Mega-Sena da virada lota lotéricas em São Paulo e alimenta sonhos e expectativas

Mas, segundo matemático, chance de morrer atropelado em SP é 50 mil vezes maior do que a de ganhar

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Roberto de OIiveira Phillippe Watanabe
São Paulo

Pela primeira vez em 52 anos, a funcionária pública Jaqueline Barros resolveu depositar suas esperanças em um volante da Mega-Sena. Para isso, fez uma combinação de números relacionados ao dia e ao ano em que começou a trabalhar como funcionária pública e a numeração do prédio onde bate cartão diariamente.

Tal cruzamento deu origem aos seis números assinalados em apenas uma cartela. Pronto! A sorte está lançada.

Na verdade, não estava. Enquanto selecionava os números para a aposta, o sistema de registro da lotérica Gaiola Dourada, no centro histórico de São Paulo, entrou em pane, na tarde desta sexta-feira (27). Ali, não era mais possível.

Jaqueline teve, então, que percorrer mais três quadras sob um céu ensolarado e temperatura na casa dos 27ºC, para assim conseguir estrear, nas palavras dela, “com o pé direito na Mega-Sena 2019”. 

Motivos não faltam. Primeiro, o concurso da Virada pode pagar R$ 300 milhões para quem acertar as seis dezenas. Segundo, Jaqueline pretende pegar o dinheiro do prêmio —caso ganhe, é claro— e ajudar uma amiga que está em coma. “Não importa o valor. O que vier será bom para mim e será bom para ela”, disse.

A amiga de Jaqueline está em coma nos EUA após ser diagnosticada com pneumonia. A família busca meios de trazê-la de volta ao Brasil após ela passar mal e ser internada em um hospital americano durante uma viagem de férias que duraria apenas 15 dias, conta Jaqueline, emocionada.

Indagada sobre quais seriam os números assinalados, a funcionária pública preferiu mantê-los em segredo. “Vai que você aposta nos mesmos.”

A chance de acertar os seis números com uma aposta básica, como a feita por Jaqueline (de seis números e R$ 4,50), é de 1 em 50 milhões. Já as com mais números vai aumentando, até chegar a 1 em 10 mil, com 15 números jogados a um valor total de R$ 22.522,50 gastos.

“A chance de você ser atropelado e morrer em São Paulo é 50 mil vezes maior do que a de ganhar na loteria”, explica Roberto Imbuzeiro, especialista em probabilidades do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada).

“Se alguém vier lhe dizer que há um jeito de ganhar mais fácil na Mega-Sena, dê um tapa no ombro do sujeito, dê-lhe parabéns e recomende que ele fique rico usando o próprio método”, brinca o especialista do Impa.

Se já é difícil ganhar, na Mega-Sena da Virada, considerando o tanto de gente que tenta a sorte, deve ser mais ainda, certo? Na verdade, o número de pessoas não faz diferença nas suas chances de vitória, ainda de acordo com o especialista. Muda, contudo, a possibilidade de ganhar o prêmio sozinho, que fica menor quanto mais apostadores há.

“Quando você faz sua aposta, o que define se você vai ganhar ou não é uma disputa de você contra o sorteio, você contra a Mega-Sena”, continua ainda o especialista.

Há 13 anos, a secretária Gisella Amorin, 37, moradora de Higienópolis, região central de São Paulo, repete a aposta na mesma sequência de 18 números, adicionados a uma combinação de datas especiais, como aniversários de familiares, e faz suas apostas em diferentes volantes.

“Não desisto”, diz ela, sorrindo. “Vai que um dia dá certo. O fim de ano alimenta uma certa esperança na gente. Está aí a Mega-Sena bem gordinha para reforçar essa crença e não me deixar mentir”, brinca. Conta que viu o filme “Coringa” no fim de semana passado.

“Sonhei com as placas dos carros que aparecem no filme. Acordei desesperada. Fui anotando o que vinha na minha mente no bloco de notas do celular. Assim, criei uma nova rodada de números a partir deste ano.”

Como se vê, cada um tem suas inspirações. Há aqueles que simplesmente entram na lotérica e pagam pelo jogo pronto. “Não quero e nunca gosto de ver os números em que estou apostando. Só olho quando sai o resultado”, afirma o garçom Francenildo Lopes da Silva, 31, ao sair de uma lotérica lotada, na Barra Funda, zona oeste da capital.

Entrar no bolão da empresa pode ser uma opção para aumentar as chances, mas “as possibilidades de acertar os números são realmente pequenas”, diz Imbuzeiro. 

Era exatamente esse o plano do haitiano France Etien, 29, que sonhava em participar do bolão da firma antes de ser dispensado. Há cinco anos no Brasil, ele gosta de fazer as suas apostas sempre que pinta um dinheirinho extra. “Nem precisa ser tudo isso”, diz ele, com o sotaque carregado, referindo-se aos R$ 300 milhões. 

Para Etien, “ninguém nunca sabe de onde a sorte virá”. Imaginar, porém, o que faria com o dinheiro, isso está na ponta da língua: “A gente sonha com coisa bem simples. Não consigo imaginar tanto dinheiro assim, mas penso que num prêmio suficiente para eu comprar um apartamento e fugir do aluguel”.

Se sobrasse algum dinheiro, continua o haitiano, compraria dólares. Quem sabe até um outro imóvel, talvez à beira-mar ou no alto do frescor das montanhas. “Dizem que as praias do Brasil são lindas.”

Na avaliação de especialistas, a dica é buscar diversificar os investimentos. Perfis mais conservadores provavelmente pensam direto na poupança, afinal, os R$ 300 milhões estimados do prêmio (considerando que alguém ganhe tudo sozinho, e sem descontar os impostos) devem render mais ou menos R$ 780 mil por mês.

De acordo a Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade), com a Selic a 4,5% (seu patamar atual), a poupança pode render 3,15% ao ano e 0,26% ao mês.

Isso quer dizer que sua nova fortuna na poupança poderia render aproximadamente R$ 10 milhões ao ano.
Parece ótimo —pelo menos para quem não é milionário. Mas entram na equação alguns outros pontos que precisam ser levados em conta.

Especialistas têm apontado que os rendimentos da poupança devem render menos do que a inflação oficial em 2020. Traduzindo: o dinheiro na poupança perderia valor.

“Gente, não dá para pensar em sair por aí torrando tudo de uma vez, não é mesmo?”, questiona a advogada Gilzanna Farias, 31, durante sua aposta, numa casa lotérica de Santa Cecília, região central de São Paulo. “

Historicamente, sempre se pensa na poupança como sinônimo de poupar, guardar. Isso, desde os tempos dos nossos avós. Só que hoje existem outras opções de fazer esse dinheiro girar. Nem todo mundo, porém, está sujeito a correr riscos”, pondera. “Eu não.” 

CDBs (Certificados de Depósito Bancário), CRIs (Certificado de Recebíveis Imobiliários), CRAs (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) e fundos de crédito privado são outras opções que compõem o cardápio, assim como os Fundos de Investimento em Ações. Fique tranquilo, com tanto dinheiro assim, não só o gerente do seu banco irá assediá-lo.

Em tempo: o sorteio da Mega-Sena será realizado na próxima terça-feira (31), às 20h, em São Paulo. O(s) felizardo(s) —estes, sim— terão motivo de sobra para se esbaldar de virada. 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.