PCC adota tática de milícias do Rio e avança sobre invasões de imóveis em SP

Atuação inclui de edifícios da CDHU a terrenos em mananciais vendidos por até R$ 120 mil

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São Paulo

“Aqui não tem isso, não”, inicia o homem, em resposta ao repórter da Folha sobre a existência de um líder comunitário naquela parte de Cidade Tiradentes, extremo leste da capital. 

Ele faz uma pausa para retirar do bolso um papelote de cocaína e, após consumir metade, continua. “Aqui quem manda é o crime. Aqui é PCC”, diz, sem sorrir.

A rua Regresso Feliz, visitada pela reportagem em novembro, está em uma lista em poder do governo paulista com mais de uma centena de endereços na capital e Grande São Paulo, entre conjuntos habitacionais, prédios e terrenos, espaços públicos e privados em que há indícios da presença do crime organizado na exploração financeira de moradores desses locais.

O crime atua na cobrança de aluguéis e taxas de “proteção” e na venda de terrenos e apartamentos. “A situação é preocupante. As famílias estão reféns de bandidos, sendo obrigadas a pagar aos criminosos. Pressionadas a pagar uma taxa de contribuição para o crime. Estamos virando um Rio de Janeiro”, diz um membro da cúpula da Habitação do governo João Doria (PSDB).

Integrantes da pasta da Segurança Pública ouvidos pela Folha admitem o problema. Afirmam que a exploração de moradores em comunidades sempre existiu em São Paulo, mas, agora, a novidade, é a participação de PCC, que passou a ver no setor imobiliário nova fonte de recursos.

Um dos indícios da presença do PCC na exploração imobiliária surgiu em março de 2019, com a morte de Wanderley Lemes Teixeira, 46, o Manolo, assassinado quando participava de uma reunião de moradores do condomínio explorado por ele na região do Grajaú (zona sul da capital).

De acordo com a investigação da Polícia Civil, Manolo era apontado como uma liderança ligada ao PCC e, por motivos ainda desconhecidos, foi morto com três tiros.

Os policiais encontraram seu corpo ao lado de uma caminhonete e de uma mala de couro cheia de cheques de clientes e contratos de compra e venda de terrenos. A investigação levantou indícios de que Teixeira comercializava terrenos e imóveis invadidos.

Nos meses seguintes, o problema ganhou novos contornos com informações do vereador Gilberto Natalini (PV), ex-secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, que listou 90 endereços de loteamentos comercializados por pessoas ligadas ao crime organizado.

“Só na zona sul, área de mananciais, foram 46 [áreas] levantadas. Até agosto, segundo nossos cálculos, tinham sido derrubadas 500 mil árvores”, disse o vereador, que afirma ter sido ameaçado. “Nós calculamos também, se eles [criminosos] venderem todos os terrenos que estão loteando, terão uma arrecadação de cerca de R$ 1 bilhão”, disse.

Os terrenos, segundo o parlamentar, são vendidos por entre R$ 35 mil e R$ 120 mil. 

O nome de Manolo, segundo serviços de inteligência do governo paulista, já tinha aparecido durante investigações realizada pela Polícia Civil no chamado Cine Marrocos, em agosto de 2016, de combate ao tráfico de drogas.

Segundo a polícia, líderes de sem-teto que ocupavam o prédio, na região central, faziam cobrança de mensalidades das famílias, ao mesmo tempo que ajudavam integrantes do PCC no comércio de drogas na cracolândia e na região da Galeria do Rock.

Para o acerto de contas com os inadimplentes, os líderes sem-teto acionavam os “irmãos”, forma como são chamados os integrantes da facção criminosa.

Situação semelhante foi encontrada em nova investigação iniciada pela polícia em 2018, após o desabamento do prédio Wilton Paes de Almeida, no largo do Paissandu, que deixou nove mortes.

Sobreviventes relataram a cobrança de aluguéis por lideranças de sem-teto, entre eles Ananias Pereira dos Santos, que ameaçava e expulsava inadimplentes.

A investigação policial chegou a 19 endereços da capital e, conforme depoimentos de testemunhas e interceptações telefônicas, as cobranças também ocorriam com ameaças, “inclusive valendo-se do auxílio de integrantes de facção criminosa (PCC)”, diz trecho da denúncia da Promotoria.

Uma das pessoas denunciadas pelo Ministério Público é Edinalva Silva Franco Pereira, cujo patrimônio listado inclui caminhonete e moto, além de apartamento no centro, que ela alugava para morar em ocupação. De acordo com a denúncia, Edinalva é casada com suposto integrante do PCC e mantém relação com outros integrantes.

