Lei dará isenção fiscal em troca de investimentos e eventos culturais à periferia de SP

Projeto prevê descentralizar atividades e criar alternativas em áreas afastadas do centro

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São Paulo

Impulsionado pela gestão Bruno Covas (PSDB) no início de 2019 no vácuo deixado pelas mudanças que o governo federal fez na lei Rouanet, o Programa Municipal de Apoio a Projetos Culturais (Pro-Mac) terá nova fórmula no próximo ano, com o objetivo de levar apoio a projetos artísticos na periferia.

Conhecido como “Lei Rouanet de São Paulo” por também ser um programa de renúncia fiscal, o Pro-Mac permite o direcionamento de até 20% do IPTU e do ISS para iniciativas culturais na capital.

Em 2019, os R$ 15 milhões estabelecidos como teto pela gestão Bruno Covas (PSDB) foram plenamente executados. No ano que vem, o valor será dobrado, ou seja, projetos serão financiados até que o total investido pelas empresas chegue a R$ 30 milhões.

O Pro-Mac é a reestruturação da Lei Mendonça, criada em 1990 pela prefeita Luiza Erundina. Em 2013, o programa foi normatizado pela gestão de Fernando Haddad e, em dezembro de 2017, regulamentado na gestão de João Doria. Em 1997, a Lei Mendonça teve teto de R$ 130 milhões, em valor corrigido pelo IPCA. 

A prefeitura detalhará a nova fórmula do Pro-Mac em edital a ser publicado em janeiro. Os distritos da cidade foram divididos em três faixas a partir da dimensão de Educação do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal.

Caso apoiem projetos culturais nos locais com os mais baixos valores desse IDHM-E, calculado a partir da escolaridade da população adulta da região e do fluxo escolar da população jovem (média de crianças e jovens frequentando a escola em diferentes etapas), as empresas terão isenção fiscal total dentro de um limite estabelecido.

A renúncia está limitada ao teto de 20% dos impostos. Ou seja, caso tenha de pagar R$ 100 mil de IPTU ou ISS, uma empresa pode investir até R$ 20 mil do imposto em projetos culturais, por exemplo. Um projeto nos distritos faixa 1 (mais baixos índices IDHM-E) converterá os R$ 20 mil nele investidos em pagamento do imposto, nesse caso.

As outras duas faixas oferecem renúncia fiscal de 85% e de 70% do valor máximo (no exemplo dado, até R$ 17 mil e R$ 14 mil, respectivamente). Para as empresas, a vantagem está em transformar os impostos que seriam pagos de qualquer forma em eventos que lhes renda exposição de marca.
 

Crianças participam de atividade do projeto Bike Arte Gira em São Miguel Paulista, na zona leste de SP
Crianças participam de atividade do projeto Bike Arte Gira em São Miguel Paulista, na zona leste de SP - Carolina Santaella/Divulgação

Na faixa 1, mais de 50% da população pertence às parcelas baixa e média do IDHM-E. Na faixa 2, de 10% a 49% da população se encaixa nos grupos mais vulneráveis do índice. Por fim, na faixa 3, correspondente a áreas com alta concentração de oferta educacional e cultural, 9% ou menos dos habitantes fazem parte das faixas baixas e médias do IDHM-E.

Para que um projeto se encaixe na faixa 1 ele não precisa realizar todas as suas atividades nesses distritos, mas ao menos 51% delas.

Bairros de regiões extremas nas zonas sul, leste e norte estão na faixa 1, como Marsilac, Parelheiros, São Mateus, São Rafael, Brasilândia e Perus.

Bairros mais centrais, como Vila Mariana, Consolação, Itaim Bibi e Jardim Paulista fazem parte da faixa 3. Na faixa 2 estão Ipiranga, Cambuci, Itaquera, Jabaquara, entre outros.
 

Em 2019, do total de 500 proponentes, apenas 4,5% tinham sede em bairros periféricos. Dos 67 projetos que captaram recursos via Pro-Mac, apenas 16% propunham a realização de atividades na periferia.

A ideia da atual gestão agora é conduzir um processo de diversificação dos espaços de produção e de recepção.

"O novo Pro-Mac foi pensado para democratizar e descentralizar a política cultural", diz Alê Youssef, secretário de Cultura.

"Estamos chamando o mercado no processo de busca para combater as desigualdades da cidade. O mercado na periferia tem muito público, assim como no centro. Temos uma periferia muito populosa. Temos que mostrar para o mercado que é do interesse dele ativar as marcas e viabilizar eventos periféricos, e não apenas no centro", completa.

O Bike Arte Gira, projeto que visa incentivar o uso da bicicleta por meio de festivais e oficinas, foi um dos que apresentou propostas para a periferia, ainda que não tenha sua sede lá. Por meio do Pro-Mac,  conseguiu captar R$ 490 mil da Uber para promover suas atividades entre 2019 e 2020.

