Descrição de chapéu Alalaô

Pela 1ª vez em 40 anos, Olodum desfila sob comando de uma mulher

Andréia Reis, descoberta aos 12 quando tocava lata na rua, irá reger a orquestra de 120 tambores

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São Paulo

Quando o Olodum se concentrar nesta sexta-feira (21) na rua das Laranjeiras, em Salvador (BA), para a apresentação no Carnaval 2020, um tabu será derrubado. Pela primeira vez desde 25 de abril de 1979,  quando o tradicional bloco foi fundado, o grupo de 120 percussionistas será regido por uma mulher.

A pioneira é Andréia Silva Reis, 44. Cria do Olodum, como se define, ela foi descoberta com 12 anos, quando tocava na rua numa banda de latas, a qual criou com amigos para justamente imitar o famoso bloco afro de percussão.

Cria do Olodum, como se define, ela foi descoberta com 12 anos, quando tocava na rua numa banda de latas, a qual criou com amigos para justamente imitar o famoso bloco afro de percussão.

“Era banda de lata mesmo, de tinta, de tudo quanto é coisa, com plástico e borracha. E a ideia era imitar o Olodum, que tinha aquela música Egito ['Faraó Divindade do Egito']. Era uma forma de reverenciar e o melhor jeito de elogiar o que tínhamos como ídolos.”

A musicista Andréia Silva Reis, 44, primeira mulher a comandar a orquestra de tambores do Olodum no Carnaval, toca instrumento na sede do bloco
A musicista Andréia Silva Reis, 44, primeira mulher a comandar a orquestra de tambores do Olodum no Carnaval - Marcio Carqueija/Fotoarena/Folhapress

O músico Antonio Luis Alves de Souza (1955-2009), o Neguinho do Samba, um dos fundadores do grupo e criador do samba-reggae e da também da Banda Didá (só de mulheres), foi quem convidou a banda de lata para entrar na escola do Olodum.

E logo ali surgiu o primeiro entrave. “Quando a gente foi se inscrever, falaram que só aceitavam homens. A gente reclamou, o Neguinho interveio, e fui aceita”, afirma ela.

Andréia quebrava ali o primeiro tabu no Olodum.

E, assim, seguiu derrubando preconceitos para construir carreira na música do Olodum  e se tornar a primeira maestrina do bloco afro. “Meu pai foi contra no início. Falava que ali não era lugar para mulher. Mas lugar de mulher é onde ela quiser e tiver competência para estar. Então, resisti e ia escondido, com muita ajuda da minha mãe”, afirma.

Ao mesmo tempo em que foi “amolecendo” o pai e abrindo espaço entre os homens da percussão do Olodum, Andréia foi amadurecendo e virou referência no bloco.

“Hoje o Olodum é diferente. Está mais aberto, tem mais mulheres. Mas ainda são apenas 20 de 120 percussionistas”, afirma ela, que toca muitos instrumentos, mas se diz exímia no repique.

Quanto a liderar o grupo na apresentação de Carnaval, ela diz sentir agora o mesmo frio na barriga que sentiu quando viajou pela primeira vez de avião com o grupo. “Você acredita que, com 16 anos, eu toquei no Central Park? Aquilo foi demais, inesquecível”, diz ela, sobre a histórica gravação com Paul Simon em 1991, nos EUA, diante de 750 mil pessoas.

Tão inesquecível quanto sera a apresentação desta sexta, que começa às 17h e invadirá a madrugada, passando por Pelourinho, praça Castro Alves e o Campo Grande —a banda volta a se apresentar, depois, no domingo à tarde.

Com as baquetas de silicone na mão, sabe que na missão de reger os 120 tambores (surdos aros 24, 22 e 20, repique aro 12 e caixa aro 14), terá a ajuda dos principais gurus do Olodum, entre eles Bartolomeu Pereira Nunes, 50, o mestre Memeu, que está no grupo desde 1984. 

“É uma responsabilidade danada. Porque você está à frente da maior banda de percussão do planeta. Quando o Olodum toca, os quatro cantos do mundo escutam, o corpo parado dança, hipnotiza. Então os olhos do mundo se voltam sobre você e a banda. E o comando será dela. Nos 40 anos do Olodum, um ode às mulheres, sem distinção de nacionalidade, raça, cor”, diz ele. 

Na apresentação, que chega a envolver 200 pessoas e, pela primeira vez também, terá as mulheres que tocam à frente, Andréia se inspira em experiências que ainda dominam o seu pensamento. “Eu já fiz solo quando o Michael Jackson veio gravar aqui [o clipe da música ‘They Don’t Care About Us’, em 1996]. Quando estou na música, nada me assusta, eu me transformo. Eu me torno uma gigante”, diz ela, que mede 1,57 m e não usa salto no Carnaval. “Imagina salto nos paralelepípedos do Pelourinho! Eu me garanto. Boto minha marra e vou. E olha que vou de costas. Então o passo tem que ser firme”, brinca.

 

No grande dia, ela diz que seguirá o roteiro de outras apresentações pelo Olodum. “Primeiro, a bênção de minha mãe, dona Santinha. Após a bênção, vou para a concentração três horas antes, para me preparar. E no início do desfile bato três vezes com a baqueta no instrumento e grito: ‘Bora, tocar’. E começa a magia”.

Só uma coisa, porém, a constrange. “Não me pede para tirar foto ou fazer vídeo”. Por quê? “Eu sou tímida”, revela. O administrador e fotógrafo Marcio Carqueija, que acompanha o Olodum há 30 anos, confirma. “Ela é autêntica, mas, quando pega um instrumento, essa mulher se transforma. É impressionante. Não dá para descrever o que será para as meninas verem Andréia liderar a apresentação.”

Quanto a superar novas barreiras, ela diz que, tal como o lema deste ano do Olodum, “Mãe, Mulher, Maria Olodum”, a meta é reverenciar as mulheres.

“Até hoje, da minha turma de lata, só eu e Eliandra Pereira ficamos. Nunca tivemos uma mulher acima de nós na banda e na percussão para que a gente pudesse se espelhar. Mas no Olodum, hoje, temos mais mulheres do que homens em todas as ações, da escola, da sede.”

E, da mesma forma como se apaixonou pelo grupo quando tinha 12 anos, Andréia sabe que, neste Carnaval do Olodum, será ela o exemplo para outras crianças. Quem sabe abrirá caminho para repetir o gesto de Neguinho do Samba e dar a identidade Olodum a outras meninas.

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