Descrição de chapéu Coronavírus

Detalhes do plano de saída só serão anunciados em 8 de maio, diz Doria

Governador de São Paulo (PSDB) se inclui entre arrependidos de ter votado em Jair Bolsonaro e diz que bandeiras da carreata que pedem AI-5 são repugnantes

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São Paulo

João Doria virou o "pai" da paralisação brasileira quando, em conjunto com o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, do mesmo partido (PSDB) e apadrinhado por ele, determinou a quarentena atual em 21 de março. Pela importância de São Paulo, isso detonou um "efeito dominó" em outros estados e capitais.

Na tarde desta quarta (22), o governador de São Paulo anunciará um plano de saída do isolamento, de novo o primeiro estado a fazer isso. O político tucano conversou sobre esse e outros assuntos com a Folha por cerca de 50 minutos nesta terça (21), por teleconferência.

Como não errar a mão na duração da paralisação, uma vez que, diz a lógica política, quanto maior a quarentena no país, maior o estrago na economia, portanto maior a sua chance de vitória nas eleições presidenciais de 2022? Obedecendo à ciência. Aqui seguimos rigorosamente o que a ciência e a saúde determinam. Nem a política nem a economia. São Paulo saiu na frente porque a recomendação da ciência foi nesse sentido. E isso nos permitiu ter uma curva 30% mais baixa do que a do Brasil.

Não há economia que possa sobreviver a um saldo de mortes, em que pessoas padecem, sofrem, perdem vidas, amigos que se vão, familiares que são sepultados, a um cenário macabro. Preciso primeiro salvar vidas. Salvando vidas, salvaremos também a proteção social, aqueles que precisam de ajuda nesse momento para sobreviver.

Na sequência vem a recuperação econômica, lembrando que o isolamento em São Paulo foi o mais leve de todos os implementados pelos estados. Foi bastante bem planejado para permitir que as atividades essenciais fossem preservadas, seja pelo abastecimento no dia a dia das pessoas, seja para garantir minimamente que empregos pudessem ser mantidos e atividades pudessem funcionar, seguindo o protocolo de saúde.

Exemplo concreto: todas as fábricas de qualquer tipo de produto em São Paulo estão abertas e em funcionamento, não apenas as de alimentos e produtos de higiene e limpeza. Nunca foram fechadas. Exatamente para permitir não só o abastecimento mas preservar empregos e atividade econômica. Não há vínculo político. Não sigo aqui orientação da política, mas a saúde e a ciência. Assim seguiremos.

O governador de São Paulo, João Doria, usa máscara durante a crise do coronavírus, no Palácio dos Bandeirantes
O governador de São Paulo, João Doria, usa máscara durante a crise do coronavírus, no Palácio dos Bandeirantes - Gabriel Cabral/Folhapress

O Datafolha mostrou que 17% dos eleitores de Jair Bolsonaro se arrependem de ter votado nele. Na reta final das eleições de 2018, o sr. ligou sua imagem à do presidente e se beneficiou eleitoralmente disso. É um dos arrependidos? Sim. Fiz campanha me posicionando contra esquerda, o PT. O outro candidato era Jair Bolsonaro. Por ser candidato, eu tinha que ter um lado, que não poderia ser o do nulo ou em branco. Nunca fiz isso.

Mas não tinha a perspectiva de ter um presidente que pudesse vir a ter comportamentos tão irresponsáveis, tão distantes da verdade, tão condenáveis sobretudo numa situação de pandemia como essa. Há quatro mandatários assim [no mundo]. Três são ditadores, um da Nicarágua e dois de repúblicas que pertenceram à União Soviética [Belarus e Turcomenistão]. Esses três ditadores negaram a pandemia e vêm orientando equivocadamente as populações.

E o outro foi o presidente Jair Bolsonaro, que felizmente não conseguiu implementar a sua irresponsabilidade, pois os 27 governadores dos estados tiveram uma posição oposta e defenderam a vida.

O sr. já chamou o ex-presidente Lula de "preguiçoso" e "covarde". No começo do mês, porém, trocaram declarações elogiosas. Não teme que isso cobre um preço em 2022? Não estou preocupado com 2022. Estou preocupado em salvar vidas, e, na sequência, recuperar a economia. Não há sentido político, eleitoral, ideológico no que tenho feito, e tenho certeza que os que estão no caminho certo têm este sentimento.

