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Comparação entre países sobre coronavírus é imprecisa

Número de pessoas testadas distorce análise sobre velocidade e letalidade da doença

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São Paulo

Você provavelmente se deparou nos grupos de WhatsApp com gráficos mostrando a velocidade com que o novo coronavírus se espalhou em diferentes países. E como o Brasil está melhor que outros. Mas há também mensagens dizendo que estamos piores, na verdade.

Direto ao ponto: é praticamente impossível fazer uma comparação precisa entre nações nessa pandemia. As nações estão adotando diferentes estratégias de medição de casos.

Antes de entrarmos nas especificidades dos países, o resultado final dessas discrepâncias pode ser visto nesses próximos gráficos.

Passados 20 dias após a primeira detecção da doença, a Itália contava com apenas 3 casos confirmados. Nessa mesma janela de tempo, a Coreia do Sul possuía 28 casos.

A Itália estava melhor que a Coreia? Nos dados sim, mas na realidade, provavelmente, não.

No 40º dia, a realidade estava posta. Já eram 1,7 mil casos confirmados na Itália, o triplo do que na Coreia; 827 mortes na Itália, país que demorou para tomar medidas de contenção do vírus; na Coreia, eram 28 mortes.

A quantidade de pessoas testadas é fundamental para entender a diferença na evolução da doença nos dois países.

Com populações parecidas, a Itália fez até agora 150 mil testes, a metade do que na Coreia, segundo compilação da Universidade Oxford (grupo Our World in Data).

Na Itália, novo epicentro da pandemia com mais de 40 mil casos e 3.400 mortos, o critério de testagem é parecido com o brasileiro —somente os pacientes com sintomas como falta de ar, febre e tosse fazem o exame, que consiste na pesquisa do material genético viral em amostras do trato respiratório (como um esfregaço da mucosa nasal ou catarro).

Por lá somente laboratórios de referência são habilitados para realizar os exames.

Da forma como está configurado o sistema italiano (e de outros países, como China, EUA e Brasil), os casos assintomáticos podem passar despercebidos. Um estudo recente da revista Science calcula que a maior parte da transmissão acontece por quem tem poucos ou nenhum sintoma.

Governos têm resistido, por causa do custo, a adotar testagem em massa. O preço de custo de um teste varia entre R$ 100 e R$ 350, segundo laboratórios públicos e privados.

Já a Coreia do Sul promove abrangente política de testagem, desde o início da pandemia, e de isolamento de infectados. O resultado: uma curva epidêmica com ritmo de crescimento bem lento, seja porque desde o início já se sabe o número próximo real de infectados, seja porque as medidas de contenção começaram rapidamente.

Um dos segredos da agilidade coreana é a lei do país que autoriza a confecção de testes de forma expressa, durante emergências de saúde. A lição foi aprendida após o país ter casos de Mers (síndrome respiratória do Oriente Médio) em 2015. Hoje, a Coreia do Sul pode realizar até 20 mil testes por dia.

Metodologias

Há ainda mudanças de curso dentro dos próprios países. Em fevereiro, o balanço em Hubei (então epicentro da doença, na China) passou a incluir como infectados pacientes cujos exames de imagem do pulmão apresentassem sinais de pneumonia, sem a necessidade de esperar o exame laboratorial.

A mudança na metodologia fez com que, de um dia para ou outro, o número de contágios aumentasse 15 mil, chegando a 60 mil naquele momento --distorcendo as análises de propagação e letalidade.

Nesta semana, no estado de Nova York, o número de casos aumentou 70% em dois dias, principalmente porque cresceu o número de laboratórios autorizados a fazerem o teste. Ou seja, as infecções já deveriam existir, mas não eram contabilizadas até então.

Divergências acadêmicas

A forma de se usar os dados sobre o novo coronavírus despertou debate no meio acadêmico. Professor de estatística e medicina na Universidade Stanford, John Ioannidis publicou texto na última terça (17) dizendo que “o mundo está tomando decisões sem ter dados confiáveis”.

Ele questiona, por exemplo, a proporção de pessoas infectadas que morrem. A Organização Mundial da Saúde tem divulgado que são 3,4%, mas esse é um número que não foi obtido por meio de pesquisa com a população inteira, testagens aleatórias.

O professor de Stanford compara essa taxa ao apresentado entre os passageiros do navio Diamond Princess, que teve uma pessoa a bordo com a doença e, então, quase todos os demais foram testados. Nesse caso, a letalidade foi de apenas 1% nas contas do pesquisador, e ainda dentro de uma população majoritariamente idosa, que tem mais risco de morrer por causa do vírus.

Ioannidis afirma parecer precipitado fechar cidades inteiras em suas casas, derrubando a economia mundial, sem que haja bom grau de certeza de quão letal ou transmissível é o novo coronavírus. “Não sabemos se o número de infecções é o triplo ou 300 vezes maior do que o apurado."

Essa posição mereceu rápida resposta de outro epidemiologista, Marc Lipsitch, da Universidade Harvard. Ele concorda que os dados disponíveis não são completamente satisfatórios, “mas já sabemos o suficiente para agir”.

O professor diz que o número de mortes na Itália devido à doença (foram 427 apenas nesta quinta, 19) e a velocidade inicial da epidemia na China são casos suficientemente fortes para adoção medidas restritivas à população, na tentativa de reduzir a contaminação.

Entre os epidemiologistas há o entendimento de que o número de mortes é uma forma mais confiável de se avaliar a gravidade da pandemia.

O Brasil tinha até esta quinta (17) contabilizado sete mortes, número baixo para se identificar tendências. Mas já evidenciaram a imprecisão do número de infectados, pois ao menos três desses casos nunca constaram como casos confirmados, mesmo recebendo atendimento hospitalar.

Colaboraram Raphael Hernandes e Diana Yukari

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