A atuação do PCC nos chamados tribunais do crime só ocorre em áreas dominadas pela facção. Quando moradores denunciam crimes, eles organizam julgamentos e aplicam penas que podem ir de surras até a morte. “Eles utilizam o serviço dessa facção para expulsar, ameaçar e intimidar os inadimplentes”, diz o promotor Cássio Conserino, responsável pela denúncia. 

Levantamento feito pelo Corpo de Bombeiros apontou que na capital havia, em 2017, 74 prédios ocupados, todos ligados a movimentos sociais. O relatório citava dificuldades de acesso aos prédios para realização de vistorias, com enfrentamento e ameaças feitas por seguranças.

Outro relatório em poder do governo de São Paulo foi produzido com base em informações de áreas ligadas à habitação. Segundo a Folha apurou, o texto alerta para a presença de criminosos no controle de imóveis, incluindo conjuntos habitacionais do CDHU.

O levantamento foi feito a partir de relato de servidores que tiveram problemas de acesso a áreas.

Uma das regiões mais problemáticas citadas no documento está em São Bernardo do Campo, na Grande SP, ocupação denominada Eiji Kikuti. Segundo integrantes da pasta da Habitação estadual, até mesmo a Polícia Militar tem dificuldades de acesso ali.

Governo diz que combate é permanente

Procurada, a Secretaria da Segurança informou que mantém combate permanente ao crime organizado e, para isso, mantém ações “com o emprego de inteligência, tecnologia e cooperação entre as polícias”.

O gestão João Doria citou como exemplo a operação no Cine Marrocos que resultou na prisão de 32 pessoas e na apreensão de drogas, celulares, dinheiro e armas.

A Segurança Pública também cita a investigação iniciada após a queda do edifício Wilton Paes de Almeida. “De janeiro até o início de deste mês [dezembro], mais de 80 operações foram deflagradas somente pela Polícia Civil para coibir delitos e prender criminosos, incluindo integrantes de facções.”

Nas áreas de proteção, a pasta diz que foram aplicadas 156 multas e 601 feitas vistorias. Diz ainda as denúncias são apuradas com rigor. “Diferentes departamentos da Polícia Civil, como o Deic, Decap e DPPC, por meio da Divisão de Infrações Contra o Meio Ambiente, têm investigações em curso em endereços citados pela reportagem.”

Procurado, o Ministério Público não se manifestou.

O advogado Edimar Ferreira Gomes, que foi defensor de Edinalva Silva Franco Pereira, disse que as acusações contra ela são perseguição política. 

“Ela está sendo perseguida devido a ter entrado com um processo anterior contra o filho do Bolsonaro”, disse ele. No processo, extinto por desistência, Edinalva reclamava à Justiça da forma como o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, criticava ocupações.

O atual advogado de Edinaval, Pedro Henrique Viana Martinez, que procurou a Folha após a publicação da reportagem, também nega ligação de sua cliente com o crime. 

“Edinalva construiu seu patrimônio durante toda a vida, com seu trabalho, tendo inclusive exercido o cargo de assessora parlamentar na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Seu apartamento, no centro de São Paulo, foi adquirido pelo PAR (Programa de Arrendamento Residencial) promovido pelo Ministério das Cidades, em parceria com a Caixa Econômica Federal. Edinalva não integra ou possui qualquer relação de cooperação com o PCC ou quaisquer outras organizações criminosas, como será demonstrado ao longo da instrução processual", disse o defensor, por nota.

Ele também nega que o marido de Edinalva seja do PCC.

A CDHU informou que possui quatro empreendimentos que foram invadidos em fase de construção. Todos têm ações de reintegração de posse em andamento. “A CDHU aguarda os processos de reintegração de posse e a desocupação dos imóveis para concluir os empreendimentos e entregá-los a famílias egressas de áreas de risco ou precárias.”

A Procuradoria Geral do Estado afirma que o imóvel na estrada Eiji Kikuti foi incorporado ao patrimônio do Estado em razão de execução fiscal e que há ação de reintegração de posse contra os invasores.

PCC nas invasões 

O que é PCC? Principal facção criminoso do país, nascida nos presídios paulistas

Como ocorre a exploração?

  • cobrança de aluguéis
  • taxa de proteção
  • venda de terrenos
  • venda de apartamentos

Quem investiga as ações? Polícia Civil e Ministério Público

O que diz o governo de São Paulo? O combate ao crime organizado é permanente e realiza ações constante de combate ao crime organizado

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