Crimes caem, mas sensação de insegurança continua em cidade-teste de programa no PR

Após 6 meses, Em Frente, Brasil recebe elogios e enfrenta críticas em São José dos Pinhais

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São José dos Pinhais (PR)

O histórico de criminalidade em São José dos Pinhais (PR) —uma das cinco cidades que recebe o programa contra a violência Em Frente, Brasil, do governo federal— pode ser resumido na trajetória do condomínio Serra do Mar, na periferia do município. Entre 2012 e 2018, foram 15 homicídios registrados no conjunto de prédios e outros 30 no entorno dos nove blocos de apartamentos.

Projetado nos primeiros anos do programa Minha Casa, Minha Vida, o condomínio serviu para realocação de pessoas que moravam em áreas de invasão e favelas perigosas de vários bairros da cidade. Junto com elas, porém, o local acabou recebendo traficantes de grupos rivais.

As disputas de fora foram para dentro do espaço, que chegou a ser apelidado com dois nomes: Serra do Mal e Serra da Morte. Os conflitos por território e poder entre criminosos e a dificuldade de controle do local pela polícia levaram aos números exorbitantes de mortes.

“Matavam um por semana, toda quarta-feira era o dia”, relembra a comerciante Amelia Greczgosczki Croccoli, que mora próximo ao condomínio há 26 anos.

Amelia com as filhas no comércio que mantêm no bairro Quississana: "Sentimos uma diferença enorme".
Amelia Croccoli (esq.) com as filhas no comércio que mantêm no bairro Quississana, um dos mais perigosos de São José dos Pinhais - Katna Baran/Folhapress

As estatísticas de anos anteriores levaram a área do Quississana, onde ficam os prédios, a entrar na lista de prioridades do programa federal de segurança pública. Porém, uma operação policial de agosto de 2018 já havia pacificado –em partes– a região.

“A quantidade de mortos lá é próxima de zero há algum tempo”, conta o secretário de segurança da cidade, Fabiano da Rosa. As estatísticas apontam que houve um homicídio na região em 2018 e outros dois em 2019.

No fim de agosto do ano passado, o governo federal enviou 500 agentes da Força Nacional a Ananindeua (PA), Cariacica (ES), São José dos Pinhais (PR), Paulista (PE) e Goiânia, alguns dos municípios médios mais violentos do país, pelo programa Em Frente, Brasil.

Eles ficarão ali ao menos até junho para, junto às polícias locais, fazer o patrulhamento ostensivo nos bairros que concentram a maior parte dos crimes e ajudar nas investigações. A ideia é que, a partir de março, cheguem também ações sociais em parceria com outros dez ministérios.

Os números do Quississana refletem uma tendência em São José dos Pinhais. Houve 20 homicídios dolosos entre setembro e dezembro de 2019, depois da chegada da Força Nacional de Segurança Pública. No mesmo período de 2018, foram 27. De setembro a dezembro de 2015, 40.

Os dados se repetem em outros tipos de crime, garante o coordenador do programa. “Nós vínhamos e estamos numa vertente de redução, mas, é claro, quanto mais policiamento tiver, melhor”, aponta o coronel da Polícia Militar Nivaldo Marcelos da Silva.

Moradores elogiam o impacto do programa. “A gente sente uma diferença enorme porque agora tem a Força Nacional, a Guarda Municipal e a Polícia Militar passando. Não se vê mais aquelas motos, carros nas ruas, só vê mais as pessoas de bem”, relata a comerciante Amelia.

Nem todo mundo é da mesma opinião sobre a eficácia do projeto, que foi implementado de forma prioritária em 15 localidades de São José dos Pinhais.

“A gente quase não vê a viatura e quando a vê é indo e vindo como se essa ronda causasse efetividade. São práticas já calejadas, não colocamos muita fé”, opina a bacharel em Direito Luana Florentino Fonseca, 24, moradora do Afonso Pena, outro bairro que recebe o programa.

Com outros colegas, ela luta pela criação de um conselho representativo de políticas para a juventude no município. "Ao invés de garantir a base, os direitos fundamentais, continuam com práticas punitivistas", afirma a jovem, primeira da família com formação superior.

Há ainda relatos de abusos. Uma mulher que não quis se identificar teve a casa invadida pelos policiais de madrugada. A porta foi arrombada e todos os moradores, incluindo crianças e idosos, foram forçados a sair. Havia um mandado de prisão em aberto, mas o alvo estava na casa ao lado. Apesar dos danos sofridos, a mulher não denunciou o caso por medo.

“Chegou pouca reclamação de algum excesso e as que chegaram foram apuradas”, afirma, de outro lado, o coronel Nivaldo. Ele ainda destaca que os diversos canais de ouvidoria municipal, estadual e federal foram integrados com o programa, facilitando as denúncias.

O policial destaca que a criminalidade em São José dos Pinhais decorre sobretudo do uso e tráfico de drogas. “Não temos características de atuação de milícias e, apesar de o Paraná não ser uma ilha, os crimes em geral não possuem ligação com organizações criminosas.”

 

Características da cidade trazem outros desafios. Com 323.340 habitantes, o município possui território extenso de quase 1.000 km²: faz divisa com a capital Curitiba e se estende até quase o litoral paranaense, a dezenas de quilômetros de distância. Também abriga o principal aeroporto do estado e muitas rodovias que servem de roteiro para o tráfico.

O delegado da Polícia Civil da cidade, Michel Teixeira de Carvalho, admite também que alguns tipos de crimes fogem da atuação policial ostensiva do Em Frente, Brasil.

Um deles ocorreu na cidade no dia 20 de janeiro, quando foi encontrado o corpo da jovem Layane Aparecida da Silva, 19. Ela estava seminua e com sinais de violência. O principal suspeito do crime alegou legítima defesa. Ele afirmou que convidou a jovem para beber e usar drogas e que ela teria entrado em estado de alucinação e começado a agredi-lo.

“Existem algumas espécies de morte que independem efetivamente de uma atuação policial ostensiva, como situação entre conhecidos e até entre marido e mulher”, justifica Carvalho.

Luana, do Afonso Pena, acredita que esse tipo de delito só vai ser combatido com ações na área social, que serão alvo da segunda fase do programa. “As meninas ainda relatam medo de sair nas ruas pelos bairros e até crises de pânico por causa da violência”, afirma.

A segunda etapa do Em Frente, Brasil ainda está em fase de estudos e planejamento e tem previsão de ações na área social, como na profissionalização de jovens, a partir de março. O governo federal ainda não apresentou detalhamento das medidas. 

 
Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do afirmado, a extensão do município de São José dos Pinhais (PR) é de 1.000 km², não 1 milhão de m². O texto foi corrigido.

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