Ação da PM em Paraisópolis teve apagão digital com GPS desligado e desconexão com central

Relatório da Corregedoria também cita policial com fogos de artifício e disparos com arma de fogo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A operação da Polícia Militar de São Paulo que resultou na morte nove pessoas em Paraisópolis, durante baile funk no final do ano passado, teve uma espécie de apagão tecnológico, com GPS de carros desligados, desconexão com a Central de Operações (Copom) e contato entre policiais via celular, aponta relatório da Corregedoria. 

De acordo com o documento, ao qual a Folha teve acesso, as viaturas que participaram da operação em Paraisópolis estavam com o sistema de rastreamento desligado —na única em que o equipamento estava acionado ele não funcionou.

O acionamento ocorre quando o PM faz o login do tablet ao assumir o serviço e o desliga ao fim do turno de trabalho. Trata-se, assim, de algo obrigatório, “inerente ao serviço de patrulhamento ostensivo, tanto para segurança das equipes quanto para fiscalização”. Os policiais e os oficiais responsáveis pela fiscalização trabalho de patrulhamento podem ser punidos em casos de terminais deslogados.

No meio policial, o entendimento é que um PM só desliga (ou deixa de ligar) esse sistema de rastreamento quando pretende realizar alguma ação ilegal.

O relatório da Corregedoria aponta ainda que, além dos rastreadores desligados, houve casos de aparente erro dos GPS. O policial informou ter socorrido uma das vítimas até o hospital, mas o sistema informa que a viatura não saiu do lugar.

Indagada a respeito das falhas listadas no relatório da Corregedoria, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) apura todas as circunstâncias relativas aos fatos, incluindo as responsabilidades civis.

“Os laudos periciais já concluídos, de acordo com a autoridade policial, demonstram que as vítimas têm traumas compatíveis com pisoteamento. O conjunto probatório pericial é analisado pelo DHPP”, disse o organismo em nota. 

“A Corregedoria da PM esclarece que, após o pedido de cota ministerial, novas apurações relativas ao referido inquérito policial militar estão em andamento e elas seguem em sigilo [...] Após a conclusão dessas diligências, o IPM [inquérito] será remetido à Justiça Militar e ao Ministério Público, órgãos competentes para a análise.”

Ainda de acordo com o documento, os policiais da Rocam (motos) perseguiram bandidos em uma moto XT 660 até o fluxo onde estava ocorrendo o baile funk.

Gravações do Copom, feitas naquela madrugada, confirmam ter havido essa perseguição, o que se tornou uma das evidências favoráveis aos PMs. "Copom, Herbert Spencer, 660 preta jogou para cima da equipe", disseram os policiais, usando jargão, conforme o registro. "Jogou para cima" significa atirar.

Os policiais da Rocam citam que, para evitar confrontos, saíram do local, quando “tentaram modular com o Copom, porém não obtiveram êxito”. Assim, se verdadeira essa versão, houve uma pane no centro de operações ou na viatura policial.

O texto também diz que, durante a ação, a oficial responsável pelos policiais “solicitam para que as viaturas aguardassem para que entrassem juntos naquele local [baile funk]”. Porém, a moto da Rocam “já estava pela rua Ernest Renan com Rodolf Lotze, sendo agredida pelos frequentados e já tinham iniciado o lançamento de granadas [de gás], bem como efetuado tiros com munição de impacto controlado”. 

Outra informação que aparece no documento é a de que a oficial responsável pela operação usou o telefone celular, não o rádio, para dar ordens aos policiais. 

“Após alguns minutos, a 2ª tenente PM Aline ligou no celular do declarante, pedindo um QSO [contato pessoal] na viela da rua Ernest Renan, onde havia nove pessoas feridas aparentemente por pisoteamento” diz o documento. 

O relatório também informa que, embora policiais tenham afirmado não ter feito disparos com armas de fogo, o teste para as armas deu positivo para disparo recente. A perícia não cita quão recente, e a Corregedoria menciona que os policiais fizeram treinos com as armas, em datas diferentes, entre fevereiro e o novembro de 2019. 

Outro ponto levantado foi o suposto uso de morteiros tipo fogos de artifício contra os frequentadores do baile funk, com base em imagens captadas. “Morteiros não fazem parte dos equipamentos de dotação da Polícia Militar do Estado São Paulo e se confirmado seu uso em uma ação desta magnitude, configuraria flagrante imprudência daqueles que a utilizaram.” 

No entanto, como as imagens foram classificadas como de baixa qualidade, o laudo pericial foi inconclusivo. “Pela insuficiência de provas, não se pode imputar a nenhum policial militar tal ação que ora seria imprudente”, diz o inquérito. 

A Corregedoria tampouco chegou a conclusões sobre imagens de violência policial disseminadas online: “Não foi possível identificar todas as ocasiões falta de elementos característicos do tipo data/hora/local, por isso algumas inconclusivas e aquelas que foram possíveis suas identificações, instaurou-se inquérito policial", afirma o texto.

O relatório traz vários depoimentos de testemunhas civis, que relatam as agressões, mas não solicita a responsabilização dos policiais. A única menção de apuração disciplinar é quando se relata o fato de os terminais de dados móveis, que incluem GPS, estarem deslogados durante a ocorrência.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.