O sr. pode adiantar algo sobre o plano de saída a ser anunciado? As escolas reabrirão? Vamos enunciar algumas dessas medidas amanhã [quarta-feira, 22], mas não vamos detalhá-las, porque vamos seguir os passos da ciência, que orienta fazer isso mais adiante. Primeiro, vamos medir o resultado do isolamento, se a população está respondendo bem. Até aqui diria que, na média, sim. Mas é importante que ela continue para alicerçar este programa que virá depois da quarentena, após 10 de maio.

Segundo: analisar quantas pessoas estarão infectadas nas próximas duas semanas e quantas infelizmente virão a óbito. Terceiro: capacidade de atendimento e suporte da saúde pública e privada no estado de São Paulo. Isso será diário, e a troca de informação entre a saúde e a economia serão ainda mais intensas.

Por isso, amanhã [quarta] nós vamos dar o enunciado para a população, mas os detalhes e as fases deste protocolo, que será heterogêneo, só serão anunciados no dia 8 de maio.

Pelo plano, a região metropolitana de São Paulo, inclusive a capital, poderá ficar isolada, com pessoas impedidas de entrar e sair? Não há essa expectativa, e nenhum dos protocolos que foram analisados até aqui indicam a necessidade de isolamento de cidade ou região. Mas volto a dizer: a ciência evolui, a equipe vai acompanhar dia a dia e fazer suas averiguações e tomar suas decisões e compartilhar com a área econômica. Eu serei obediente às duas.

As equipes da saúde e da economia em muitos momentos devem se opor, e o sr. acaba sendo o fiel da balança. No primeiro momento saúde deve ter levado a maior parte das demandas e agora a parte econômica se sobrepõe? A premência de atender às demandas da equipe econômica se faz presente agora. Como já falei, a primeira tarefa é salvar vidas. Em segundo lugar, mas igualmente importante, é salvar a vida daqueles mais pobres, desempregados, que integram esse cinturão de pobreza em torno da capital e da região metropolitana de São Paulo. O tema econômico se insere não só durante o período da pandemia mas no planejamento do período pós-pandemia. Não há necessidade de estabelecer posição em prol de uma área e contra outra.

Hoje o estado está testando 2.000 pessoas por dia, e deve chegar a 8.000/dia em maio. Sem chegar a 10 mil testes por dia em uma população de 46 milhões, como terá capacidade de detectar focos de contágio e agir rapidamente para isolá-los, uma vez colocado em prática esse plano de saída? Esse é um problema que não afeta só o Brasil, mas todos os países onde há o coronavírus. Tanto que as informações são projetadas e estimadas dentro das circunstâncias de que a medicina dispõe. Em todos os países, talvez com duas exceções ou três —Hong Kong, Singapura e Coreia do Sul — isso ocorreu.

[José Henrique Germann, secretário da Saúde] Nós devemos zerar aquilo que estava atrasado nesta semana, pelos dados que o Butantan nos apresentou . Dentro disso, em um ambiente de saída [da quarentena], o que nos interessa passa a ser a sintomatologia. Toda a área de atendimento básico da prefeitura e do estado está alerta nesse sentido —com qualquer indicativo de que um paciente precise ser internado, ele vai ser internado. Não temos nenhuma modificação do ponto de vista assistencial.

As carreatas de que o sr. tem sido alvo têm algumas bandeiras que ferem a Constituição, como pedir a volta do AI-5, da ditadura, defesa do golpe militar, o que é ilegal. A PM deveria agir, reprimindo tais manifestações? As manifestações têm sido acompanhadas pela Polícia Militar, e a orientação dada ao secretário de Segurança Pública é que esse acompanhamento seja feito e não haja interrupção de vias.
Essa orientação foi reforçada por mim nesta semana para que não haja interrupção do direito de ir e vir das pessoas, ainda que o movimento seja menor, em especial na av. Paulista, onde há vários complexos hospitalares.

Em relação às bandeiras ilegais, há algo a ser feito? Entendo que, ainda que sejam condenáveis, do ponto de vista de serem inconstitucionais e até repugnantes —e digo isso na condição de ser filho de um ex-deputado federal cassado pelo golpe de 1964 e que sofreu dez anos de exílio, com dois dos quais eu convivi—, a manifestação é de livre direito de quem quer se manifestar.

Desde que não seja uma autoridade pública, evidentemente. Uma autoridade pública com mandato não deve se pronunciar em circunstâncias como essa, ferindo a Constituição. Aqueles que se manifestam, vejo com tristeza. Pessoas desejando a volta da ditadura, o fechamento do Congresso, do Poder Judiciário, especialmente do STF, e esse é um posicionamento que pode levar o Brasil às trevas. Mas entendo que a maioria não pensa assim. Críticas podem existir, mas dentro do processo democrático.

