, bombas, sangue, policiais agredindo jovens, pessoas caídas e até mortos. Além de delicados e chocantes, conteúdos assim podem ser enganosos em casos como este, uma vez que é preciso checar se haviam se passado no local e momento do fato. 

No entanto, na porta do Hospital Campo Limpo, para onde foram levados os mortos e feridos, familiares e jovens cheios de hematomas nos relataram que a situação toda foi uma emboscada e que os vídeos eram mesmo daquela madrugada em Paraisópolis.

Feridos que estavam no meio da multidão contaram que foram encurralados pela polícia, que disparou balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo nas pessoas.

Mesmo assustados e com medo, eles queriam contar sua versão na tentativa de demonstrar que o que havia sido dito pelos policiais não era verdade. Além de nos mostrarem os machucados, pontos, cortes e partes do corpo fraturadas, detalharam a confusão, onde viveram momentos de pânico e desespero.

Na porta dos IMLs da cidade, conversamos com familiares que tentavam encontrar informações sobre as vítimas fatais. Muito emocionados, eles nos mostravam as roupas que os mortos vestiam e contavam como encontraram os corpos, que, segundo eles, não demonstravam que tinham sido pisoteadas.

Certamente, essa foi das partes mais complicadas da reportagem. Conversar com familiares em uma situação como essa não é nada fácil, mesmo quando eles estão dispostos a falar o que sentem e viveram.

Um dos momentos mais impactantes foi encontrar, tarde da noite, na última ronda de IMLs, com a mãe de Gustavo Cruz Xavier, 14 anos, o mais jovem do mortos, e estar ao lado dela quando confirmaram a morte dele.

Desesperada, ela não conseguia entender como acabou indo parar no IML e vendo seu filho morto tão prematuramente. Nessa hora, só conseguimos tentar consolá-la e, mais tarde, descrever a situação. Não havia como fazer perguntas a ela. 

Também fomos para o cenário da tragédia. Paraisópolis é uma favela atípica, bastante urbanizada, onde há bancos e até Casas Bahia. No entanto, o jeitão de bairro comum não elimina certas dificuldades, como conseguir um carro usando aplicativos de carona —ao notar que se trata de uma favela, é comum motoristas cancelarem a corrida. Para sair de lá, é mais fácil caminhar até o lado de fora.

Ao chegar à favela, vários moradores aguardavam nas ruas para contar sua versão. Eles haviam até pintado no asfalto mensagens pedindo justiça. Embora o assunto fosse a principal notícia do dia, nós éramos os únicos por ali no meio da tarde. Vários se aglomeraram em volta da reportagem para mostrar cicatrizes de tiros de balas de borracha, contar suas histórias e compartilhar vídeos que haviam feito.

Com eles, fomos até a viela onde os jovens morreram sob suspeita de pisoteamento. Era tudo muito estreito, e fácil prever que dispersar uma multidão deixando apenas vielas como aquela para a fuga era uma coisa muito arriscada.

Embora o baile funk incomode parte dos moradores, naquele momento mesmo as pessoas que tinham a noite de sono interrompida pela festa barulhenta pareciam concordar que o importante era denunciar a violência policial que, diziam, não era de hoje.

À noite, enquanto as ruas de Paraisópolis eram tomadas por uma multidão que protestava, escrevíamos o resumo do fato que se tornaria a maior crise do primeiro ano do governador João Doria (PSDB).

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