Mortes despencam em Ananindeua (PA), onde até lojas funcionam sob grades

Município da Grande Belém teve a maior queda de homicídios dentre as cidades do Em Frente, Brasil

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Agentes da Força Nacional revistam dois homens durante ronda em Ananindeua (PA), uma das cidades que fazem parte do projeto de segurança Em Frente, Brasil

Agentes da Força Nacional revistam dois homens durante ronda em Ananindeua (PA), uma das cidades que fazem parte do projeto de segurança Em Frente, Brasil Zanone Fraissat/Folhapress

Ananindeua (PA)

​"Tá vendo ali, onde aquele ônibus está virando? É área vermelha. Isso significa que, se você entrar, te roubam e te matam”, diz um escrivão da polícia à reportagem, apontando uma região poucos metros adiante da delegacia do bairro do Icuí, na periferia de Ananindeua (PA).

Com pouco mais de 500 mil habitantes e a menos de uma hora da capital Belém, Ananindeua é uma das cidades mais violentas do país. 

Segundo o mais recente Atlas da Violência, com dados de 2017, tem uma taxa de 88,1 assassinatos para 100 mil habitantes —quase três vezes a média do Brasil e quase sete vezes a da capital paulista.

Foi escolhida como uma das cidades-piloto do programa de segurança do governo federal, o Em Frente, Brasil, e recebeu, no fim de agosto passado, 80 agentes da Força Nacional de Segurança Pública.

A maior parte dos índices de violência caiu drasticamente. Houve 62% assassinatos a menos de setembro a dezembro, depois que a Força passou a atuar, na comparação com o mesmo período do ano anterior; a maior queda dos cinco municípios do programa.

Lenar Gonçalves da Silva, 55, perdeu há dois anos o único filho, Bruno Wenderson. Terminado o serviço militar, o rapaz trabalhava como segurança à noite e ajudava a mãe na barraca de churrasquinho.

“Lembro como ontem. Estava aqui comigo, jantou e saiu. Eu estou na churrasqueira e daqui a pouco veio um rapazinho de bicicleta e disse ‘ei, mataram o Bruno’”, diz ela.

O rapaz tomou três tiros na cabeça. A motivação do crime nunca foi desvendada —segundo a mãe, disseram que ele poderia ter se envolvido com a namorada de alguém ou foi morto porque, como trabalhava de segurança, era visto como colaborador da polícia.

Lenar vive no bairro do Icuí, um dos mais violentos da cidade. Por lá há ruas inteiras onde não só casas mas mesmo o comércio é todo coberto por grades, e o cliente, da rua, recebe o produto e faz o pagamento por uma portinhola.

É o caso da mercearia de Caticilene Costa, 40. “Coloquei essa grade porque todo mundo tem. Eu mesma nunca fui assaltada aqui, mas toda a rua já foi”, afirma ela.

Do outro lado da grade, a dona de casa Karina Santos, 40, comentava a insegurança da região. “Meu marido foi assaltado dentro do ônibus duas vezes. Não dá. Por isso ver a Força Nacional aí até dá uma tranquilidade, nem que seja só um pouquinho”, diz.

Mas a cerca não é suficiente para impedir assaltos. Raimundo da Luz, 65, já foi roubado cinco vezes em seu comércio e guarda até hoje uma bala que encontrou no chão. “Infelizmente aqui a gente já está acostumado”, diz ele.

O professor Lair Aguiar de Menezes, do Instituto Federal do Pará, coordenou um estudo para o Ministério da Justiça sobre a situação da cidade.

“Ananindeua sofreu na década de 1970 e 1980 uma explosão populacional desordenada, de pessoas que foram tentar ganhar a vida em Belém e acabaram empurradas para cá. E isso traz problemas”, afirma ele.

“Falta tudo. A cidade é pobre, não tem saneamento, o remédio que eu mais vendo na farmácia é para verme”, diz o farmacêutico Fabrício Souza, 39, que mora no Icuí. “Então as pessoas não têm perspectiva. Você tem que dar uma noção de futuro para elas”, diz ele, que, por isso, fundou uma ONG que atende mais de 500 crianças e adolescentes no bairro.

O secretário estadual da Segurança, Ualame Machado, diz que a região faz parte da rota do tráfico de drogas —tem porto e estradas para escoar a produção de países vizinhos— e foi invadida por organizações criminosas, além de ter uma disputa de pequenas gangues locais e até grupos de extermínio.

Diferentemente das outras cidades do programa federal, a Força Nacional já atuava na região antes do lançamento do programa, a pedido do governador Helder Barbalho (MDB), para combater a epidemia de violência da região, em toda a grande Belém. 

Embora os índices de violência tenham caído expressivamente desde o começo do Em Frente, Brasil, a redução já ocorria desde 2018, em ritmo lento, e mesmo nos meses anteriores de 2019, antes da chegada do governo federal. Os índices caíram também no estado todo, e o Pará terminou 2019 com 30% menos assassinatos que em 2018.

A Força foi importante para a queda nos índices, dizem governo e especialistas, mas o mérito maior na avaliação deles é de um programa estadual, o Territórios pela Paz, que, assim como o programa de Moro, focou regiões mais violentas, mirou gangues e grupos criminosos e levou programas sociais a essas áreas e também em outras cidades, além de Ananindeua.

“Ananindeua fechava com 30, até 50 mortes por mês. Agora fecha com 7, 8. O centro de Polícia Científica começou a trabalhar melhor seus laudos, a fazer comparação de casos, um trabalho de investigação melhor”, diz Ualame.

Para José Maria Vieira, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA e conselheiro da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, a atuação da Força dá um resultado estatístico imediato, que não se sustenta a longo prazo. “O maior exemplo disso são as UPPs, no Rio de Janeiro”, diz. 

“O estado abre mão de sua autonomia. Não vejo nada de mais em pedir ajuda, mas, do jeito que é feito, é atitude meramente propagandista.”

Ualame rebate. “Chamar a Força Nacional não é sinal de que não se está administrando a situação bem. Não, a gente entendeu que precisava de gente, de viatura, de efetivo. Aí fazemos um planejamento conjunto. Não temos com a Força uma disputa interna, não, ela agrega. O planejamento é feito em conjunto. A gente consegue coordenar, conversar”, diz o secretário.

Comandante da missão da Força Nacional em Ananindeua, Yuri Barradas, da Polícia Militar de Pernambuco, diz que as políticas públicas previstas para chegar depois ajudarão a manter os índices de violência mais baixos mesmo após a saída das tropas.

“Existem políticas de segurança pública, que são enfrentamento, policiamento ostensivo, e política pública de segurança, que é todo um aparato social por trás para trazer mais tranquilidade à população. Para que as relações sociais da população consigam ser mais amenas, para ter menos conflitos sociais.”

O secretário municipal de Segurança, Zezinho Lima, ressalta que a integração entre as forças inclui até a guarda municipal, que fornece lanchas para a Força Nacional circular pelos rios da cidade. "Só quem tem a ganhar é a população, que já cansou de ser um dos municípios mais violentos do país. Hoje acredito que vamos retomar esse território e dar tranquilidade para as pessoas", afirma.

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