Fotógrafa acompanhou gêmeas unidas pela cabeça do hospital à praia

Repórter fotográfica conta como foi cobrir a história das gêmeas Maria Ysadora e Maria Ysabelle

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As duas bebês estão sentadas, lado a lado, de costas para a câmera. Elas estão na areia, de frente para o mar. A menina da esquerda gesticula, feliz. Ambas vestem chapéus cor-de-rosa, com biquínis vermelhos e shorts
As gêmeas Maria Ysadora e Maria Ysabelle, ao visitar a praia pela primeira vez - Marlene Bergamo/Folhapress
São Paulo

Minha irmã é pediatra no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP) e me contou que uma história boa surgiria por lá. Ela havia sido convidada para integrar a equipe médica responsável por separar duas crianças que haviam nascido unidas pela cabeça, algo inédito no Brasil.

Foi muito difícil no começo: a mãe não queria dar entrevista e de jeito nenhum queria que fotografássemos as crianças. Ela tinha muito medo de como as pessoas reagiriam.  

Resolvi ficar mais dois dias em Ribeirão e acabei convencendo-os a me deixar fotografar as meninas.
O tempo todo minha preocupação era retratá-las como crianças, como quaisquer outras. Então, sempre brincava com elas durante a foto, para mostrá-las rindo e brincando. Queria quebrar a imagem de aberração que as pessoas têm sobre esses casos.

Depois, fui para Aquiraz (CE), onde eles moravam. Era uma família simples, mas não pobre. Moravam em um bairro com ruas de terra e perto da praia. Aliás, essa era a maior agonia deles: nunca haviam levado as crianças até a praia.

Acompanhei a viagem deles a São Paulo para a primeira cirurgia. Costumo me envolver muito com os personagens. Quando viajamos, eu ia segurando as malas e papelada deles, desenrolando no aeroporto. Era quase a acompanhante deles.

Acompanhei três cirurgias. Nas duas primeiras, a equipe não me deixou entrar para filmar, acompanhei os pais do lado de fora. A mãe, em especial, ficava muito tensa e agitada. Na terceira cirurgia conseguimos autorização para acompanhar. Seria a separação e eu queria estar lá naquele momento. A cirurgia durou 24 horas e envolveu uma equipe enorme, de 40 pessoas.

Quando chegou o momento da separação, os cérebros delas estavam “abraçadinhos” e a equipe teve que ir separando com calma, mas um pedacinho, milimétrico, estava unido. Esse foi o momento mais tenso da cirurgia. A equipe estava nervosa, a pediatra queria que interrompesse, a equipe de neurocirurgiões queria continuar, foi muito difícil.

Também era muito difícil ver os pais se despedindo das filhas a cada cirurgia, me doía o coração.
O momento mais emocionante foi quando o médico chefe perguntou: “Temos duas crianças?” e alguém respondeu “positivo”. Era sinal de que tinha dado tudo certo.

Depois da liberação das meninas, eles foram embora sem me avisar. Fiquei muito frustrada, eu queria ter acompanhado a volta delas.

Um tempo depois, a mãe me mandou mensagem convidando para o aniversário de um ano delas. As meninas são lindas, a Maria Ysadora é mais agitada, a Maria Ysabelle, mais calminha. A mãe está ficando louca, porque agora de fato são duas para cuidar.

Uma das coisas mais importantes —e que tentei mostrar bastante nas reportagens—, é a importância do SUS. É incrível que no Brasil nós tenhamos um sistema público que garanta que uma cirurgia desse porte saia de graça para o usuário. Os pais não pagaram por nada.

Acho que a reportagem não poderia terminar de outro jeito. Acompanhei a primeira vez que elas viram o mar.

As meninas estão bem, saudáveis, continuam fazendo reabilitação no Ceará e devem passar por uma avaliação em São Paulo, em fevereiro.

Depoimento a Ricardo Ampudia

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