Consultas psiquiátricas duram só 9 minutos no Piauí, diz CRM

Demanda é alta e há poucos médicos; ideal pelo conselho médico seria consulta de ao menos 40 minutos

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Teresina

Em uma casa alugada de quatro cômodos, um psiquiatra do Caps 1 (Centro de Atenção Psicossocial) no Piauí chega a atender por dia de 40 a 50 pacientes com transtornos mentais. Ante a demanda, o tempo de atendimento é em média 9 minutos e 36 segundos, segundo a vistoria realizada pelo CRM (Conselho Regional de Medicina) do Piauí.

Uma consulta deveria durar no mínimo 40 minutos, segundo o conselho. Tanto a estrutura como a jornada do médico estão fora do padrão do Ministério da Saúde que recomenda atendimento de 20 pacientes por dia, neste tipo de Caps, em prédios com pelo menos 23 cômodos.  

A média no Piauí também é menor do que orienta a esfera federal. O CFM (Conselho Federal de Medicina) recomenda mínimo de 15 minutos para uma consulta em clínica-médica de forma geral —não há orientação sobre tempo no caso da psiquiatria.

Acúmulo de lixo em área externa de Caps em Simões
Acúmulo de lixo em área externa de Caps em Simões - CRM-21.nov.19/Piauí

Todos os 65 Caps do estado foram inspecionados de janeiro de 2018 a dezembro de 2019. A vistoria constatou que 37% dos centros não possuíam banheiros nem pias (internas ou externas) para a higienização das mãos pelos profissionais. E na grande maioria (82% dos Caps) não há banheiros adaptados para deficientes.

Nas cenas encontradas pelos fiscais no Piauí, havia Caps com mofo nas paredes, acúmulo de lixo nos quintais, banheiros sem espaço para a passagem de cadeirantes e sala com o forro do teto cedendo.

Mesmo com deficiências nas unidades, pacientes de Teresina defendem a mudança na qualidade de vida deles após serem atendidos nos Caps.

"Não tenho mais crise, e cada vez mais tenho fé de viver em sociedade. Aqui, tenho alimentação, remédios, dança, médicos e não fazemos coisas erradas", disse Francisco das Chagas César Ribeiro, 45. Diagnosticado com esquizofrenia, ele é paciente do CapsAd do bairro Cidade Nova, que atende 1.100 pessoas por mês.

Outra paciente, de 28 anos, relatou não sofrer mais crises de esquizofrenia desde que passou a frequentar, há cinco anos, o Caps 2 do bairro Pio 9º. Ela, que não quis ter o nome divulgado, diz não ter o que reclamar: afirma que vai ao médico o centro uma vez por mês e fica de 15 a 30 minutos com ele, além de participar de atividades como artesanato e pintura. A unidade atende mais de 800 pessoas.

A maioria deles, 68%, é Caps 1, o de menor complexidade, que faz atendimento diário a adultos, sem internação, para transtornos mentais severos e persistentes. São serviços mantidos pelas prefeituras e governo federal, que envia recursos para custeio.

Nos Caps do Piauí, são realizados 198,5 consultas com médicos por mês. Para o CRM, o ideal seria o mesmo número de atendimentos em jornada de 40 horas semanais, que atenderia cerca de dez pacientes por dia. A maioria dos municípios contrata médico para atender uma vez por semana, o que superlota o serviço, segundo o CRM.

O Caps 1, segundo recomendação do ministério, deve ter pelo menos um médico com formação em saúde mental para que cada profissional atenda 20 pacientes por turnos.

"A pasta recomenda que os Caps funcionem no período de 8h às 18h, em dois turnos, durante os cinco dias da semana (Portaria 336/2002)", diz a nota da Saúde.

Já o Caps 3, que trabalha em regime de 24 horas para receber pacientes de urgência e com surtos, é recomendado ter de plantão dois médicos psiquiátricos para atender 40 pacientes por turnos. O Caps 3 é indicado para cidades com no mínimo 150 mil habitantes.  

Segundo o CRM, a maioria dos contratos entre médicos e prefeituras é informal, mas que o ideal para o órgão seriam contratações com carteira assinada com jornadas de 20 a 40 horas semanais. O Piauí tem 3,1 milhões de habitantes, e dos 224 municípios apenas 50 cidades possuem Caps.

Segundo a presidente do CRM do Piauí, Mírian Palha Dias Parente, o tempo de nove minutos é insuficiente para se chegar a um diagnóstico preciso de transtorno mental.

Não existe uma recomendação com tempo de atendimento para o médico psiquiátrico, diz Parente, mas, nas especialidades como da saúde mental, o profissional precisa de no mínimo de 30 minutos a 40 minutos para uma avaliação segura.

“Alguns pacientes têm dificuldades para se comunicar. O médico precisa ouvi-los para fazer um diagnóstico. Se tem um médico que precisar ouvir é o psiquiatra. Nove minutos é um tempo curto e ainda tem a pressão por ter uma fila enorme para ser atendida”, disse a presidente.

“Em alguns locais, os médicos atendem uma vez por semana, em outras cidades a cada 15 dias e uma vez por mês. Estamos com esse vazio demográfico de médicos”, disse a presidente.

O levantamento constatou que 91% dos Caps no estado não atendem as exigências mínimas de estrutura.Segundo  o médico fiscal do CRM, Juarez Holanda, que participou da fiscalização dos Caps, 31% dos centros vistoriados não tinham psiquiatras, apenas médico com formação em saúde mental.  

O CRM afirmou que os resultados da fiscalização foram encaminhados para as Secretarias de Saúde do estado e dos municípios, além da Associação Piauienses de Municípios (APPM) e para o Conselho Federal de Medicina (CFM).

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