Descrição de chapéu Coronavírus

Brasileiro percorre 155 km em média para conseguir internação ou cirurgia

Pesquisa do IBGE, adiantada para auxiliar a traçar políticas contra coronavírus, mostra que poucas cidades concentram os serviços de saúde no país

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Rio de Janeiro

Três vezes por semana, Ângela Maria Silva, 50, acorda às 4h30 para esperar a van do estado passar em frente à sua casa, às 6h. Então começa o trajeto de três horas e meia até a capital, incluindo as paradas para pegar mais dez pessoas no caminho.

​Ela mora em Epitaciolândia, cidade acriana de 18 mil habitantes na divisa com a Bolívia, e percorre os 230 km até Rio Branco para fazer o tratamento de hemodiálise, que lhe impõe essa rotina há seis meses e já lhe tirou o trabalho como cuidadora. Só volta para casa lá pelas 21h.

Ângela está entre os muitos brasileiros acostumados a encarar longas distâncias quando precisam de serviços de saúde públicos ou privados, concentrados em poucos centros urbanos. O IBGE mediu esses deslocamentos em 2018 e, diante da pandemia do coronavírus, decidiu antecipar a divulgação dos resultados.

A distância média percorrida em busca de atendimentos de alta complexidade no país é de 155 km, o equivalente a uma viagem entre São Paulo e Piracicaba. Isso inclui tratamentos especializados envolvendo internação, cirurgia, tomografia, entre outros, que é o caso dos pacientes graves de Covid-19.

Já para os serviços de baixa e média complexidade —como consultas, exames clínicos, pequenas cirurgias e outros que não incluam internação— o deslocamento médio é de 72 km, próximo ao que levaria o percurso entre São Paulo e Santos.

É importante ressaltar que essas distâncias são hipotéticas. É como se pegássemos uma régua e traçássemos no mapa do Brasil linhas retas entre as cidades onde as pessoas moram e as cidades onde elas buscam atendimento em saúde. Portanto, no mundo real, elas são ainda mais longas.

“Não é um fenômeno novo, mas agora essas informações são úteis porque podem ajudar a identificar municípios e áreas que, por estarem mais distantes, precisam de políticas públicas, como um transporte para algum centro ou um hospital de campanha”, diz o geógrafo Bruno Hidalgo, gerente de redes e fluxos no IBGE.

Também seria possível cruzar esses dados com números da saúde, como a quantidade de hospitais, leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e respiradores existentes, e identificar unidades que tendem a ficar mais sobrecarregadas, porque absorvem a demanda de outros cidades.

Manaus é um exemplo disso. É a única cidade com leitos de UTI públicos no Amazonas, estado com maior taxa de incidência da Covid-19 no país. Todos eles já estão ocupados, portanto os pacientes passaram a ser internados em leitos clínicos. Só há vaga quando alguém morre ou recebe alta.

Segundo o IBGE, as pessoas percorrem 491 km até Manaus para atendimentos de alta complexidade e 418 km para baixa e média complexidade, as maiores médias entre as capitais brasileiras. O Norte em geral é a pior região, com 276 km e 136 km, respectivamente.

“O estado do Acre não oferece transplante há dois anos, sendo que os pacientes migram para o Rio Grande do Sul. Tem gente que espera em Porto Alegre há dois anos”, exemplifica Maria de Lourdes Alves, presidente da Fenapar (federação nacional de pacientes renais e transplantados).

Já no Sudeste e no Sul, a demanda se dilui entre cidades de menor porte no interior. A menor média de deslocamento para serviços de alta complexidade é a do Rio de Janeiro (67 km), onde locais como Campos de Goytacazes, Volta Redonda, Itaperuna e a mineira Muriaé também são atrativos.

São Paulo tem um grande polo que é Barretos, referência em tratamentos de câncer. A cidade recebe pacientes de 122 cidades de 8 estados diferentes, incluindo Rondônia, Pará e todo o Centro-Oeste. “Mas não é a regra existirem Barretos nos estados”, pondera Hidalgo.

O levantamento foi feito pelo IBGE em 5.503 dos 5.570 municípios do país, com questionários aplicados à prefeitura, ao correio e ao cartório desses locais —instituições que, segundo o geólogo, costumam conhecer bem as dinâmicas urbanas.

Não foram incluídas as cidades com mais de 300 mil habitantes ou que “apresentam alto nível de centralidade de gestão do território”, ou seja, que conseguem suprir os serviços da sua própria população. Isso significa que nenhuma capital integrou o levantamento.

O restante da pesquisa Regic (Regiões de Influência das Cidades), que deve ser divulgada em junho, analisa, por exemplo, até onde as pessoas vão para estudar, comprar roupas ou usar o aeroporto. Mas a publicação da parte da saúde foi adiantada para ajudar o Ministério da Saúde e a Fiocruz na elaboração de estratégias contra a Covid-19.

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