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Thiago Amparo e Juliana Palma

Medidas emergenciais não violam a lei

Legalidade pressupõe que sejam temporárias, proporcionais e com respeito a agentes de saúde

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Thiago Amparo Juliana Palma
São Paulo

É nas emergências que a força —e os limites— da lei são testados. Governos nos três níveis (federal, estadual e municipal) adotaram nos últimos dias medidas excepcionais com vistas a conter a transmissão comunitária do novo coronavírus, que vão desde a interrupção de aulas e de algumas atividades econômicas como shoppings e academias até apoio policial para cumprimento compulsório de medidas recomendadas por equipes de saúde, se preciso.

As diversas medidas de enfrentamento do coronavírus foram previstas nas normas a partir da experiência nacional de combate a epidemias, como a febre amarela, dengue, chikungunya e zika (Lei 13.301, de 2016). Em geral, não são fórmulas novas. Praticamente todas encontram correspondência internacional, sendo hoje utilizadas pelos países para conter a disseminação dos casos de coronavírus.

Policiais detém homem que violou ordem para ficar em casa em Tegucigalpa, Honduras
Policiais detém homem que violou ordem para ficar em casa em Tegucigalpa, Honduras; lei brasileira prevê medidas para caso de emergência sanitária - Orlando Sierra/AFP

Entre os exemplos mais simbólicos estão a realização compulsória de exames médicos e testes laboratoriais, a vacinação obrigatória e a restrição de entrada e saída do país, previstas, inclusive, na lei 13.979, de fevereiro deste ano, para combater a atual pandemia. A atuação policial deve ser operacionalizar, quando necessário, as medidas de saúde pública, nunca tomar para si as decisões nesta seara.

Conforme previsto no decreto municipal editado nesta terça-feira (17) pelo prefeito Bruno Covas, o poder público também pode requisitar bens e serviços particulares para serem empregados no combate ao coronavírus, como por exemplo leitos em hospitais particulares ou uso de prédios comerciais. Esta é uma hipótese já prevista na Constituição Federal (art. 5º, XXV), ensejando indenização justa em momento posterior.

Em comum, essas medidas operam independentemente da vontade do particular. Também não dependem de prévia autorização judicial ou controladora, já que, além de serem autoexecutáveis, as ações tomadas pelo poder público requerem velocidade de implementação.

Isto, por óbvio, não configura um cheque em branco para o poder público. Excepcionais sendo, tais medidas devem ser temporárias (enquanto durar a declaração de emergência pública pela Organização Mundial da Saúde), estritamente proporcionais à gravidade da situação, e implementadas com base em evidências científicas aferidas por determinação das autoridades de saúde.

O dever de motivar é insuperável, muito embora as dificuldades reais enfrentadas devam ser consideradas. Abusos e desvios de finalidade dolosos, se ocorrerem, poderão e deverão ser posteriormente repreendidos pelo Judiciário.

Na segunda-feira (16), os principais especialistas em direitos humanos das Nações Unidas emitiram comunicado conjunto no qual alertaram para a legalidade de medidas de emergência. Ressaltaram, no entanto, que "declarações de emergência baseadas no surto de Covid-19 não devem ser usadas como base para atingir grupos, minorias ou indivíduos específicos". Impede, portanto, que a polícia atue de maneira discriminatória contra um grupo ou uma região sem razões objetivas e médicas para tanto.

"Tais medidas não devem servir de cobertura para ações repressivas sob o pretexto de proteger a saúde, nem devem ser usadas para silenciar o trabalho dos defensores dos direitos humanos," complementam os especialistas. Pela lei brasileira, todas as medidas devem ser mínimas, limitando-se ao indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.

Se coletivas, medidas devem visar primeiro evitar aglomerações. Se individuais, medidas devem ser fundamentadas em análises médicas de cada caso. Isso respeitado, as instituições de saúde pública terão a autoridade legal necessária —sem necessitarmos de medidas mais extremas como estado de defesa ou de sítio, hoje descabidas.

Thiago Amparo é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP e colunista da Folha

Juliana Palma é professora de direito administrativo e coordenadora do Grupo Público da FGV Direito SP

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