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Em crise, prefeitura do Rio suspende pagamentos

Medida tem como objetivo ajustar o caixa; gestão Crivella afirma que suspensão é pontual

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São Paulo e Rio de Janeiro

A crise fiscal da Prefeitura do Rio de Janeiro ganhou novo capítulo nesta terça-feira (17), com a publicação no Diário Oficial de uma resolução que determina a suspensão de todos os pagamentos e movimentações financeiras da administração.

A resolução foi assinada pelo secretário municipal da Fazenda, Cesar Augusto Barbiero, e já estava em curso desde as 14h de segunda (16).

Segundo comunicado da prefeitura, o objetivo da medida é ajustar o caixa municipal em razão dos “arrestos determinados pela Justiça do Trabalho para pagamento de salários atrasados de funcionários terceirizados da saúde municipal”.

A gestão do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) informou, ainda, que a suspensão dos repasses é “pontual e pode ser revertida a qualquer momento”.

Profissionais da saúde do município do Rio protestam em frente à Justiça do Trabalho, no centro da capital
Profissionais da saúde do município do Rio protestam em frente à Justiça do Trabalho, no centro da capital - Tomaz Silva - 11.dez.19/Agência Brasil

Com a determinação, estão em risco o pagamento dos duodécimos (repasses) da Câmara Municipal e do TCM (Tribunal de Contas Municipal), previstos para quinta-feira (19), a folha de pagamento de dezembro e as férias dos servidores da Educação, ambas previstas para o dia 8 de janeiro.

Barbiero confirmou ao jornal O Globo que a segunda parcela do 13° dos servidores municipais também está suspensa.

O presidente da Câmara, Jorge Felippe (MDB), convocou os vereadores para uma reunião com o secretário nesta quinta-feira (19). O objetivo é discutir a atual situação do fluxo de caixa da Prefeitura do Rio e seus compromissos pendentes.

Em nota, o Sindicato dos Servidores Públicos do Rio afirma que, diante do recesso forense, estuda medidas jurídicas que deverão ser adotadas. 

"Essa manobra, por meio de resolução, foi gerada justamente para impedir novos arrestos nas contas do erário. Estamos analisando a melhor forma de atuar em defesa dos servidores, sem prejudicar a população", diz o texto.

O Sisep também afirma que tem esperança de que o governo federal socorra a Prefeitura.

Em evento com jornalistas, o governador Wilson Witzel (PSC) afirmou que, como o estado aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal, não poderá emprestar dinheiro ao município. Ele também disse que é preciso avaliar o tamanho da crise e a necessidade de ajuda e sugeriu que, dependendo da gravidade da situação, o município também poderia aderir ao regime.

A suspensão dos pagamentos é o mais grave sintoma de uma crise fiscal que a gestão Crivella já vinha enfrentando, especialmente nos últimos meses. Desde terça-feira (10), servidores da saúde estão em greve em função do atraso no pagamento dos salários. Alguns não recebem desde outubro.

Na última sexta-feira (13), o governo federal socorreu a Prefeitura e assinou um acordo que garante o repasse de R$ 152 milhões para a saúde do município.

O acordo foi firmado após viagem de Crivella a Brasília na semana passada, quando o prefeito encontrou-se com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para tentar angariar recursos emergenciais para a saúde. 

Segundo o Ministério da Saúde, o socorro partiu de uma orientação de Bolsonaro, após apelo do prefeito. Depois do encontro, o presidente disse que Crivella estava "com a corda no pescoço".

Na quinta-feira (12), em audiência de conciliação com funcionários terceirizados, a Justiça havia determinado o bloqueio de R$ 300 milhões em uma conta do município, para o pagamento dos salários atrasados. 

Também foi determinado que os trabalhadores retomassem a prestação de serviços após a normalização do pagamento.

A Procuradoria Geral do Município entrou com um recurso no TST para que a decisão do TRT de bloquear as contas da Prefeitura seja suspensa.

No pedido, a PGM afirma que a medida causa grave lesão à ordem pública e financeiro-orçamentária do município, ameaçando o pagamento do funcionalismo e a realização de despesas mandatórias. 

O fim da greve, no entanto, está ameaçado com a nova determinação da Prefeitura. Em publicação nas redes sociais, o sindicato dos Enfermeiros do Rio afirmou que a greve só acabará quando todos os salários, benefícios e 13° forem pagos. 

O Seac (Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação) também diz que empresas do setor de prestação de serviços de limpeza estão há meses sem receber do município.

Para o consultor econômico Raul Velloso, especialista em finanças públicas, a suspensão total dos pagamentos é um "ato de desespero" da administração com o objetivo de angariar mais recursos.

"É uma suspensão total para que as pressões aflorem e comece a haver uma discussão que permita que o prefeito consiga recursos adicionais", disse à Folha.

Velloso avalia que a crise é o resultado da soma de uma má gestão com dificuldades que se repetem em escala nacional. Entre elas estariam a alta rigidez orçamentária (gastos obrigatórios), a disparada do déficit previdenciário local e a recessão observada a partir de 2015, que fez com que as receitas convencionais desabassem.

"O Rio é um lugar muito mais suscetível [à crise dos estados e municípios estourar] pela tradição de muita confusão e também por ser um lugar onde os problemas sociais estão aflorados. A área da saúde tem muitos problemas, da segurança, então começa a estourar de forma mais visível", afirmou.

Em julho deste ano, o o TCM-RJ emitiu parecer favorável à aprovação das contas da Prefeitura de 2018, mas indicou um rombo de R$ 3,25 bilhões no orçamento. O déficit aumentou em mais de 60% em relação às contas de 2017, quando o órgão identificou rombo de R$ 2 bilhões.

No parecer, o tribunal alertou para um cenário de insuficiência financeira para o pagamento das obrigações contraídas pelo município em 2017 e 2018, o que poderia resultar no descumprimento da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). 

O TCM também indicou que a despesa líquida com pessoal do Poder Executivo superou em 2018 o limite prudencial estabelecido na LRF. 

Em seu voto, o conselheiro relator Antonio Carlos Flores de Moraes associou as dificuldades na saúde à má gestão da Prefeitura.

"Se não se trata de carência de investimento na área da saúde municipal, as dificuldades podem então ser atribuídas à falta de eficiência e de eficácia do gestor para administrar o gasto público", escreveu.

Mesmo com todos os sinais de crise, o prefeito Marcelo Crivella não admite problemas graves nas finanças do município. Crivella não se manifestou sobre a suspensão dos pagamentos e sua assessoria não forneceu maiores detalhes sobre a situação fiscal da Prefeitura.

Ao longo das últimas semanas, o prefeito negou a existência da crise na saúde e comemorou o pagamento da primeira parcela do 13° salário, assim como os repasses obtidos junto à União.

Ainda que não fale da crise financeira, Crivella viu aumentar a reprovação ao seu governo quando os efeitos chegaram a serviços básicos, como a saúde pública.

Pesquisa Datafolha publicada neste domingo (15) mostrou que 72% avaliam negativamente a gestão de Crivella. Em março de 2018, esse percentual era de 61%. Em outubro de 2017, de 40%.​

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