Combate ao PCC vira trunfo político de governos federal e estaduais

Operações da PF miram facção; louros de transferência são disputados

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São Paulo

O combate a criminosos do PCC (Primeiro Comando da Capital) virou questão política e tem frutos disputados pelo governo Jair Bolsonaro e gestões estaduais. 

A fuga de 75 criminosos da facção de uma prisão no Paraguai trouxe o assunto à tona novamente, e será um teste para o governo que vem propagandeando a segurança pública como um de seus trunfos.  Conforme a bandeira anticorrupção do governo é afetada por escândalos, o foco para esta área tem aumentado.

A fuga gerou manifestação do ministro da Justiça, Sergio Moro, sobre o assunto, fazendo alusão a transferências de presos para prisões federais."Estamos trabalhando junto com as forças estaduais para impedir a reentrada no Brasil dos criminosos que fugiram de prisão do Paraguai. Se voltarem ao Brasil, ganham passagem só de ida para presídio federal", escreveu Moro no Twitter.

A fala tem como referência a transferência, em fevereiro do ano passado, do líder do PCC, Marcos Williams Herbas Camacho, o Marcola, mais 21 integrantes, de penitenciárias paulistas para presídios federais.

Embora fosse uma demanda antiga da Promotoria e uma ordem da Justiça, a transferência foi capitalizada tanto pelo governo federal quanto pelo governo paulista de João Doria (PSDB). 

O promotor de Justiça Lincoln Gakiya afirmou que ambas as esferas, no entanto, só forneceram a logística para a realização da transferências e, no caso do governo federal, as vagas nas prisões. 

Operações da Polícia Federal, porém, têm mirado o PCC. 

Em agosto do ano passado,  a Operação Cravada, da Polícia Federal junto dos governos do Paraná e São Paulo, mirou o núcleo financeiro do PCC e prendeu mais de 20 pessoas. Segundo as investigações, o grupo era responsável por recolher, gerenciais e financiar recursos para cometer crimes em sete estados. Mais de 400 contas bancárias de suspeitos foram identificadas e bloqueadas.

Durante as investigações da operação, a Polícia Federal interceptou uma ligação em que um integrante da facção, Alexsandro Roberto Pereira (conhecido como Elias), diz temer as atitudes do atual governo contra o grupo.

“Esse Moro aí, esse cara é um filha da puta, mano. Ele veio para atrasar. Ele começou a atrasar quando foi pra cima do PT”.

Elias afirmou na mesma conversa que a facção tinha um “diálogo cabuloso” com o PT. Segundo investigadores ouvidos pela Folha, no entanto, o criminoso é pouco expressivo na facção e não tem cargo de relevo.

No ano passado, uma parceria da PF com a Secretaria de Segurança Pública de Alagoas expediu 110 mandados de prisão contra integrantes da facção em oito estados, e prendeu mais de 80 pessoas. O alvo era o chamado “tribunal do crime”, operações de justiçamento em que bandidos são punidos (por vezes mortor) por descumprirem as regras da facção.

ORIGENS

Para o pesquisador Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, a fuga no Paraguai é uma espécie de retorno ao que a facção fazia nos anos 1990 em São Paulo.

“O lema do PCC é ‘paz, justiça e liberdade’. A fuga sempre foi ponto de honra. Essas fugas aconteciam muito aqui em São Paulo no começo dos anos 1990, com tecnologia de túneis. Depois a inteligência mudou para outras áreas, como assalto a banco. Com os presídios de segurança máxima [no Brasil], isso ficou mais difícil”, diz ele.”

Paes Manso é um dos autores do livro “A Guerra: a Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil”. Ele diz que a chegada da facção no Paraguai, a partir de 2008, mudou a dinâmica do crime na região, que tinha até então uma relação mais orgânica. O pesquisador cita Jorge Rafaat Toumani, chefe do narcotráfico em Pedro Juan Caballero, morto pelo PCC em 2016 num ataque que envolveu até o uso de metralhadora antiaérea. “Era uma espécie de governador local”, diz.

“Quando o PCC chega e tem uma postura de confronto, como é no Brasil, isso tem um impacto grande, porque o Paraguai não estava preparado para lidar com isso. E aí o PCC acabou tendo essa brecha para voltar a trabalhar como fazia nos primórdios dos anos 1990, em São Paulo.”

“Chegam num país onde não há todo esse aparato de repressão e violência, tanto das quadrilhas quanto da polícia, e agitam a região. O próprio assassinato do Rafaat foi traumático para o país. E a presença do PCC nas prisões tem causado uma turbulência na política.”

PCC E O PARAGUAI

Agosto de 2016 - traficante Jorge Rafaat Toumani, 56, é morto a tiros,  no centro de Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia onde morava, em execução planejada pelo PCC. Um traficante que abastecia o PCC e Comando Vermelho, Jarvis Chimenes Pavão,  tomou o controle da região

Abril de 2017 - Criminosos invadiram a sede da transportadora de valores Prosegur em Ciudad del Este, próxima à fronteira com o Brasil, e roubaram cerca de US$ 40 milhões. Crime foi atribuído ao PCC

Dezembro de 2017 - O narcotraficante brasileiro Jarvis Chimenes Pavão, 49, foi extraditado do Paraguai para cumprir pena de 17 e nove meses no Brasil

Julho de 2018 - O brasileiro Eduardo Aparecido de Almeida, 39, considerado o chefe regional do PCC, no Paraguai e Bolívia, é preso em Assunção, capital paraguaia

Novembro de 2018 - O Paraguai expulsa do país o traficante Marcelo Piloto, apontado como um dos líderes do CV,  e o também traficante Rovilho Alekis Barboza, conhecido como Bilão, e integrante da facção criminosa PCC

Fevereiro de 2019 - Considerado pelas autoridades policiais como o chefe do PCC na fronteira do Brasil com o Paraguai, Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, conhecido como Minotauro é preso pela Polícia Federal em Balneário Camboriú (SC) 

Abril de 2019 - A Polícia Federal apreendeu cerca de meia tonelada de cocaína no momento em que um helicóptero, que transportava a droga, havia pousado para reabastecer na zona rural de Presidente Prudente (558 km de SP). A organização criminosa que usava o helicóptero buscava a droga no Paraguai

Dezembro de 2019 - Sob o argumento de que há "níveis críticos de violência" e ações da facção criminosa PCC na região, o Ministério Público Federal decidiu fechar o seu prédio em Ponta Porã (MS), na fronteira do Brasil com o Paraguai, e transferir suas atividades para a cidade de Dourados (MS), a 120 km de distância

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