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Boom imobiliário testa infraestrutura no litoral norte de Santa Catarina

Cidade vizinha a Camboriú é cobiçada por investidores; lei tenta vetar sombra de prédios na areia

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Prédios fazem sombra na Meia Praia, em Itapema, cidade do litoral norte de Santa Catarina que sofre com pressão imobiliária

Prédios fazem sombra na Meia Praia, em Itapema, cidade do litoral norte de Santa Catarina que sofre com pressão imobiliária Anderson Coelho/Folhapress

Itapema (SC)

No bairro Meia Praia, em Itapema, há mais imobiliárias do que farmácias, supermercados e restaurantes. A região, que fica a 70 quilômetros de Florianópolis, é visada por investidores que querem apartamentos de alto padrão e com vista para o mar. A solução encontrada foi investir em prédios tão altos quanto a demanda.

Os edifícios enfileirados lembram a vizinha Balneário Camboriú, por alguns apelidada de "Dubai brasileira" pelas suas dezenas de arranha-céus que fazem as construtoras competirem pelo prédio mais alto. O que figura no topo tem 281 metros de altura distribuídos em 81 andares, um dos mais altos da América Latina.

Apesar do assédio das construtoras, Itapema nunca chegou a ponto de ter arranha-céu. A altura dos prédios esbarra na legislação de uma cidade dividida entre os benefícios econômicos do boom imobiliário e os impactos do crescimento vertical.

“À tarde já estamos com falta de sol na areia”, diz a empresária Maria Aparecida Passos, 56. A frase é ouvida por uma turista: “Aqui também? Nós saímos de BC justamente por causa disso”, diz a veranista que se refere a Balneário Camboriú, onde depois do almoço já não tem sol na beira-mar.

Com 7 km de extensão, as praias de Itapema têm sol, mas já exibem os contornos de alguns prédios. As sombras revelam a flexibilização gradual para as construções em frente à praia. 

“Antigamente era térreo mais quatro [andares], depois mais seis, depois mais sete e chegaram até 11 pavimentos”, afirma o secretário de Planejamento Urbano de Itapema, Eliseo Cordeiro. 

Em 2018, os limites de altura foram derrubados por completo. A cidade adotou a outorga onerosa em que o construtor paga um valor excedente conforme a altura do prédio. A mudança na lei deu ainda mais força para as comparações com a cidade vizinha. 

A novidade que liberou a altura criou um novo condicionante. As construtoras passaram a ter como referencial um cálculo chamado "cone de sombra" em que a altura do prédio é calculada pelos ângulos do sol em direção ao mar. A construção só é liberada se o cálculo mostrar que o prédio não vai fazer sombra na areia.

No ano que sucedeu a mudança no plano diretor, o município aumentou em 37,7% a liberação de área para construção.

Em 2019, a prefeitura autorizou 737,4 mil metros quadrados de novos empreendimentos. “A nossa cidade virou a cidade dos apartamentos. Estamos virando um canteiro de obras. São muitos investidores”, diz Cordeiro.

Os apartamentos mais procurados na cidade são os com mais de quatro dormitórios, que tiveram uma alta de preços de 14,1% entre 2017 e 2019, segundo dados do Secovi-SC (sindicato do setor imobiliário catarinense). O aumento supera a valorização dos imóveis da vizinha Balneário Camboriú, de 8,41% no mesmo período. 

Mesmo com a valorização, os imóveis de luxo em Itapema custam quase a metade do valor de Balneário Camboriú, onde o preço médio do metro quadrado para quatro dormitórios fechou 2019 em R$ 13.323. Em Itapema ficou em R$ 7.626.

Os apartamentos mantêm o padrão espaçoso com janelas amplas com vista para o mar e estão dentro de condomínios fechados. O perfil atrai investidores e também famosos em busca de privacidade.

“Alguns compram na planta pararevender, outros porque sabem que vai continuar valorizando. Os compradores são de todas as partes do Brasil e do exterior. Muitos da Europa”, diz o corretor de imóveis Otto Engelmann, que é conselheiro do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci-SC).

O boom imobiliário também atrai pessoas em busca de oportunidades. É o caso da motorista de aplicativo Alana Hach Ferreira, 35, que residia no interior do Paraná, onde trabalhava como corretora de imóveis. “O mercado de lá saturou e um parente disse que aqui está aquecido. Estou de motorista para conhecer melhor a cidade”.

Enquanto vive os prazeres de um mercado aquecido, a população teme os impactos do crescimento vertical.

Itapema tem apresentado uma das maiores taxas de crescimento populacional de Santa Catarina. Conforme o IBGE, a população saltou de 45.797 habitantes para 65.312, entre os anos 2010 e 2019. Em 2020, a prefeitura estima que a cidade abrigue cerca de 80 mil moradores.

O aumento populacional desafia o município a encontrar alternativas para garantir a mobilidade e o saneamento, que costumam ter a eficácia testada na virada do ano, quando 500 mil turistas chegam à região.

A cidade deu sinais de risco no sistema de esgoto na temporada passada quando houve alta incidência de casos de virose nos atendimentos das unidades de saúde. Segundo a Conasa (empresa responsável pelo saneamento básico de Itapema), 74% do esgoto da cidade é coletado e tratado. A previsão é que até o final de 2020 o índice de cobertura chegue a 90%.

Itapema fica junto à BR-101 e vira alternativa quando o trânsito na rodovia congestiona. A prefeitura anunciou um projeto que inclui desapropriações para construir uma nova avenida e a implantação de estacionamentos verticais também é avaliada.

O professor da UFSC Arnoldo Debatin Neto diz que o aumento na altura dos prédios gera correntes de vento entre os edifícios e aumenta a temperatura, e a prefeitura deveria “mitigar esses aspectos.”

“A valorização das unidades irá variar conforme a qualidade do espaço onde estão construídas”, diz, acrescentando que a participação popular na revisão do plano diretor seria fundamental.

“A nossa relíquia aqui é a praia”, diz a pianista Lilian Lachenski, 68, que integra a associação dos moradores do bairro Meia Praia. “Ela tem que ser preservada e a infraestrutura precisa acompanhar o crescimento da construção civil.”

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