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Meninas prestes a nascer têm a espera marcada por medo de abuso e barreiras

Mães pretendem ensinar suas filhas sobre respeito ao corpo e a buscar realização profissional

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São Paulo

Está tudo pronto para a chegada de Odara. As paredes e enfeites coloridos da casa da psicóloga Michele Ponse, 30, pouco lembram o enxoval estritamente cor-de-rosa escolhido na primeira gestação, há sete anos.

"Na gravidez da Maria Eduarda, aos 23 anos, minha preocupação era entregar o TCC [trabalho de conclusão de curso] na faculdade", lembra. Odara é a terceira filha de Michele e chega em um momento em que a mãe diz estar "bem mais consciente sobre a maternidade".

Essa consciência citada pela mãe se reflete nas preocupações que têm com as filhas. O assédio é uma delas.

Esse temor é compreensível quando se observam os resultados da pesquisa "Viver em São Paulo: Mulher", da Rede Nossa São Paulo, divulgada na última quarta-feira (4). No levantamento, 63% das paulistanas declararam ter sofrido algum tipo de assédio. 43% delas disseram que o local onde mais correm risco é no ponto de ônibus, seguido pela rua, com 24% das respostas.

"Não tem como a gente controlar o mundo, por isso invisto na educação sexual e no ensino da autorresponsabilidade para minhas filhas". Desde cedo, Maria Eduarda, 7, e Maya 6, aprenderam sobre as partes do corpo, quem pode tocá-las, quais cuidados devem ter com elas e o respeito com que devem ser tratadas.

Segundo a mãe, o respeito inclui não furar a orelhinha da bebê que está prestes a nascer, diferentemente das duas primeiras filhas. Para ela, a obrigatoriedade do uso do brinco para diferenciar a filha de um menino é uma espécie de invasão. "Se um dia ela desejar furar a orelha dela para colocar um brinco, ela irá escolher, pois o corpo é dela."

Michele Ponse com as filhas Maria Eduarda e Maya; ela está grávida da terceira menina e ensina as filhas sobre cuidados com seus corpos desde cedo 
Michele Ponse com as filhas Maria Eduarda e Maya; ela está grávida da terceira menina e ensina as filhas sobre cuidados com seus corpos desde cedo  - Bruno Santos/Folhapress

A realização das meninas também é motivo de reflexão. "Não quero que elas cresçam pensando em que profissão terão no futuro, mas sim em quem elas serão e no que elas manifestarão de si no mundo", diz a moradora de Santo André (ABC Paulista).

Na mesma ansiedade das 39 semanas de gestação, a manicure Laysla Santana da Silva, 18, tem uma série de expectativas para sua menina. Entre elas está a de que Aylla seja independente e realizada profissionalmente.

Moradora do Capão Redondo, em São Paulo, a mãe também teme que a primeira filha sofra algum tipo de violência.

"É o medo que toda mulher tem de ser abusada, de andar sozinha de noite na rua. Se eu tivesse grávida de um menino, certamente não teria essas preocupações", afirma Laysla.

Outra preocupação refere-se à saúde mental da filha. "Vejo muitos adolescentes com depressão por não terem apoio em casa. Algumas famílias acham que é frescura e não dialogam. Espero ser amiga dela, quero ajudá-la no que for possível."

A gestante brinca que, se pudesse, "guardaria a filha em um potinho" para protegê-la. "Quero achar uma forma de protegê-la sem proibi-la de nada", pontua a mãe.

O apoio que pretende oferecer à filha é o mesmo que recebe hoje da sua mãe, Alessandra Santana, 40. Na expectativa da chegada da primeira neta, a avó vai hospedar a bebê, Laysla e o marido, Diony, 25, por pelo menos 40 dias. A ideia é que o casal tenha suporte familiar no início da vida da pequena. "Ela está bem babona, creio que vai querer fazer mais coisas pra bebê do que eu", diz Laysla.

Grávida de 24 semanas de Gabriela, a engenheira química Andrea Kumruian, 39, também teme que a filha sofra preconceito ou assédio pelo fato de ser mulher. "Eu gostaria que ela pudesse andar na rua sozinha aos 12 anos ou transitar nos meios públicos sem que eu tivesse que me preocupar", afirma a mãe.

"Também tenho receio em relação à criminalidade e ao uso de drogas, mas isso ocorreria se fosse um menino também". Andrea afirma que o local onde a filha estudará deve se refletir nas influências que ela receberá. "Com quem ela vai conviver, em qual grupo de amizades, em que região, tudo isso interfere muito", diz.

Andrea também deseja que a filha não tenha um salário reduzido ou seja preterida em alguns cargos quando entrar para o mercado de trabalho --o que relata ter visto acontecer com colegas próximas. O levantamento da Rede Nossa São Paulo também indicou que 31% das mulheres ouvidas disseram ter sofrido algum tipo de preconceito ou discriminação no trabalho pelo fato de serem mulheres.

Já a enfermeira obstetra Marina Murad Loli, 32, grávida de duas meninas, explica que suas inquietações estão relacionadas à forma como elas vão tratar as pessoas ao redor, como terão consciência ambiental e protagonismo em suas vidas. "Entendo que com esse senso de respeito ao próximo, em todas as suas formas, combinado à autoconsciência de que o sucesso da vida delas depende fundamentalmente delas, as meninas terão os principais elementos para vencer na vida", diz a mãe, que está na 30ª semana.

Marina conta que pretende repetir com as filhas a cumplicidade que tem com a mãe, Suely Murad Loli, 58. 


"Sempre fui muito envergonhada, mas, apesar disso, ela sempre abordou com muita naturalidade temas como sexo e drogas comigo. Acredito que isso fez toda diferença para que eu me tornasse a mulher que sou hoje. Quero muito poder passar isso para as minhas filhas e prepará-las para o mundo, como minha mãe me orientou e me guiou", afirma a mãe, que mora no bairro do Ipiranga, em São Paulo.

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