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Catadora faz sabão para morador de rua e vaquinha leva lanches a hospital

Com pandemia, farmácia distribui álcool em gel e foliões vão entregar cesta básica a ambulantes do Carnaval

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Josué Seixas Marcello Oliveira Bibiana Maia
Maceió, Belo Horizonte e Rio de Janeiro

Cacilda Souza, 41, é catadora de recicláveis em Ourinhos, no interior de São Paulo. Pedro Henrique Fernandes, 35, é dono de farmácia em Belo Horizonte. Amanda Britto, 33, e Isadora Tenório, 30, participam de blocos de Carnaval no Rio.

De idades, profissões e regiões distintas, brasileiros resolveram ajudar suas comunidades diante da pandemia do novo coronavírus. Distribuíram sabão e álcool em gel, doaram dinheiro para comprar cestas básicas, entregaram lanches e pizzas de graça em hospitais e até fizeram outros gestos simples, como instalar uma pia do lado externo do prédio ou fazer orientação médica gratuita por telefone.

No interior paulista, a catadora de materiais recicláveis Cacilda Souza produziu 350 kits de garrafinhas de água e sabão, cada uma com 500 ml, e os entregou a moradores em situação de rua.

Sozinha, produziu em casa o sabão líquido colocado em garrafinhas pet —com materiais que coletava nas ruas, além de R$ 70 de investimento próprio. Para cada pessoa que recebe o kit há uma mensagem: “Se cuide, porque você é especial”.

Cacilda Souza com kits de água e sabão que entrega na cidade de Ourinhos (SP)
Cacilda Souza com kits de água e sabão que entrega na cidade de Ourinhos (SP) - Arquivo pessoal

A ideia surgiu, segundo ela, porque catadores de reciclagem e moradores de rua não são bem tratados na cidade. Por meio das redes sociais, Cacilda pediu às pessoas que entregassem mais materiais para que ela continuasse a produção.

“Tenho contato com os moradores de rua todos os dias. Comemos juntos, rimos juntos, sei o quantos eles sofrem. As pessoas precisam respeitar essas classes, porque também sofremos igual”, disse. Entre as conversas, a catadora também conscientiza sobre a importância da higienização neste momento de pandemia.

Em Maceió, empresários de quatro restaurantes se organizaram para enviar sanduíches e pizzas gratuitamente a profissionais de saúde do HGE (Hospital Geral do Estado). Foram 300 kits (comida e refrigerantes) entregues no fim de semana, com mensagens de agradecimento por atenderem os pacientes.

“Foi uma enorme satisfação receber todo esse carinho a todos os profissionais de saúde do HGE, em geral! Aos maqueiros, vigilantes... Estamos passando por uma fase turbulenta, mas que venceremos no final, com certeza!”, disse a enfermeira do HGE Fernanda Albuquerque.

Profissionais de saúde em Maceió com kits de lanches comprados por clientes
Profissionais de saúde em Maceió com kits de lanches comprados por clientes - Israel Santos

Também em Maceió, a ONG Manda Ver instalou duas pias com água encanada e deixou sabão para que os moradores da favela do Vergel do Lago usem gratuitamente. Na comunidade, não há água encanada nem banheiros. A instalação aconteceu no último domingo (22), segundo Carlos Jorge, criador da ONG, que também se organiza para fazer doações às famílias.

Em Belo Horizonte, o empresário Pedro Henrique Fernandes, 35, resolveu ajudar os moradores do bairro Alto Vera Cruz. Ele é dono de uma drogaria que vende remédios a preço de custo na região.

Fernandes gastou R$ 6.200 do próprio bolso e encomendou 90 litros de álcool em gel, que foram fracionados em embalagens individuais de 50 ml e distribuídos no último dia 20.

“É um povo que não tem dinheiro para comprar o álcool em gel, então fizemos essa ação para distribuir o álcool e dar dicas de como se prevenir”, disse. Para evitar aglomerações no interior da loja, algo que deve ser evitado ao máximo neste momento, apenas uma pessoa entrava no estabelecimento por vez.

O estoque acabou, e ele negocia a vinda de um novo lote com o fornecedor --para distribuir novamente.

Também na capital mineira, idosos em isolamento tiveram a ajuda voluntária de um vizinho. O médico Carlos Eduardo Viterbo, 34, continua prestando serviços normalmente ao SUS, mas dedicou os momentos de folga a ajudar os vizinhos. No grupo de WhatsApp do prédio, escreveu que se dispunha a auxiliar os que estão em casa.

“As pessoas estão muito assustadas e desorientadas, não sabem o que fazer quando têm algum sintoma", conta ele. "Então eu ajudo pessoalmente ou pelo WhatsApp mesmo, com orientações simples, de quando realmente elas devem ir à UPA, quando o melhor é permanecer em casa, faço a renovação da receita médica deles, enfim, o máximo para que evitem sair de casa".

Em Farroupilha, na serra gaúcha, em menos de uma semana moradores fizeram uma arrecadação e conseguiram levantar quase R$ 1 milhão em doações. Até o momento, já são R$ 800 mil depositados em uma conta para montar cinco novas UTIs, incluindo os respiradores.

Com o dinheiro garantido, o Hospital Beneficente São Carlos já encomendou os materiais. O novos leitos garantem uma ampliação de 50% da capacidade.

Atualmente, Farroupilha tem dez leitos de UTI para atender os municípios da região —são mais de 300 mil habitantes que contavam com essa estrutura, explica Francis Casali, coordenador do Comitê de Gestão de Crise de Farroupilha e secretário municipal do Turismo.

“É uma corrente do bem que foi se espalhando. Iniciamos no sábado (21) e no mesmo dia levantamos R$ 400 mil. Unimos vereadores de diferentes partidos e recebemos doações também Nova Roma do Sul, cidade próxima que também precisa do hospital”, disse Casali à Folha.

As doações partiram de 700 pessoas ou empresas, que doaram quantias que variavam de R$ 50 até R$ 50 mil, explica o coordenador.​

No Rio, as foliãs Amanda Britto, 33, designer e criadora de conteúdo, e Isadora Tenório, 30, assistente de direção de arte, iniciaram uma vaquinha para tentar ajudar os ambulantes que acompanham os blocos de Carnaval não só na data da folia mas também em ensaios ao longo do ano.

A campanha Unidos pelos Ambulantes​ vai converter dinheiro em cestas básicas e botijão de gás para esses parceiros informais dos blocos. A meta era arrecadar R$ 7.000, mas a dupla conseguiu R$ 10 mil, o que deverá ajudar, de início, a 30 ambulantes. Agora, querem tentar parceira com supermercados para ampliar as doações.

Além das doações de cesta básica e botijões, a ideia é tentar uma parceira com aplicativos de celular para que possam entregar a bebida estocada em casa, no formato delivery. "É uma forma de mostrar quem são os ambulantes que também fazem o carnaval acontecer com a bebida gelada e ajudar neste momento difícil", explica Amanda.

No centro do Rio, o autônomo Eli Ferreira, 54, atendia na manhã desta quinta (26) uma longa fila de moradores de rua. Todo dia, ele tem se deslocado da ilha onde mora —Paquetá, que fica a mais de uma hora de barca— para distribuir café e pães na região.

​Ele já fazia isso há muitos anos, mas normalmente só ia duas vezes por semana. "Como todas as organizações pararam, tem uma semana que estou trazendo todo dia, porque eles quase não têm nada para comer de manhã. É um pouquinho que eu vou fazendo", diz, com uma máscara azul abaixada no queixo.

Colaboraram Paula Sperb, em Porto Alegre, e Tércio Teixeira, no Rio

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