Descrição de chapéu Coronavírus

No 1º dia de quarentena em SP, comércio ainda tem dúvidas

Trabalhadores buscam o que comer, com restaurantes fechados apostando em entregas

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São Paulo

O boteco no centro de São Paulo onde há dias senhores tomavam cerveja e jogavam no bicho agora fechou a maior parte das portas, colocou uma mesa na entrada para improvisar um balcão e só entrega marmitas.

“É o que dá para fazer, meu filho, para tentar sobreviver. Dispensaram os garçons e fiquei aqui sozinho com o cozinheiro. Mas o movimento tá fraco, fraco. Não sei se tá valendo a pena”, diz Francisco dos Santos, 59, um dos donos.

Passou a valer nesta terça-feira (24) decreto do governo de São Paulo que estabelece o fechamento de lojas, bares, restaurantes e cafés por 15 dias, como medida de combate à disseminação do novo coronavírus. A aposta desses estabelecimentos para garantir alguma renda é nos serviços de entrega, que estão liberados.

Na capital paulista o apagão foi gradual, porque desde sexta-feira (20) os comércios não essenciais já estavam impedidos de abrir por determinação da prefeitura —mas restaurantes funcionavam normalmente.

O centro da cidade estava, em geral, vazio na tarde desta terça. Ruim para quem procurava o que comer, como Maria Aparecida, 58, funcionária de um call center na rua Sete de Abril.

“Tem gente, como nós, que não parou, e está difícil achar alguma coisa aberta para comer. Pelo menos a partir de amanhã eu vou ficar em casa, porque tenho pressão alta. Mas meus colegas vão continuar vindo”, diz.

O serviço de call center foi listado, entre outros, pelo governador João Doria (PSDB) como exemplo do que ainda pode funcionar, para desespero dos trabalhadores da área. “Comer não pode num salão com 20 pessoas, mas ficar 500 num andar não tem problema”, reclama um trabalhador que prefere não ser identificado.

“Almoço, agora, só se trouxer de casa ou comprar algo no mercado. Está complicado e preocupante”, diz Lucas Paulino, 20, que trabalha há um ano num mercado no centro.

O coronavírus não é o único problema de quem ainda bate cartão no trabalho. Mais de uma pessoa reclamou do medo ao andar pelos calçadões vazios do centro. “Cuidado por onde anda aí, boy, porque os caras colam mesmo, guarda esse celular”, recomenda um morador de rua à reportagem. A partir de quarta-feira (25), moradores de São Paulo poderão registrar pela internet também queixas de roubo.

As lojas fechadas deram cara de feriado a vários dos pontos movimentados da cidade. O largo da Concórdia, no Brás, costumeiramente tomado por ambulantes e clientes das lotadas lojas de tecido, tinha apenas guardas civis e moradores de rua. Também vazia estava a avenida Paulista.

A obrigação de fechar comércio, no entanto, ainda causa algumas dúvidas.

Débora Dias, 50, abriu normalmente nesta terça sua loja de produtos de limpeza, também no centro da cidade —com dois papelões pintados que deixam claro que não há mais álcool em gel.

“Sou pequena, sou pobre, sou trabalhadora. Preciso funcionar. Ninguém passou aqui para explicar quem pode ficar aberto ou não, o pessoal fechou porque vê na mídia. Eu sou mercado de produto de limpeza, já li tudo e não entendi se posso abrir”, afirma, que diz que que, embora o movimento tenha caído um pouco, a procura por material de limpeza ainda é alta.

À Folha, a Prefeitura de São Paulo disse que "por se tratar de um comércio de higiene entra na relação de atividades consideradas como essenciais".

A administração municipal diz que há 2.000 agentes conscientizando comerciantes nas ruas e que informa os munícipes por carros de som, além dos canais oficiais como o site da prefeitura e o Diário Oficial. Até o momento, nenhuma multa foi aplicada contra quem descumprisse a determinação.

Não foi só o centro que apagou. A rua dos Pinheiros, na zona oeste da cidade, outrora com restaurantes lotados na hora do almoço, não tinha ninguém.

Na tradicional Cantina Gigio, os donos adaptaram um espaço para entregadores de aplicativo, deram treinamento aos motoboys da frota própria e agora vai criar até um drive thru, onde motoristas podem fazer pedidos e pegar a comida sem precisar sair do carro.

“Estamos nos adaptando a esse novo modelo, inclusive fazendo um trabalho de marketing. Produzimos menos comida, só o que devemos vender no dia. Alguns motoboys têm preferido usar máscara. É um processo de aprendizado também”, afirma a nutricionista do restaurante Geovana Marques, 23.

Embora os restaurantes apostem no delivery, entregadores dizem que o movimento ainda está baixo.

“O clima tá tenso. Tem muita gente trabalhando, mas tem menos entrega. Trabalho 12 horas por dia e ganho R$ 700 por mês. Estou nessa desde o ano passado porque o desemprego está grande”, diz à reportagem Ricardo Cunha.

“E os aplicativos não oferecem nada, máscara, álcool em gel, melhores condições de trabalho. Tá difícil”, resume.

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