Bairros são pequenas cidades para paulistanos

Moradores não saem de suas regiões para trabalhar e frequentam centrinhos locais em vez de circular por São Paulo

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São Paulo

“Nasci e cresci aqui em Itaquera, é onde eu ganho meu sustento e crio minha família. Daqui não preciso sair para nada e não trocaria por nenhum lugar”, diz o feirante Helton Otávio dos Santos, 34.

Para sua sorte, ele faz parte do grupo de moradores de São Paulo que não precisa enfrentar longos e demorados deslocamentos pela cidade em seu dia a dia.

A região em que Helton mora, a zona leste, é aquela em que as pessoas levam mais tempo para fazer seus deslocamentos pela cidade, de acordo com pesquisa da Rede Nossa São Paulo: 2h39min, enquanto as que vivem no centro e na zona oeste são os que levam menos tempo: 2h7min e 2h9min, respectivamente.

Helton não sabe o que é isso. Raramente, diz ele, precisa sair de Itaquera para o que quer que seja. A feira em que trabalha, às quartas, fica bem na região central do bairro, próxima ao comércio, bancos, unidade de saúde, escolas e supermercado.

Em bairros de São Paulo, paulistanos vivem como no interior. Na foto, Helton Otávio dos Santos , 34, ex-interno da Fundação Casa, que vive do negócio de tapiocas desde que saiu da instituição
Em bairros de São Paulo, paulistanos vivem como no interior. Na foto, Helton Otávio dos Santos , 34, ex-interno da Fundação Casa, que vive do negócio de tapiocas desde que saiu da instituição - Jardiel Carvalho - 22.jan.2020/Folhapress

Pode-se dizer que Helton mora no bairro da zona leste como se fosse uma cidade do interior —ao menos no que diz respeito à praticidade de seus deslocamentos.

O orgulho que ele ostenta não difere do da maioria dos outros habitantes da região, segundo pesquisa deste ano também da Rede Nossa São Paulo.

De acordo com levantamento divulgado nesta semana, os moradores do centro e da zona leste de São Paulo são os que mais afirmam gostar de seus bairros  —54% e 50%, respectivamente, ante 47% na zona oeste, 43% na zona sul e 41% na zona norte da cidade.

Os moradores da zona leste são também os que mais avaliam positivamente a atuação das subprefeituras da região onde moram —27%, ante 24% no centro, 21% na zona oeste, 18% na zona norte e 17% na zona sul.

As diferentes percepções também apontam para as diferentes cidades dentro de São Paulo, algumas delas mais desenvolvidas, outras menos.

Para Helton, o centro de Itaquera é como se fosse o centro de uma cidade autônoma, um local distante da região central, o que para ele não é um problema, pois todas suas atividades são feitas ali mesmo, no bairro em que nasceu.

A relação do feirante com a região evidencia as conclusões de um estudo da USP segundo o qual a divisão entre centro e periferia faz pouco sentido na cidade de São Paulo.

De acordo com a pesquisa, a capital tem ao menos oito diferentes tipos de fragmentação urbana, que se relacionam com as diferentes etapas de desenvolvimento da cidade.

“Nota-se que a dicotomia centro-periferia é inadequada ao entendimento da cidade e à sua boa gestão, pois ignora ou minimiza a diversidade social, a econômica e os usos do tecido urbano”, afirmam os pesquisadores.

No caso de Itaquera, é como se o bairro tivesse suas próprias áreas periféricas em relação ao centro do bairro. Tainá Silva de Araújo, 28, não mora tão longe assim da região em que se concentram os bancos e o comércio, mas quando precisa ir até lá pega um carro de aplicativo. Manicure, quando quer comprar produtos para seu trabalho também é para lá que se dirige.

Entender a dinâmica interna dessas regiões pode ser uma forma de planejar melhor a cidade, defendem os pesquisadores da USP.

De acordo com o estudo, os diferentes padrões urbanos impactam diretamente a dinâmica e a vida em São Paulo e, consequentemente, de seus moradores.

Dessa forma, a pesquisa levanta questões como a pertinência de se seguir planejando a cidade com base em suas divisões regionais criadas artificialmente e representadas pelas subprefeituras.

A consequência disso poderia ser o maior desenvolvimento, por exemplo, de postos de trabalho nessas regiões, uma vez que morar e trabalhar no mesmo local não é a realidade de todos.

No caso do padeiro Edson Hermínio da Silva, 46, há 25 anos em Itaquera, foi questão de sorte. Se tivesse que entrar no mesmo horário, 5h, em uma padaria de outro bairro só conseguiria chegar a tempo até o Tatuapé.

 
Apesar de pouco sair do bairro, Edson ainda vai uma vez por semana à região da Santa Efigênia, no centro. Ali, compra celulares e acessórios que vende em sua casa.

Nesse ponto ele se junta a moradores de diversas outras cidades do interior. “Tem algumas coisas que fica difícil, e o centro de São Paulo, pelo menos a Santa Efigênia, ainda faz valer a pena sair daqui”, diz.

Para sua colega de trabalho Marta Dias Oliveira, 23, o bairro também é quase suficiente para suas necessidades. “Tudo o que eu preciso encontro”, diz. “Bom, quase tudo: meu filho precisa fazer fisioterapia e não consegui no bairro.”

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