Realizado desde 2012 pela instituição Aromeiazero, o Bike Arte Gira terá cinco edições realizadas com apoio do Pro-Mac em regiões com poucos equipamentos culturais na cidade. Duas delas, em São Miguel Paulista e Heliópolis, já aconteceram, e no ano que vem o festival estará no Glicério (centro), no Jaguaré (zona oeste) e no Parque Novo Mundo (zona norte).

Murilo Casagrande, sócio-fundador da Aromeiazero, vê nas mudanças promovidas na lei o potencial de dinamizar a produção cultural na cidade.

"Se não acontece a mudança nas leis as produtoras culturais só vão querer o parque Villa Lobos e o parque Ibirapuera, que já têm exposição e um público cativo. Temos que obrigar as empresas a desfazerem a ideia de que as favelas são muito perigosas e não se pode investir nelas. Dá para fazer projetos na periferia gerando impacto, com interesse da população local nas empresas que patrocinam", diz.​ 

O Bike Arte Gira recebe demandas de oficinas culturais dos moradores dos locais em que farão o festival e buscam profissionais para oferecê-las. A partir daí, aponta Casagrande, inicia-se um possível novo foco de criação.

"Uma dupla de moradores de São Miguel, depois de fazer a oficina, começou a ter trabalho ali, a fazer cobertura de eventos, e percebeu que o trabalho deles têm impacto na saúde física e no reconhecimento que eles têm dos moradores", diz.

Outra mudança proposta pelo novo formato do Pro-Mac é a uniformização dos tetos das diferentes linhas de incentivo. Anteriormente, áreas mais clássicas, como teatro e música, tinham limites de incentivo mais altos do que produções consideradas experimentais.

Em 2020, todos os projetos poderão captar até R$ 600 mil, sejam eles peças teatrais ou os chamados projetos especiais (experimentações, primeiras obras, resgastes de modos de produção, entre outros).

Trata-se de uma tentativa de não hierarquizar as manifestações culturais e de dar mais abertura a projetos que explorem diversas linguagens —chamados "transmidiáticos"—, argumenta Youssef.

"Às vezes a gente não consegue ter a dimensão do impacto que as pequenas mudanças terão na ponta. Essa alteração do teto estimula a transversalidade das linguagens porque faz com que os proponentes fiquem mais livres para escolher a linguagem em que vão inscrever os projetos", explica Paula Rocha, analista de políticas públicas da prefeitura e coordenadora do Pro-Mac.

"Projetos mais vanguardistas, por exemplo, que exploravam diversas linguagens, tinham R$ 50 mil de teto. Agora, com o teto de R$ 600 mil, eles terão mais possibilidades de trabalhar com artes integradas, não precisarão se restringir a um limite baixo ou a uma linha como teatro, música, dança", completa.

Após a publicação do edital, a prefeitura receberá a inscrição de projetos culturais de janeiro a abril. Nesse período, uma comissão da secretaria de Cultura analisará e aprovará (ou reprovará) os projetos.

À medida que seus projetos forem aprovados, os proponentes poderão buscar empresas interessadas em apoiá-los. A próxima etapa será, então, formalizar o processo via internet, em canal aberto pela secretaria de Cultura em http://smcsistemas.prefeitura.sp.gov.br/promac/.

A lista dos distritos e suas faixas

Faixa 1

Bom Retiro
Brás
Brasilândia
Campo Limpo
Capão Redondo
Cidade Ademar
Cidade Tiradentes
Grajaú
Iguatemi
Itaim Paulista
Jaraguá
Jardim Ângela
Jardim Helena
Lajeado
Marsilac
Parelheiros
Pedreira
Perus
São Mateus
São Rafael
Sapopemba
Tremembé
Vila Andrade
Vila Curuçá
Vila Maria
Vila Medeiros

Faixa 2
Anhanguera
Barra Funda
Cachoeirinha
Cambuci
Cangaíba
Casa Verde
Cidade Dutra
Cidade Líder
Cursino
Ermelino Matarazzo
Guaianases
Ipiranga
Itaquera
Jabaquara
Jaçanã
Jaguaré
Jardim São Luís
José Bonifácio
Limão
Mandaqui
Morumbi
Pari
Parque do Carmo
Pirituba
Raposo Tavares
República
Rio Pequeno
Sacomã
São Domingos
São Miguel

Vila Jacuí
Vila Prudente
Vila Sônia
 

Faixa 3

Água Rasa
Alto de Pinheiros
Aricanduva
Artur Alvim
Bela Vista
Belém
Butantã
Campo Belo
Campo Grande
Carrão
Consolação
Freguesia do Ó
Itaim Bibi
Jaguara
Jardim Paulista
Lapa
Liberdade
Moema
Moóca
Penha
Perdizes
Pinheiros
Ponte Rasa
Santa Cecília
Santana
Santo Amaro
São Lucas
Saúde
Socorro
Tatuapé
Tucuruvi
Vila Formosa
Vila Guilherme
Vila Leopoldina
Vila Mariana
Vila Matilde
 

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