Temos o governo federal em atrito com a maior parte dos governadores, em conflitos muitas vezes resolvidos pelo próprio STF. A Federação parece estar sob um teste de estresse. Vai chegar a um ponto em que o sr. se recusará a cumprir uma determinação do presidente se julgar que ela é prejudicial a São Paulo? Sempre tomarei atitudes amparadas pela lei. Se tiver de recorrer à lei para objetar uma decisão que coloque em sofrimento e em risco a vida dos habitantes de São Paulo, utilizarei a lei para proteger nossa decisão, e não o farei à revelia dela.

O estado de São Paulo tem sido punido pelo governo federal nessa crise de alguma maneira? No repasse de verbas e equipamentos, por exemplo? Sim. Isso se evidenciou quando o Ministério da Fazenda, por determinação da Presidência, se opôs à medida do Congresso no projeto complementar de lei para ajudar todos os 27 estados brasileiros tomando como referência a arrecadação de ICMS. É uma atitude claramente retaliatória. Não produziu resultado, o governo foi derrotado por 432 a 70 votos, numa demonstração clara de independência do Legislativo —lembrando que o Pacto Federativo é um instrumento que consta na Constituição brasileira, e ela não pode ser atropelada pela vontade de um presidente da República.

O sr. tem dito que a taxa ideal de isolamento é de 70%. Ela tem variado em torno da dezena dos 50%. A partir de que número o sr. pretende tomar medidas mais duras e quais seriam? Precisamos que a população siga fazendo sua parte, mantendo o isolamento, e que de forma geral possamos estar nessa faixa [50% a 60%], que o comitê [de saúde] entende aceitável para o planejamento que está sendo feito para a saída da quarentena, nesses protocolos que não serão homogêneos e que serão praticados se o achatamento da curva se mantiver como tem se mantido em São Paulo, abaixo da média nacional, e se não estivermos sob nenhum risco de colapso no sistema público de saúde e também no privado.

É uma convocação para que a população de São Paulo continue solidária e convença aqueles que podem não estar sendo solidários para que façam um esforço adicional. Se ajudarem, vai passar, e mais rápido.

Se não conseguirmos manter esse nível de isolamento, haverá multas? Prefiro fazer um apelo à consciência das pessoas. Com ajuda da população nós retomaremos a economia gradualmente nesses protocolos que serão anunciados.

pressão de parte dos prefeitos dos 645 municípios paulistas para abrir tudo. Como lidar com isso? Diálogo. Temos conversado com os prefeitos que se sentem mais pressionados por suas populações. É um comportamento normal. O que não vamos permitir é confronto nas decisões do estado porque elas se aplicam, até 10 de maio, a todos os 645 municípios. Na etapa posterior, aí sim, [a quarentena] será estabelecida por regiões e cidades e, em algumas cidades onde for possível haver relaxamento, ele será aplicado em etapas, de forma zelosa e cuidadosa.

Há quem diga que a economia não vai sair a mesma desta quarentena. O sr. concorda? Ninguém sairá igual desta pandemia. É uma transformação no mundo. Há um lado triste desta crise que são as mortes, as pessoas que sofreram. Mas há o lado construtivo de que o futuro se antecipou, em muitos casos para a transformação de negócios e atividades que há pouco tempo não se imaginava que pudessem ser vitalizáveis e mantidos de forma natural tão rapidamente. Esse é o lado transformador da crise, que vai manter ativa a economia nos países, mas com transformações profundas. Será a grande revolução da pandemia.

Também um dos efeitos foi escancarar a situação dos desvalidos, que não têm condição de fazer quarentena por impossibilidade econômica. Como esta pandemia pode transformar a vida dessa população para melhor? Governos e instituições públicas terão de ser mais solidários e presentes no atendimento aos desfavorecidos, aos mais pobres, àqueles que precisam efetivamente da presença do Estado. A pandemia expôs de forma mais aguda e chocante a dificuldade da pobreza de enfrentar não só a fome mas a doença. A morte chega mais perto daqueles que estão à margem da sociedade.

Por outro lado, tenho 62 anos e nunca tinha visto uma sensiblilização da solidariedade como vi nessa pandemia. Empresas, instituições, pessoas investindo recursos, oferecendo produtos, oferecendo serviços, formando redes de solidariedade. Será um grande legado desta pandemia e desta crise. As pessoas serão mais solidárias.

João Agripino da Costa Doria Júnior, 62
Atual governador de São Paulo, em 2016 foi o primeiro prefeito eleito em primeiro turno na capital desde 1992, quando as eleições passaram a ter dois turnos. É o pré-candidato principal do PSDB às eleições presidenciais de 2022.

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