Descrição de chapéu Folha Mulher

Cresce percentual de mulheres em São Paulo que dividem igualmente cuidados com filhos, diz pesquisa

Especialistas apontam discussões sobre direitos, desaquecimento da economia e conquista de espaço profissional por mulheres como razões

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O percentual de moradoras de São Paulo que dizem dividir os cuidados dos filhos de forma igual com outra pessoa cresceu nos últimos anos: foi de 12% em 2018 para 37% em 2020. Já a quantidade das que afirmam não compartilhar a tarefa com ninguém caiu de 27% para 18% no período. 

É o que mostra a pesquisa “Viver em São Paulo: Mulher”, sobre a qualidade de vida das mulheres na capital paulista, realizada pela Rede Nossa São Paulo e pelo Ibope Inteligência e divulgada nesta quarta (4). 

Foram entrevistadas 800 pessoas de 16 anos ou mais, sendo 430 mulheres. As entrevistas foram feitas de entre os dias 5 e 19 de dezembro de 2019 de forma presencial e online. Algumas questões foram voltadas apenas ao público feminino. A margem de erro é de três a cinco pontos percentuais para mais ou para menos.

Há discrepância nas respostas dadas por mulheres e por homens. Entre os homens com filhos, 55% afirmam dividir os cuidados de forma igual com outra pessoa. Os que dizem não compartilhar a tarefa com alguém são 5%. Não há base comparativa porque é a primeira edição em que a pergunta é feita ao público masculino. 

Para a psicóloga e colunista da Folha Vera Iaconelli, houve um reconhecimento nos últimos anos de que a mulher tem o direito de dividir a função. 

“As mulheres reclamavam de fazer as coisas sozinhas, mas não tinham reconhecimento próprio ou social de que a divisão não se trata de privilégio, capricho ou ajuda”, diz. “Elas agora não só começam a exigir que parceiros compareçam e se responsabilizem pela função como estão deixando de assumir sozinhas.”

O tema, diz ela, tem sido discutido na academia, e chega a movimentos civis e redes sociais, que potencializam as transformações. “Se antes algo levava décadas para ser modificado, hoje as mudanças são rápidas”, afirma. 

O desaquecimento da economia, a conquista de espaço profissional por mulheres e mudanças de paradigma na sociedade (como a extensão da licença-paternidade de 5 para 20 dias em 2016) podem ter contribuído para um maior compartilhamento da função, diz Carolina Guimarães, coordenadora da Rede Nossa São Paulo. “É uma tendência. A criação dos filhos não é mais papel só da mulher”, diz. 

Analista em uma rede varejista, Thais Benchimol, 35, diz que, se não é exatamente igual, a divisão de cuidados do filho de 3 anos com o marido, o servidor público Eduardo Rodrigues, 36, é, ao menos, justa. 

Como o companheiro tem uma jornada de trabalho mais reduzida e flexível (ela fica fora de casa por cerca de 12 horas por dia), ele fica encarregado de passar a manhã com o filho e levá-lo à escola. No fim do dia, é ela quem busca o menino. “A divisão da criação e de tudo que envolve é fundamental. Afinal, a concepção foi uma decisão conjunta”, afirma ela. 

Benchimol só não abre mão de arrumar a mochila do filho para a escola do dia seguinte: “Faço questão, já que fico poucas horas do dia com ele”.

Os afazeres domésticos, tais como lavar a louça, limpar a casa e preparar refeições, ainda recaem mais sobre as mulheres em alguns casos, segundo a pesquisa. 

Cerca de um terço delas (32%) concordam que as tarefas são de responsabilidade de mulheres e homens, mas que elas fazem a maior parte. Considerando os entrevistados do sexo masculino, 25% endossam a afirmação. 

Apenas 3% delas e 7% deles afirmam que os encarregados pela maior parte das atividades do lar são os homens. 

Para 45% dos entrevistados, as tarefas são divididas de forma igual. A percepção de que os afazeres domésticos são divididos do mesmo jeito entre ambos os sexos é maior entre homens (52%) do que entre mulheres (39%). 

A estudante Valéria Gomes, 26, e o professor Gustavo da Cruz, 31, instituíram regras para arrumação da casa logo quando foram morar juntos em um imóvel em Santa Cecília, na região central da capital paulista, há dois anos. 

Funciona assim: numa semana um cuida da cozinha e do quarto, enquanto o outro fica responsável pela limpeza do banheiro e da sala. Na seguinte, o inverso. A faxina costuma acontecer no fim de semana. 

“Sempre fomos muito organizados. Eu tenho mania de limpeza e ele, de organização”, conta ela. “Fizemos a divisão para ninguém ficar sobrecarregado.”

A rega das plantas, o preparo da comida e o cuidado com a cachorra também são feitos com base no esquema de revezamento ao longo da semana, apesar de nem sempre conseguirem seguir tudo à risca. 

Gomes conta que há familiares que recriminam a divisão. “Há pessoas, como mãe e tios, que acham que tenho que fazer tudo. Dizem: ‘ah, mas coitado, ele vai lavar a louça?’ Muito ridículo”, conta a estudante. “Achar absurdo eu ter que lavar o banheiro ninguém acha.”

A violência contra a mulher também é alvo do levantamento. Aumentou a quantidade de mulheres que relatam ter sofrido abuso em transporte coletivo (de 25% para 43%), abordagem desrespeitosa (13% para 31%), assédio no trabalho (16% para 22%) e importunação em carros vinculados a aplicativos de transporte (de 4% para 10%) de 2018 para 2020. 

Segundo a pesquisa, 63% das moradoras da capital paulista já sofreram algum tipo de abuso. 

Para elas, o lugar no qual correm mais risco de sofrer algum tipo de importunação é o transporte público (46%), mais do que na rua (24%) ou em bares e casas noturnas (8%). 

Para denunciar agressores, as mulheres dizem preferir aplicativos (32%) do que centrais de atendimento (25%), como o Ligue 180, ou delegacias da mulher (21%). 

“É natural, tudo que se faz atrás da tela é mais simples do que presencialmente. E não se pode ignorar que, em certa medida, é reflexo de um atendimento muitas vezes precário do poder público, que desincentiva a denúncia”, diz Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

“Mas não dá para substituir a denúncia presencial em casos de agressão física e sexual por causa do exame de corpo de delito.”

Quanto ao combate à violência de gênero, o aumento da pena para agressores foi a medida prioritária mais citada (48%), como nos dois anos anteriores. Entre mulheres, a preferência é maior (50%, ante 45% de homens). Mas segue tendência de queda.  

Em seguida, aparecem como soluções a aceleração de investigações (40%), a ampliação dos serviços de proteção às mulheres (39%) e a criação de novas leis (34%). Cada entrevistado podia escolher 3 opções entre 12 alternativas.

Entre as opções que ganharam apoio nos últimos anos estão o fortalecimento de serviços de assistência social e a criação de políticas de segurança comunitária que aproximem a população de agentes de segurança. 

“Prisão e leis penais são importantes para punir agressores, mas, por si só, não são solução, em especial para pessoas em situação de vulnerabilidade que sofrem com a violência”, diz Bueno. “Essas pessoas precisam de acolhimento e atendimento adequados.” 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.