Como caí no golpe que sequestra a conta do WhatsApp para extorquir dinheiro dos contatos

Golpistas fingem contato profissional, pedem número de confirmação e clonam conta no aplicativo

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São Paulo

O celular tocou enquanto eu participava do podcast de um jornalista amigo. Falávamos justamente sobre a relação entre imprensa e chefs de cozinha.

“Boa tarde, sr. Nogueira. Sou assessor do chef Henrique Fogaça. Ele me pediu para incluir seu nome na lista de uma festa que ele vai oferecer.”

Em junho do ano passado, fiz uma viagem a trabalho para a Itália. O Fogaça estava no grupo. A gente se conheceu, conversou. Não ficamos amigões do peito, mas me pareceu natural o convite. Apenas uma gentileza. A voz do outro lado da linha prosseguiu, sempre muito educada.

"Para confirmar sua presença, é preciso que o senhor repita o código que eu acabei de lhe enviar para o celular.”

Pipocou um aviso na tela e eu repeti os números. Era a senha de acesso para o WhatsApp. Minha vida virou um inferno a partir daquele momento.

Dois minutos depois, um amigo me telefonou para avisar que alguém havia clonado minha conta de WhatsApp e pedia um depósito em dinheiro como se fosse eu que precisasse desesperadamente da grana. Preciso, mas não teria tamanha cara de pau.

Telefone celular contra fundo verde é segurado nas mãos de pessoa de pele clara, com o aplicativo WhatsApp aberto, mostrando contatos
Aplicativo WhatsApp é clonado por estelionatários - Reprodução

O estelionatário —ou a quadrilha de 171s, como parece ser o caso— dá uma razão muito plausível para o empréstimo. Um pagamento urgente. Sempre algo que pode ser resolvido no dia seguinte, data para que o reembolso é prometido. E usa contas de terceiros com a desculpa de que a própria conta está bloqueada por algum motivo. Quem nunca deu calote neste país?

Até agora, quatro pessoas dos meus contatos deram dinheiro para o bando. Minha ex-mulher número 1. O pai de um amigo do meu filho. Uma amiga que calha de ser designer na Folha. Outra amiga de coração gigante que fez dois depósitos para o salafrário.

Não consigo recuperar a conta sequestrada. Os bandidos deram um jeito de bloquear o meu acesso usando senhas erradas para alertar o servidor de uma possível invasão. Irônico: são eles os invasores. Tentei os meios formais para contatar o Whatsapp/Facebook e tentar reverter a lambança. Só recebi mensagens robóticas de volta.

A polícia, diabos, por que não a procurei antes? Não é possível denunciar delitos digitais pela internet. Fui à Delegacia Especializada de Investigação de Crimes Cibernéticos, no prédio do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais da Polícia Civil), na zona norte de São Paulo.

O flanelinha local já me deu a letra: “Ihhhh, de bermuda você não pode entrar no Deic”. Dito e feito: na portaria havia um aviso detalhando o “dress code” da repartição. Dei uma chorada com o guardião do portal e recebi meu crachá plenipotenciário.

Duas coisas me impressionaram na tal delegacia cibernética. Uma, o volume de pastas cheias de papel —montanhas e montanhas sobre as mesas dos responsáveis por desbaratar crimes virtuais. Outra, a cara amarrada de todo mundo. Esse povo anda vendo muito filme policial made in USA.

Os telefones não paravam de tocar para falar sempre do mesmo assunto: o golpe do zap.

Fiz meu boletim de ocorrência, medida protocolar que não resolveu em nada a minha vida até agora —muito menos a vida dos meus amigos, que saíram no prejuízo material. Obrigado por confiarem tanto em mim, pessoas. E me desculpem outra vez.

Na volta para casa, toca de novo o telefone. Número desconhecido. “Sr. Nogueira, falo em nome do restaurante Tontoni. O senhor foi contemplado no sorteio de um jantar para dois...”

Aparentemente, a malta do zap tem familiaridade com o meio gastronômico. Os desqualificados sabem do que estão falando. E o grupo tentou pegar também outros cronistas de comida, como o Marcelo Katsuki, meu colega de blogs na Folha.

Ouvi pacientemente o fulano até ter certeza de que era o mesmo golpe. Então perdi a fleuma. “Escuta aqui, seu arrombado filho da puta! Já caí nesse golpe ontem.”

O sujeito não se alterou. Deu uma risadinha tímida, estilo do Zacarias (dos Trapalhões), e me carimbou na testa: “Trouxa”.

OUTRO LADO

Procurado, o WhatsApp disse que em caso de clonagem ou roubo de conta o usuário deve realizar o seguinte procedimento:

  • Solicite a verificação da conta via SMS: entre no WhatsApp com seu número de telefone e confirme o código de 6 dígitos que você receber via SMS. Dessa forma, qualquer um que estiver usando sua conta será desconectado
  • Notifique amigos e família: entre em contato com pessoas próximas para que ninguém possa se passar por você
  • Ative a verificação em duas etapas
  • Em caso de tentativa de roubo de conta, o WhatsApp também ressalta que a criptografia de ponta a ponta do aplicativo não é comprometida. Ou seja, o golpista não tem acesso a mensagens anteriores que estão armazenadas no seu telefone

A empresa afirma ainda que, se o problema não for resolvido, é possível entrar em contato com a empresa pelo email support@whatsapp.com.

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