Peruqueiro vira hit na noite em SP ao pentear drag queens

Com explosão dos musicais e performances, André Góes ganha até R$ 500 por cada penteado que faz em perucas

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São Paulo

Da calçada se vê na janela do primeiro andar uma peruca rosa-choque fixada numa cabeça de plástico tomando uma brisa. A cena sempre desperta a curiosidade da vizinhança. Mas é dentro da casa que outro hábito é mais recorrente: um varal só de perucas secando à sombra.

André Góes da Silva, 37, é quem alimenta a imaginação dos moradores do Jardim São Jorge, na zona sul da capital paulista. Tanta peruca em sua casa tem uma explicação nada óbvia. 

André não fabrica o acessório nem faz uso dele —não é careca. Tampouco trabalha como drag queen (artista performático que usa maquiagem e peruca exageradas). Erra ainda quem pensa que é ator. 
Mas é por causa da ascensão das drag queens e da ebulição dos musicais em cartaz na cidade de São Paulo que a peruca virou seu ganha-pão.

André vive apenas como penteador de perucas. Ele gosta de frisar: “esse ‘apenas’ leva a entender que a minha profissão é fácil. Mas não é”.

No currículo acumula penteados em perucas de musicais como “O Fantasma da Ópera”, “Gabriela”, “My Fair Lady” e “Sunset Boulevard”, para citar alguns. Também faz a cabeça das drags Rita Von Hunty e Penelopy Jean.

Quando está na chefia da perucaria de um musical, precisa chegar 4 horas antes do início do espetáculo para pentear e conferir o estado dos fios de cada uma das perucas que entrarão em cena, conta. 

Sua função é estratégica. Ele é responsável por pilotar as rápidas trocas de perucas dos personagens com o musical já em cena. Só o “Fantasma da Ópera”, lembra ele, consumiu 210 perucas. “A peruca é um item tão importante que não adianta fala decorada, cenário lindo. Sem ela não há cena, não há personagem.”

O penteador de perucas só carrega um medo na coxia. “Uma peruca pode até cair em cena, mas nunca rasgar. Perder a peruca de um espetáculo é o fim da linha.” E como se rasga uma peruca? Penteando-a com força ou retirando-a da cabeça de forma brusca.

Em seu ateliê diz fazer milagre transformando fios que parecem “bolas de gato velho” em penteados com cabelo sedoso e muito cheiroso. “As perucas das drag queens que batem cabelo nas boates são as mais trabalhosas”, diz, rindo.

Não é só pentear, aliás. André busca devolver o brilho e a maciez dos fios num processo artesanal que dura dois dias e começa com a lavagem do acessório para retirar resíduos, suor e sujeira. Ele trabalha mais com fios sintéticos feitos à base de plástico.

As perucas sintéticas ganharam terreno nos espetáculos porque são mais baratas na comparação com as de cabelo humano. Outra vantagem é que elas conseguem segurar os penteados por mais tempo.

Já lavadas, as perucas são presas num suporte de cabeça e começam a ser penteadas (sempre debaixo para cima) com muito cuidado para não rasgar nem deixar os fios com aquele aspecto de “cabelo de boneca velha”.

André também se vale de um arsenal de bobs para criar ondas e muito volume no penteado. Nessa etapa, ele usa um equipamento que produz vapor de água, lançando os jatos diretamente no fio enrolado com bob para fixar os cachos. 

O mesmo equipamento também alisa as mechas. Depois desse processo, ele deixa a peruca secar. Só no dia seguinte começa o penteado, pondo em prática tudo o que aprendeu como cabeleireiro. “Nesse ramo não tem jeito. Tem que ser cabeleireiro”, diz.

Capacitou-se na área antes de completar os 18 anos. Com o certificado em mãos, trabalhou em salões de grife até montar o seu próprio. “Minha mãe queria que eu fosse torneiro mecânico. Mas fingi fazer o curso que ela queria por seis meses quando, na verdade, eu estava era aprendendo a ser cabeleireiro”, diz.

“Vejo na atitude dela uma forma de proteção. Ela já suspeitava naquela época que eu fosse gay”, completa André, que é casado há 17 anos com um decorador. “Minha mãe respeita tanto a minha profissão que hoje pede para eu fazer o cabelo dela e das amigas.”

O profissional cobiçado entrou no ramo por indicação de uma amiga há cinco anos. Já na estreia trabalhou com Cláudia Raia. Não parou mais.

Ri toda vez que se depara com o espanto das pessoas quando revela seu ofício. “Eu só obtive vantagem quando deixei o meu salão para só pentear perucas. Era muita energia gasta com as clientes.”

Mas a vantagem é também financeira. “Cobro R$ 300 só para lavar e manter a peruca. Se for para fazer um penteado, o valor sobe para até R$ 500 dependendo do comprimento e do estado dos fios.”

No silêncio de seu pequeno ateliê, busca inspiração num quadro na parede que mostra as diferentes fases da carreira de Madonna. Gosta da foto em que a cantora aparece numa apresentação no MTV Video Music Awards, de 1990, vestida com trajes e peruca pomposa do século 18.

“Amo essa época em que as perucas precisavam de uma armação interna”. Em suas pesquisas, soube que as mulheres da realeza punham bacon na peruca para desviar a atenção de piolhos e carrapatos para o pedaço de gordura.

No Brasil, ele acha que a peruca não “pegou” pelo calor e pelo pudor. “Elas acham que estão sendo falsas ao esconderem o seu cabelo”. Mas a Rihanna e Beyoncé não estão nem aí com isso, completa.

Neste ano, está escalado para pentear as perucas do musical “Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolate”, que estreia em março. Também vai pentear as madeixas dos participantes de um programa que será exibido num canal fechado de televisão.

Um de seus planos, diz, é montar um ateliê fora de casa para ganhar espaço e criar o próprio acervo de perucas. “Vou conseguir alugar perucas já penteadas. Será um grande passo no meu negócio.”

Se a peruca fosse para ele, se fosse mulher ou drag queen, diz que a inspiração viria da cabeleira loira da apresentadora Hebe Camargo (1929-2012), mas com uma diferença: “O penteado seria mais sexy”.

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