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Alalaô

Fosso entre escolas e descuido da Liga comprometem espetáculo no Anhembi

Escolas com menos luxo apresentaram ideias mais combativas e fio de energia no caminho silenciou passarela por uma hora

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São Paulo

Cada vez mais os desfiles do grupo especial do Carnaval de São Paulo expõem o abismo entre as escolas com mais e menos apoio e patrocínio. A madrugada deste sábado (22), primeira noite do evento, com uma mãozinha do descuido geral da Liga, reforçou um movimento de disparidade que vem crescendo há anos na festa paulistana. 

Foi evidente a diferença de dinheiro investido nos desfiles de, um lado, Barroca Zona Sul, Tom Maior e X-9 Paulistana e, de outro, Mancha Verde, Acadêmicos do Tatuapé, Dragões da Real e Império da Casa Verde, com leve vantagem para as duas primeiras, vencedoras nos últimos três anos.

mulher com fantasia brilhante e costeiro rosa
Pâmella Gomes, rainha da bateria da Tom Maior, que homenageou Mussum - Ricardo Matsukawa/ UOL

Uma lástima, sobretudo porque as três escolas do lado mais pobre eram as que tinham não apenas os melhores sambas ou melhores premissas de enredo na noite como também as ideias mais combativas e politizadas, embora no desenrolar dos desfiles na avenida as promessas não tenham se concretizado. 

A confusão do chão da escola (os integrantes de alas, que desfilam no chão), atravessando o samba no canto, destruiu o potencial da canção da X-9, por exemplo, e a forma simplista como se desenrolou o enredo da Tom Maior, com alas e mais alas representando apenas personagens, diminuiu a emoção de um samba apaixonante que canta "A minha força pra calar o preconceito/ É coisa de pele, é coisa de preto".

A escola da zona norte apostou num enredo sobre os diferentes batuques do Brasil —impossível, porém, não lembrar do enredo de 2009 do Salgueiro, no Rio, sobre a história e a importância do tambor. Havia belos trechos, como a abertura "Eu sou o samba, rei do povo brasileiro/ Sou o batuque da X-9 nos terreiros/ De ogum meu padroeiro e de todos os orixás/ Na pulsação que vem dos ancestrais" e as levadas que a bateria fez no gingado refrão "O som da marujada/ Na tribo que festeja/ Encanta a batucada/ Começa a peleja".

Já a Tom Maior protagonizou o momento mais politizado do Anhembi em sua primeira noite de desfiles, com alas e um carro dedicado a Marielle Franco, vereadora do PSOL assassinada há quase dois anos.

A Barroca, que dedicou seu desfile a Teresa de Benguela, líder quilombola no Mato Grosso, vestiu seu segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira com máscaras de Frandres, instrumento de tortura usado contra os escravizados que os impediam de comer e beber.

Enquanto isso, Mancha Verde e Dragões da Real vieram com temas impalpáveis e um tanto confusos (perdão e riso), se não já repetidos em outros Carnavais, e Tatuapé e Casa Verde optaram pelas homenagens geográficas (Atibaia e Líbano) que sempre fazem dos desfiles uma espécie de episódio do Globo Repórter.

A Mancha Verde pedia perdão a Jesus pelos erros da humanidade, abrindo uma bandeira enorme na arquibancada com uma imagem de Cristo com a coroa de espinhos. Embora no pedido de ajuda aos presentes que circulou pelo sambódromo eles dissessem que aquilo nada tinha a ver com torcida de futebol, a ideia do bandeirão e a fonte dos dizeres "Pai! Perdoai, eles não sabem o que fazem!” (título de seu enredo) transportou o espectador a um estádio.

Com um samba de onomatopeia do riso, com o refrão "Qua qua ra qua qua/ Deixa as mágoas pra lá", a Dragões tinha mesmo os carros alegóricos mais divertidos, mas que acabaram por chamar mais a atenção pelo caos que causaram no desfile.

Ao sair para a dispersão, no final da passarela, o primeiro carro da agremiação ficou preso na fiação de energia. A culpa não era da escola, já que o carro, pelo jeito, estava dentro dos padrões estabelecidos pelo regulamento. Outro carro bateu em árvores na saída. 

Por que estavam ali os fios? E as árvores? Faltou o trabalho da Liga, que devia ter feito um melhor trabalho preventivo no local e impedido o grande fiasco da noite. Além disso, demoraram a serem transparentes sobre o caso. Na transmissão pela TV, o presidente da Liga, Paulo Sérgio Ferreira, apareceu dizendo, logo após o incidente, que o problema seria resolvido com rapidez, mas o que vimos foi grande parte do sambódromo às escuras e o que ouvimos foi um silêncio de quase uma hora na festa mais esperada do ano pelas escolas.

O resultado foi um atraso geral nos desfiles e duas escolas que fizeram suas apresentações de dia. A mais prejudicada, a Império de Casa Verde, que não contava com a claridade. A X-9, última a desfilar, que já esperava os raios de Sol, terminou sua confusa passagem depois das oito da manhã. 

O fosso que separa, no grupo especial, as escolas com menos dinheiro e as com mais dinheiro —mas que fizeram um Carnaval menos interessante, embora mais correto para obter as mais altas notas— e o descuido da Liga acabaram por reforçar, ao menos na primeira noite, a impressão de que o Carnaval carioca seguirá em outro patamar do da festa de São Paulo. A ver o que a próxima noite nos reserva.

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