Seis capitais brasileiras batem meta de redução de mortes no trânsito

Radares, bafômetro e ação conjunta explicam sucesso; prazo da ONU é 2020

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São Paulo

O ano de 2020 é o último para que as cidades brasileiras (e o país) reduzam em 50% o número de mortes no trânsito. A meta foi pactuada junto à ONU e leva em conta o período de 2011 a 2020.

Levantamento inédito da Folha mostra que em 2018 seis capitais (Rio Branco, Salvador, Belo Horizonte, Aracaju, Curitiba e Porto Alegre) se adiantaram e atingiram o objetivo. 

O Distrito Federal e outras cinco capitais (Recife, Fortaleza, São Paulo, Belém e Campo Grande) também tiveram boa redução e, mantido o ritmo, alcançarão a meta em 2020. 

Por outro lado, cidades como Palmas e Florianópolis viram seu trânsito matar mais.

As cidades com melhores indicadores têm em comum a ação integrada entre prefeituras, estado e governo federal, além da elaboração constante de relatórios estatísticos que norteiam políticas públicas que salvam vidas no asfalto. 

Segundo dados do SUS, cerca de 36 mil pessoas morrem por ano no trânsito no país. A violência viária consome recursos da saúde pública e da previdência, além de afetar a capacidade produtiva do país. 

Trânsito na marginal Tietê na altura da ponte Júlio de Mesquita (zona norte de São Paulo)
Trânsito na marginal Tietê na altura da ponte Júlio de Mesquita (zona norte de São Paulo) - Rubens Cavallari - 13.abr.2018/Folhapress

“É sem dúvida um dos maiores problemas de saúde pública no país”, diz Antonio Meira, presidente eleito da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego). “Na Bahia, 52% das internações hospitalares são com vítimas de trânsito. São leitos, recursos e energia que poderiam ser aplicados em outros pacientes.” 

Segundo o levantamento da Folha, a capital do Acre, Rio Branco, conseguiu diminuir em 64% a letalidade do seu trânsito, chegando ao topo do ranking nesse quesito. Se em 2011 a cidade registrou 18 mortes no trânsito para cada 100 mil habitantes, em 2018 o índice passou para 6,5. 

O novo patamar colocou Rio Branco como a quarta capital no país em trânsito seguro.

Luiz Fernando Duarte, presidente do Detran do estado, cita o aumento da fiscalização da Lei Seca com o uso de bafômetros com uma das principais ferramentas de mudança. Os testes com bafômetro foram de 6.423, em 2011, para quase 42 mil em 2013. Mas em 2019 a perspectiva não é boa: no primeiro semestre, 
o batalhão efetuou 314 testes.

Creso Machado Lopes, professor Centro de Ciência da Saúde da Ufac (Universidade Federal do Acre), diz que, para ter efeito, o rigor na fiscalização tem que ser perene. “Fazer campanhas educativas e pesquisas é importante, mas, sem fiscalização, a situação não melhora. É preciso mexer no bolso de quem transgride a lei”, argumenta.

A capital com a segunda maior redução foi Salvador, cujo trânsito em 2018 foi 55% menos letal do que em 2011. 

Desde 2016, Salvador tem a menor taxa de mortes por 100 mil habitantes no trânsito, e a redução foi conseguida mesmo com aumento da frota de 31% no período. Em 2018, sua taxa foi de 3,99 —número que, segundo a OMS, equivale ao da Dinamarca. 

Na lanterna entre as capitais brasileiras está Palmas, com taxa de 18,8 mortes a cada 100 mil habitantes, desempenho semelhante ao do Líbano.

A Transalvador, autarquia vinculada à prefeitura soteropolitana, lista as medidas que teriam ajudado a diminuir a letalidade no trânsito. Entre elas, a redução de velocidades máximas em grandes avenidas, que em trechos foi de 70 km/h para 40 km/h. 

A ideia da prefeitura foi adequar a velocidade à presença de pedestres nos calçadões e praças. Assim, caiu o número de atropelamentos e a gravidade desses eventos.

Em alguns bairros, foram criadas áreas calmas, perímetros onde nenhuma via tem velocidade acima de 30 km/h ou 40 km/h. Um novo projeto inclui ciclovias, redesenho de esquinas e avanço de calçadas. A cidade também aumentou em 71% os radares.

Com a maior fiscalização, as infrações quase triplicaram de 2012 a 2016. Desde o pico em 2016, porém, a violação do limite de velocidade caiu 35%.

Para a Transalvador, é sinal de que mudou o comportamento dos motoristas.

O uso de radares está em xeque após o presidente Jair Bolsonaro ordenar a retirada dos equipamentos de rodovias federais, o que contraria pesquisas de segurança no trânsito.

Para Antonio Meira, da Abramet, outro trunfo de Salvador é o comitê que integra entidades municipais, estaduais e federais, incluindo polícias, secretarias de trânsito e saúde: “As reuniões, duas vezes ao mês, identificam pontos críticos à segurança e quais as medidas que podemos tomar para frear as mortes”. 

O compartilhamento de informações e o estabelecimento de políticas públicas conjuntas também fazem parte da receita das outras capitais que conseguiram atingir a meta: Belo Horizonte, Aracaju, Curitiba e Porto Alegre.

No fim do ranking, Palmas, com o trânsito mais inseguro entre as capitais, também viu subir a taxa de mortalidade: 27% desde 2011. A prefeitura atribui a alta ao aumento da frota e da população, de 55%, o segundo entre as capitais.

A gestão municipal diz ainda que a cidade, por ser plana, com avenidas largas e planejadas, impulsiona o desrespeito aos limites de velocidade. 

Florianópolis também teve uma década errática no trânsito. Pelos dados estaduais, a cidade registrou, em 2018, 6% mais mortes do que em 2011.

Seu secretário de mobilidade, Michel Mittmann, admite a piora, mas diz que novas medidas de segurança estão sendo implementadas e devem ter efeito benéfico no futuro. 

Para Mittmann, o objetivo agora é conferir mais espaço a pedestres e ciclistas, protegendo os mais vulneráveis no trânsito. Ele promete integrar esforços com os governos estadual e federal, já que muitas das mortes em Florianópolis ocorrem nas estradas que dão acesso ou cruzam a capital.

O levantamento da Folha identificou ainda prefeituras de capitais que nem sequer fazem acompanham sistemático do tema. É o caso de Vitória, São Luís e o Rio de Janeiro —para elas, o levantamento usou dados estaduais. 

Ao não tabularem indicadores de segurança, essas prefeituras deixam de seguir as diretrizes do projeto Vida no Trânsito, conduzido pelo Ministério da Saúde desde 2010. 

Outro problema é que nem todas as cidades tinham uma série histórica desde 2011. No caso de Macapá, a prefeitura só a iniciou em 2015. 

Em Cuiabá os dados consolidados começam em 2014, e desde então a letalidade subiu 35%. A prefeitura local também aponta a frota maior como uma das causas do salto. 

Para frear o desrespeito aos limites de velocidade, a prefeitura de Cuiabá disse ter instalado 109 radares em locais críticos em 2017. Em alguns dos pontos, as mortes acabaram. 

“O papel das prefeituras é ordenar a cidade. Alguns lugares ainda não entendem o espaço urbano como um dos fatores que influenciam a ocorrência de mortes”, diz Rafael Godoy, coordenador de dados da Iniciativa Bloomberg para Segurança no Trânsito. 

“A redução em Salvador ou Belo Horizonte não precisa ser exceção. É fruto de trabalho que pode ser replicado.”

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