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Para evitar aglomerações, Bom Prato serve marmita 'express' para comer em pé

Restaurante fecha salões, mas segue fornecendo refeição a R$ 1 no estado de SP

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São Paulo

No centro esvaziado de São Paulo, a rua general Júlio Marcondes Salgado, no bairro de Campos Elíseos, amanheceu tomada por usuários do Bom Prato nesta terça-feira (24). Foi o primeiro dia no qual o serviço, que oferece almoço e jantar por R$ 1, passou a servir refeição em marmita para evitar aglomerações dentro da unidade.

A Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social disse, em nota enviada à Folha, que a procura pelo serviço desde o último dia 16 caiu 30%. A unidade de Campos Elíseos, no entanto, bateu sua meta de 1.900 marmitas e cinco pessoas não puderam ser atendidas.

A região é uma das que mais agregam população vulnerável. São moradores em situação de rua e usuários de drogas, em um momento em que os serviços sociais estão sendo interrompidos com a crise financeira e a desistência de voluntários com o medo do novo coronavírus.

Movimento no Bom Prato nos Campos Elíseos, em São Paulo; com salão fechado, pessoas comem na rua
Movimento no Bom Prato nos Campos Elíseos, em São Paulo; com salão fechado, pessoas comem na rua - Eduardo Anizelli/ Folhapress

A poucos metros dali, na rua Helvétia, por exemplo, havia uma instituição católica que fornecia mais de cem refeições por dia e já não atende mais.

Sem poder permanecer no salão diante da pandemia, idosos, moradores de rua, garis, motoboys e profissionais autônomos ficaram na fila por até 30 minutos. Pagaram R$ 1, alguns utilizaram álcool em gel sobre um balcão improvisado e saíam com a sua embalagem de isopor (feijão, arroz, coxa de frango e abobrinha).

Boa parte, desinformada das novas regras, comia com a mão; outros faziam da tampa da marmita uma colher. No final da refeição, muitos deixaram embalagens e resto de comidas espalhados pelo chão.

A cidade tem 24,3 mil pessoas em situação de rua e, dessas, 2,2 mil têm mais de 60 de idade, segundo o censo da prefeitura divulgado em 2019.

Apesar da maioria da clientela estar em situação de rua, a assessoria da Secretaria do Desenvolvimento Social recomenda que o consumo seja feito em domicílio. "Por isso mesmo não entregamos talheres para consumo imediato. Vamos continuar reforçando esta orientação para nossa equipe e usuários do restaurante", disse nota enviada à Folha.

Das 11h às 12h30, 1.250 marmitas foram servidas. No total foram feitos 320 kg de carne de frango, 240 kg de arroz, 200 kg de abobrinha e caldeirão equivalente a 200 litros de feijão, segundo a nutricionista e gerente do restaurante, Irine Souza.

Idosos, como o aposentado Lindoberg Bezzera Queiroz, 92, desafiavam o perigo da Covid-19. Ele mora sozinho, próximo ao Metrô Santa Cecília, e diz que há anos faz suas refeições no Bom Prato.

A unidade no Campos Elíseos foi fundada em 2001 e é uma das únicas que ficam abertas aos sábados e domingos.

Nesta terça, Queiroz manteve a rotina de ir até o local com passos lentos e prosas com os vizinhos. “Essas doenças não pegam em mim, não”, disse Queiroz.

Para o motoboy Márcio Rogério Campos, 50, a Covid-19 é uma invenção para satisfazer interesses comerciais. Campos mora em Osasco e, por conta do custo-benefício, almoça nas unidades Bom Prato.

“Espero que eles não fechem o Bom Prato, porque em um restaurante qualquer a gente gasta mais de R$ 15”, disse o motoqueiro, que ficou na fila, mas, ao saber que talheres não seriam fornecidos, desistiu e foi almoçar em sua casa na Grande São Paulo.

Segundo Célia Parnes, secretária estadual de Desenvolvimento Social, o formato express vai garantir a continuidade do serviço voltado a população mais vulnerável. “Esta e outras medidas da pasta social estão sendo anunciadas como parte dos esforços de combate ao coronavírus”, disse.

