Mesmo com a liberação do pagamento dos salários atrasados dos funcionários da saúde nesta sexta-feira (13), a crise nas unidades municipais do Rio deve continuar por pelo menos mais uma semana, diante da demanda reprimida, segundo servidores dos locais afetados.
"Tenho uma consulta marcada para o dia 17, mas me avisaram para ligar antes. Não garantiram o atendimento", contou Priscila de Jesus, 28, grávida de seis meses, que esteve na manhã desta sexta na clínica da Família Dr. Felippe Cardoso, na Penha, zona norte.
Ela procurou a unidade para fazer a esperada ultrassonografia, mas continua sem saber o sexo e as condições do bebê. "Vou ter que pagar pelo exame", lamentou.
O atendimento prestado no local, e nas demais clínicas, está praticamente suspenso desde a terça-feira (10).
Nesta quinta, o TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 1ª Região determinou novo bloqueio judicial em conta do município do Rio, no valor de R$ 300 milhões, visando o pagamento de salários atrasados e do 13° de profissionais da saúde.
A gestão Crivella quitou nesta sexta o valor atrasado às OSs (Organizações Sociais), que estão depositando os salários na conta bancária dos funcionários. Nem todos, porém, suspenderam a paralisação.
Apesar de não serem unidades de urgência, essas unidades prestam serviço primário fundamental para que os casos não se agravem e os pacientes não tenham que ir parar em hospitais. Por conta dessa demanda não atendida, o próprio Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj) acredita que a situação nos próximos dias ainda possa se agravar como reflexo da greve.
"O Cremerj acredita que pode haver um colapso na assistência ainda mais grave caso o atendimento em toda a rede, principalmente na atenção primária, não seja normalizado em pouco tempo. As Clínicas da Família têm um papel fundamental no tratamento de pacientes com doenças crônicas, que acabam superlotando as emergências por conta da falta de atendimento”, declarou o presidente da entidade, Sylvio Provenzano.
Na Dr. Felippe Cardoso, uma aposentada de 56 anos que se identificou apenas como Ana procurou pelo remédio para o tratamento da epilepsia e não conseguiu levá-lo para casa. "Sofro de crises convulsivas e não posso ficar sem o medicamento", lamentou a paciente.
Outro caso de prevenção que não foi resolvido foi o do vigilante Jonas de Lima, 39, que sofreu uma crise hipertensa na quinta-feira, 12. Ele foi encaminhado para acompanhamento na clínica, mas não conseguiu ver sequer a cara do médico. "Minha pressão foi a 25 por 19 e o medicamento que recebi na urgência está acabando. Precisava de uma avaliação médica. Sei que é uma covardia ficar sem receber o salário, mas a população é que é prejudicada", afirmou Lima.
A auxiliar de serviços gerais Angelita de Oliveira Araújo, 53, teme pela perda de regularidade do calendário de vacinação da neta Isabelle, de 1 ano e 3 meses.
O procedimento não foi realizado por conta da paralisação. "Disseram para procurar um posto de saúde em Olaria, mas temo não conseguir porque estão encaminhando todos para lá. Eu tive que sair mais cedo do trabalho para trazer a menina aqui e vou ter que correr para outro lugar", disse Araújo.
Os funcionários da clínica disseram que não poderiam dar entrevista, mas afirmaram que não havia previsão de quando o atendimento seria normalizado. Segundo alguns profissionais, mesmo que a greve acabe até a segunda-feira a semana que vem ainda será de transtornos.
Um reflexo da crise na rede pôde ser percebido na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Manguinhos, também na zona norte. A unidade estava lotada nesta sexta-feira, com muitos pacientes vindos de outros postos. O aposentado Valmir Santos Silva, 69, desistiu depois de avaliar o longo tempo de espera. "Estive antes em duas clínicas da família e não consegui ser atendido. Sou hipertenso e diabético e me senti mal, mas prefiro ir para casa", desabafa Silva.
A atendente Flávia da Mota, 35, também procurou a UPA e desistiu do atendimento. "Estou tossindo muito e com suspeita de pneumonia, mas prefiro tentar o Getúlio Vargas [hospital da rede estadual]. Tem mais de 40 pessoas na minha frente e um único médico", afirmou ela.
Guilherme da Silva, 25, que trabalha como descarregador, esperou cinco horas, mas foi atendido no local. "Estive antes na Clínica da Família de Inhaúma e no PAM de Del Castilho e não tive atendimento. Não aguentava mais de dor e preferi aguardar aqui mesmo."
A Secretaria Municipal de Saúde não se pronunciou sobre os reflexos da paralisação nem deu prazo para o fim da crise. Em nota, afirmou, sobre os pagamentos dos agentes comunitários de saúde e técnicos de enfermagem, que "todas as OSs [organizações sociais] já receberam o repasse e os salários estão sendo pagos ao longo do dia".
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