Em todo o estado, são 59 unidades funcionando e mais de 90 mil refeições servidas diariamente. O governo paulista concede subsídio de R$ 4,70 para cada refeição de adulto e de R$ 5,70 para crianças com até seis anos, que não pagam.

A reportagem ouviu mais de dez relatos. Ao contrário de Queiroz e Campos, a maioria demonstrava preocupação com a pandemia e as suas consequências. “Vocês, jornalistas, sabem se vão conseguir achar uma vacina?”, perguntou Junior Pereira, 34.

Natural da Bahia, ele mora em uma pensão na região do Brás desde 2012 e é autônomo: vende doces na
rua, e está desde a semana passada se alimentando no Bom Prato.

“A gente vem com medo de pegar o vírus, mas o dinheiro parou de circular. Eu me alimentava num restaurante no Brás, fazia bico para eles, mas fecharam semana passada. Acho que até dono de banco vai falir dessa vez”, disse Pereira.

O baiano fez uma cobrança ao serviço. Lamentou que, além de ter que comer na rua, o Bom Prato tenha parado de oferecer pão e suco a partir desta terça.

A gerente do Bom Prato disse que, por conta do custo extra com as embalagens, o governo estadual manteve apenas a refeição.

A Secretaria disse que foi necessário fazer ajustes no cardápio por conta da acomodação nas embalagens e acomodação dos alimentos. A pasta disse que o preço das embalagens, no entanto, não interferiu no serviço. "As medidas foram tomadas com base na saudabilidade e qualidade dos alimentos."

O jardineiro Cláudio Ferreira da Silva, 47, mora em uma pensão na região da Luz. A diária custa R$ 10 e, como ele diz, "a comida, é a gente que se vira". Nesta terça, o jardineiro foi um dos primeiros a chegarem no local, e com o seu talher. “Vim cedo [10h30] para evitar o tumulto, não teve jeito. Eles [funcionários do restaurante] pedem para manter distância mínima de um metro, ninguém respeita.”

O pedreiro Anderson Oliveira, 34, trocou a Bahia por São Paulo há oito anos. Mudou com a expectativa de crescer na construção civil. Sem emprego, Oliveira conta que não conseguiu mais pagar um aluguel, fez amigos nas ruas e mora em um centro de acolhida mantido pela prefeitura na Barra Funda.

“Não gostaria de vir, eu vi na televisão o quanto falaram para evitar aglomeração. Mas, se eu não comer aqui, vou passar fome. Adianta eu não correr risco e morrer de fome?. Espero que não fechem.”

A situação, nesta terça, deixou vizinhos ao restaurante irritados. Severínia Gomes de Araújo Mesquita, 57, e Rita de Cássia, 56, moram diante do Bom Prato Campos Elíseos.

“Falam, falam para evitar aglomeração, mas olha como está a frente do condomínio. E o lixo que deixaram, alguém vai recolher? E que horas? Devem ter cuidado com moradores de ruas e com a gente também”, reclamou Cássia. “A Prefeitura devia ter mandado gari para cá.”

Apenas um funcionário do restaurante passou a recolher o lixo por volta das 12h30.

Mesquita conta que, no sábado, ligou para o serviço 190 da Polícia Militar. Foi orientada a ligar para o 156 (Prefeitura), que pediu para que ela ligasse para o 153 (Guarda Metropolitana).

“Fizeram piada comigo. Sábado tem feijoada e lota. Nós não podemos nem abrir as janelas porque me contaram que o vírus fica até nove dias contaminando o ar. Aqui tem famílias, idosos e crianças.”

No final do expediente, por volta das 15h, a equipe do Bom Prato recolheu uma parte do lixo.

“Disponibilizamos lixeira, mas não conseguimos ter o controle. Os moradores fazem até abaixo-assinado, ligam para polícia, mas esse serviço é essencial e não pode fechar”, disse Souza.

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